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Crítica | O Gebo e a Sombra

por Luiz Santiago
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Manoel de Oliveira já havia trabalhado e retrabalhado muitos dos ingredientes de O Gebo e a Sombra em sua filmografia. Em safras mais próximas a este longa de 2012 e a respeito de seu forte caráter teatral, basta lembrar quando o cineasta cedeu espaço à ilusão da imagem e investigou o próprio cinema como parte da existência e da aparência de existir em Singularidades de uma Rapariga Loura (2009) e O Estranho Caso de Angélica (2010). Se anterior a isso, o cineasta flertava ou se agarrava ao caráter teatral, cênico ou dramático em seus filmes mais maduros, em suas realizações centenárias, a relação com o palco e a representação da vida ou das ilusões de nossa existência são plenas, chegando a um clímax estético e textual em O Gebo e a Sombra (2012), adaptação da peça de Raul Brandão.

O interior da casa de Gebo, onde vive com sua mulher e a nora é o cenário básico do filme, que firma uma angustiante exclusão dos personagens em relação ao mundo exterior, ou, quando pouco, o seu enclausuramento num círculo diminuto de conhecidos. Essa opção dramática acaba sendo a deixa para a concepção estética e cênica da película, que guarda todas as semelhanças possíveis com o palco e gera uma tremenda economia de planos, o que evidentemente faz o filme ser lento. Mas não digo isso de forma pejorativa, apenas como uma constatação.

A lentidão de Manoel de Oliveira é, na verdade, o tempo comum dos acontecimentos em seu Universo analítico, o espaço em que seus filmes acontecem — o que em O Gebo e a Sombra significa a sala pouco iluminada de onde se pode ouvir uma chuva quase onipresente marcando o passo dos diálogos e solilóquios dos personagens. Estas, por sua vez, não têm pressa de falar, não se acanham em repetir falas, em murmurar, chorar e olhar perdidas para o nada, procurando algo de substancial que possa possa ser dito, além do clichê de suas falas no dia a dia.

Ao filmar pessoas angustiadas e em busca de algo, Oliveira se importa muito mais em mostrar o seu meio, o ambiente que lhes causou a busca, do que a conclusão do caso. Para o diretor, o resultado deve ser melhor alcançado a partir da sugestão moral ao término da obra, e se ele teoriza sobre algo, nunca há uma verdade ou uma definição didática sobre o certo e o errado, o bem e o mal. O didatismo do cineasta é o de quem ensina um longo caminho para um peregrino, mas o que este encontrará em seu destino final, aquele que ensinou jamais saberá.

A sombra que paira sobre a vida de Gebo e sua família é um espírito indômito e perturbado, a figura raivosa do filho João, pródigo infeliz que passou quase uma década longe de casa e causou uma espécie de luto na mãe. Gebo, em particular, não sente falta do filho. Ele se ressente dos atos daquele, teme que a mulher morra ao descobrir a verdade sobre o jovem e se sacrifica para que as aparências permaneçam as mesmas. Um estranho sentimento de dever é a pedra angular da psicologia de Gebo, que sempre muito calmo, passa as noites fazendo contas e trocando poucas palavras com quem estiver na sala.

Há pouco silêncio em O Gebo e a Sombra, mas as muitas falas mais lamentam e desabafam do que criam conflitos e situações para serem resolvidas. Aliás, essa não é nem de perto a intenção do filme. Não há nada para resolver. Trata-se apenas de uma obra de contemplação; mas não aquela contemplação alienativa, de apenas ver e se entreter. O Gebo e a Sombra gera uma observação que beira o desespero e, por isso mesmo, faz com que o espectador pense sobre a profusão de pequenos temas abordados desde os diálogos iniciais, indo contra ou a favor de uma certa posição, sentindo de maneira quase física o peso de uma vida de mentiras, dúvidas e vergonha, terminando a obra com nuances de um Portugal (a despeito de ser falado em francês, uma parte do pequeno e excelente elenco é português e a alma do filme é lusitana) entregue a mentiras de toda uma vida em nome de um certo ideal ou dever. E então, o dilema: o que se faz depois que as máscaras caem?

O Gebo e a Sombra (Gebo et L’Ombre) – Portugal, França 2012
Direção: Manoel de Oliveira
Roteiro: Manoel de Oliveira (baseado na peça de Raul Brandão)
Elenco: Michael Lonsdale, Claudia Cardinale, Jeanne Moreau, Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra, Ricardo Trêpa
Duração: 98 min.

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