A Revolução Farroupilha ocorreu entre 1835 e 1845, no Rio Grande do Sul. Esse período foi marcado por tensões entre as províncias do sul e o governo central do Império do Brasil, que estava localizado no Rio de Janeiro. As elites locais se sentiam marginalizadas e insatisfeitas com as políticas fiscais e administrativas, além da alta carga tributária que afetava diretamente a economia da província. Entre as principais causas da revolução estão a questão fiscal, a defesa dos interesses locais dos estancieiros (grande proprietários de terras) e a luta por maior autonomia para a província. A necessidade de uma melhor representação política e o desejo de criar um novo modelo econômico também foram elementos contribuintes para a insatisfação que culminou no levante. Líderes como Bento Gonçalves e Giuseppe Garibaldi desempenharam papéis fundamentais na revolta. Bento Gonçalves liderou a insurreição e se tornou um símbolo da luta farroupilha, enquanto Garibaldi, um imigrante italiano, trouxe sua experiência militar e se destacou em várias batalhas. Ele ajudou a consolidar a liderança militar dos rebeldes e é lembrado como um defensor das causas republicanas. Estudamos esse assunto nas aulas do componente curricular História em nossa fase escolar, mas também podemos encontrar uma observação ficcional do assunto no romance O Gaúcho, o menos autêntico do escritor romântico José de Alencar, conhecido por seu ousado projeto de exaltação da nacionalidade na literatura.
Conforme dados dos livros didáticos focados na história do Brasil, a revolução começou em 1835 com a tomada da cidade de Porto Alegre pelos rebeldes. Ao longo do conflito, ocorreram várias batalhas, como a Batalha de Seival e a Batalha do Fanfa, que foram decisivas para o controle da região. A criação do governo provisório da República Rio-Grandense em 1836 é um marco importante, pois simbolizou o desejo de autonomia e independência dos farroupilhas. Após uma década de conflitos e várias frentes de luta, a revolução terminou com o Tratado de Ponche Verde em 1845. O acordo garantiu uma anistia para os rebeldes e reconheceu algumas demandas políticas e econômicas, mas não concedeu a autonomia total que os farroupilhas desejavam. Contudo, o tratado marcou um período de paz e estabilização na província. A Revolução Farroupilha é considerada um dos principais movimentos separatistas do Brasil e teve um impacto significativo na história do país. O conflito levantou discussões sobre federalismo, autonomia provincial e os conflitos entre os interesses regionais e nacionais. Além disso, a revolução contribuiu para a formação da identidade cultural gaúcha, que valoriza a liberdade e a luta por direitos, e influenciou outros movimentos sociais e políticos no Brasil.
José de Alencar, sem nunca ter viajado para a região, levantou documentos da época para realizar a sua composição literária focada no projeto de analisar as vastas dimensões de um país ainda em processo formativo. Ao longo de suas 208 páginas, o escritor nos apresenta um enredo narrado em terceira pessoa que se inicia com uma descrição do vale do rio Uruguai, contrastando com os Pampas, uma região desolada e aberta. O protagonista, Manuel Canho, um gaúcho solitário de 22 anos, se apresenta como um ser integrado à paisagem, simbolizando o gaúcho mítico. À medida que o enredo avança, o leitor é introduzido a personagens que representam os conflitos centrais da narrativa, especialmente o romance entre Manuel e a mocinha que surge em seu caminho. Durante sua estadia em Jaguarão, Manuel encontra seu padrinho, Bento Gonçalves, um líder farroupilha que detém o caudilho uruguaio Juan de Lavalleja como prisioneiro, enquanto tentam inspirar um sentimento separatista. Com a bênção de seu padrinho para vingar a morte do pai, Manuel conhece a jovem Catita, uma menina de treze anos que, após chamar a atenção dos presentes, surpreende a todos ao afirmar que seu futuro noivo é Manuel.
Essa revelação deixa o protagonista surpreso e melancólico, intensificando o conflito amoroso que se desenrolará ao longo da narrativa. No romance, Manuel Canho se envolve em um conflito na província de Entre-Rios ao disputar a égua baia, Morena, com o mascate chileno D. Romero. Após diversas tentativas de outros peões, Canho consegue domar a égua e, respeitando seu instinto maternal, a segue até sua cria, formando uma forte conexão com ambos. Além de Morena, Canho também tem o cavalo Morzelo, uma herança de seu pai, e juntos compartilham uma amizade intensa. O personagem se propõe a vingar a morte de seu pai, assassinato cometido por Barreda, e, ao encontrar a família do inimigo em luto pela iminente morte dele, decide cuidar do ferido, mantendo sua busca por vingança em suspenso. Na segunda parte do romance, Manuel retorna para sua casa no arroio de Ponche Verde, onde reencontra sua mãe, Dona Francisca, e sua irmã, Jacintinha, que ficam encantadas com a égua e seu poldro, que recebe o nome de Juca em homenagem ao irmão falecido.
No entanto, a frieza de Canho em relação à família contrasta com sua alegria ao estar com os animais. Por meio de flashbacks, o autor explora as origens e as motivações do protagonista, revelando mais sobre seu comportamento distante e as circunstâncias que moldaram suas ações e sua busca por vingança. João Canho, um amansador de cavalos e amigo de Bento Gonçalves, vive uma vida tranquila com sua família até que Loureiro, um gaúcho que fugia de castelhanos por causa de um conflito amoroso, aparece em sua propriedade. A acolhida de Loureiro resulta na morte de João durante um confronto, presenciado por seu filho, Manuel. Após a morte do pai, Loureiro casa-se com a viúva, Francisca, que dá à luz Jacintinha, mas Manuel nunca aceita a presença do padrasto. Com a morte de seu irmão Juca e um sentimento de solidão e traição, Manuel se torna um adulto precocemente endurecido, decidido a vingar a morte do pai. Após entregar o dinheiro que acumulara à mãe, Manuel volta a Entre-Rios e assassina Barreda, vingando seu pai. Ele se une a Bento Gonçalves, tornando-se seu homem de confiança.
Durante uma festa na cidade, Manuel reencontra Catita, que deseja se casar com ele, mas ele se mostra indiferente, focando nos planos políticos e nos animais herdados do pai. Enquanto isso, sua irmã Jacintinha se deixa envolver por D. Romero, um mascate chileno, fazendo com que Manuel se preocupe com as intenções do novo pretendente. O enredo revela a complexidade emocional de Manuel e suas relações familiares em meio a uma luta por poder e vingança.No final do Livro Segundo e início do Livro Terceiro/Morena, a atenção se volta para Manuel Canho e sua égua, destacando suas interações e dilemas pessoais e políticos. Canho retorna a Jaguarão para se envolver nas campanhas de seu padrinho, Bento Gonçalves, enquanto se depara com intrigas emocionais que o cercam, especialmente envolvendo a bela Catita, que nutre um amor por ele. A jovem, em meio a um acidente com sua mula, encontra a coragem de Canho, o que fortalece seu vínculo desde a infância. Entretanto, ele permanece alheio às paixões e ciúmes de Félix e Chico Baeta, ambos dispostos a confrontá-lo.
À medida que a luta política avança, as rivalidades pessoais de Canho se intensificam, culminando em um duelo com Félix após a morte de seu cavalo Morzelo. A lealdade e o desinteresse por laços afetivos de Canho acabam por criar uma rede de inimigos, incluindo D. Romero, Félix e Chico Baeta. Embora deseje se vingar pela morte de seu cavalo, ele opta por desfigurar Félix em vez de matá-lo, mas a situação se complica quando novos inimigos aparecem, forçando Canho a uma fuga desesperada na qual sua égua Morena é ferida e outro cavalo permanece para trás, simbolizando suas perdas em meio ao caos da luta por poder e reconhecimento. No desenrolar da trama, Manuel Canho luta para salvar Morena, enquanto Catita, após receber Juca, o cavalo, se depara com desafios, incluindo o ataque de cães selvagens. Ela consegue se proteger, junto com Morena, graças à irrupção de uma vaca que desvia a atenção dos cães. Após a batalha, Manuel e Lucas ficam preocupados por não encontrarem Catita e Morena, mas acabam as localizando em segurança, onde compartilham um momento íntimo com um beijo.
O livro Quarto/Upa culmina na resolução dos conflitos que permeiam a história. No âmbito político, as tensões se desenrolam de forma a favorecer os ideais de Bento Gonçalves, que se opõe ao separatismo da Argentina e Uruguai. Ao mesmo tempo, a relação entre Manuel e Catita se fortalece, apesar da revelação do caráter volúvel da moça, que reforça a desilusão de Manuel em relação ao amor e à confiança nas mulheres, sugerindo uma crítica à natureza humana e suas traições. A análise, por aqui, pretendeu trazer uma perspectiva mais ampla porque em relação aos romances do escritor, O Gaúcho é um dos mais esquecidos. Há pouquíssima fortuna crítica e a já falta de autenticidade tornou a publicação a menos prestigiada do escritor que ousou em seu projeto literário nacionalista, mas apresentou lacunas de representação por uma observação que, de fato, nunca aconteceu. A fase regionalista de Alencar se insere em um Brasil em transformação, onde a identidade nacional começava a ser forjada. O autor buscou retratar os costumes, as tradições e a paisagem do Brasil, especialmente do Nordeste e do interior, ressaltando a diversidade cultural, além das paisagens sulistas, como podemos contemplar no romance aqui analisado. Em linhas gerais, não é um grande livro, mas um bom esforço ficcional.
O Gaúcho (Brasil, 1870)
Autor: José de Alencar.
Editora: Ática – Série Princípios
Páginas: 208