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Crítica | O Pequeno Fruto do Amor

As responsabilidades da vida adulta.

por Luiz Santiago
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Aleksandr Petrovich Dovzhenko nasceu na Ucrânia, em 1894. Seu nome figura entre os cinco maiores cineastas soviéticos e entre os maiores realizadores da História do Cinema. Por ter sido criado em uma fazenda, o meio rural serviu de base para muitos de seus filmes, como também serviu ao seu engajamento político, tendo em vista que, antes de entrar para o cinema, ele foi filiado ao Partido Comunista e chegou a ser designado para a Embaixada Soviética na Polônia. Em 1923, ao regressar de seu trabalho no exterior, o jovem diplomata tornou-se ilustrador e caricaturista, tendo nesse mesmo período o primeiro contato com a Sétima Arte, processo que resultaria, três anos depois, na única comédia de sua filmografia, o seu début no cinema: O Pequeno Fruto do Amor (1926). Lançado no mesmo ano que Vasya, o Reformador, o filme é uma pequena crônica urbana que foca no processo de amadurecimento de um homem, e o seu medo frente às responsabilidades da vida adulta.

Acompanhamos aqui a história de Jean (Maryan Krushelnitsky), um barbeiro que se vê com duas obrigações dolorosas para qualquer “espírito livre”: casar-se e assumir a paternidade de uma criança. Deparando-se com tal realidade, o jovem faz de tudo para se livrar do bebê. Ao conseguir seu intento, chega para ele uma intimação convocando-o a se apresentar ao Fórum em poucas horas… com o seu filho. Então, ele precisa a todo custo reencontrar a criança que fez de tudo para tirar de sua vida. O Pequeno Fruto do Amor é uma obra irônica. Herdeira da slapstick comedy, lembra as perseguições de Chaplin, e até mesmo o tema da criança e do amor remetem a esse cineasta. Mas as semelhanças param por aí. A montagem, que não era o foco no cinema americano, dá ao filme de Dovzhenko um caráter mais que especial.

Seria desnecessário comentar as boas sequências do filme e o brilhantismo da montagem em relação a elas, porque todo o curta é muitíssimo bem editado e dirigido. Entretanto, uma sequência em particular merece destaque. Quando o oficial do Fórum vai despachar a intimação para ser entregue a Jean, ele aperta a campainha de mesa. Não vemos o funcionário entrar em cena. Ele aparece em cena. Como num passe de mágica. Num primeiro momento fiquei espantado, achei que fosse um erro de montagem. Então voltei o filme alguns segundos e observei com mais atenção. De fato, o funcionário aparece como se fosse materializado pelo chefe e, quando este indica com a mão para que o subordinado deixe a sala, ele simplesmente desaparece. Vindo de um ex-funcionário do governo, essa sequência guarda uma série de conclusões críticas sob uma irônica e cômica demonstração de “eficiência neurótica” que me fez rir bastante.

Essa estreia primorosa de Dovzhenko no cinema mistura questões sociais com os problemáticos relacionamentos amorosos, falando também sobre como o Estado, através de suas instituições, pode interferir na vida dos cidadãos chamados “livres”. No fim das contas, estamos diante do impasse da liberdade e da obrigação. Um curta-metragem gracioso e tecnicamente impecável, que termina com um criativo e didático flashback após uma impactante notícia dada ao protagonista. A pergunta “viver sob a lei vale a pena?” parece desenhar-se nas entrelinhas, mas a distensão vinda pela comicidade desse epílogo parece apagar quase por completo a última alfinetada. Sendo essa a sua estreia, não é de admirar que Dovzhenko teria problemas com Stálin, anos depois. O realismo soviético, com o passar dos anos, se ressentia de filmes que colocavam em xeque os caminhos tomados pelo sistema ou pelo governante, trazendo as perigosas divergências artísticas e políticas que acabaram com a carreira (e às vezes, a vida) de muitos diretores no país.

O Fruto do Amor (Yagodka Iyubvi) – URSS, 1926
Direção: Aleksandr Dovzhenko
Roteiro: Aleksandr Dovzhenko
Elenco: Maryan Krushchelnitski, Margarita Barskaya, Dmitri Kapka, Ivan Zamychkovsky, Volodimir Lisovsky
Duração: 27 min.

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