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Crítica | O Grande Lebowski

por Luiz Santiago
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Há três formas de falar sobre esta comédia surrealista e irreverente dos Irmãos Coen chamada O Grande Lebowski. A primeira delas é estabelecer um paralelo do filme com elementos da cultura pop, da política e rusgas ideológicas da sociedade americana nos anos 1990. A segunda é abordar o filme a partir de sua farta lista de clássicos homenageados, começando por Relíquia Macabra ou O Falcão Maltês (1941) passando por Pacto de Sangue (1944), Quando Fala o Coração (1945), Mensageiro do Diabo (1955) e Lolita (1962) até chegar em Satyricon de Fellini (1969). A terceira forma é seguirmos uma pista cristalina do roteiro e fazermos uma leitura niilista de tudo o que vemos, onde tudo nada significa e as coisas estão lá apenas para (eventualmente) divertir ou mostrar, com doses cavalares de exagero, alguns acontecimentos na vida de um vagabundo convicto, um homem chamado Lebowski (não aquele, o outro!), mas que o Universo conheceria como THE DUDE.

Interpretado de maneira magnífica por Jeff Bridges, The Dude é o tipo de personagem cativante, ‘simplexo‘ e azarado que nas mãos de roteiristas menos insanos seria apenas um personagem pastelão com algumas tiradas engraçadas. Mas não é esta a realidade que temos no texto de O Grande Lebowski, exatamente o tipo de obra que nos obriga a juntar todas as três possibilidades de análises que afirmamos no início e ainda outras, menores e mais pontuais, que vão aparecendo ao longo do filme.

Seguindo os passos do cinema noir que tanto admiravam e que já haviam explorado em diferentes estágios nos longas Ajuste Final e Barton Fink, a dupla procurou também expandir o campo da comédia, adentrando no campo da sátira ao western, da crítica (e cinismo e ironia) à política internacional com foco nas guerras e do surrealismo e dadaísmo, correntes artísticas que já se faziam ver na primeira comédia que dirigiram, Arizona Nunca Mais.

O filme segue uma pseudo linha de investigação, mas de ordem informal, em cujo processo vemos a mistura de serviços de diversos grupos e criminosos, algumas buscas por diferentes coisas (tapete, dinheiro, mulher, carro, vitória em um campeonato) e um suspense que entre canções tradicionais e singles americanos na trilha sonora nos faz voltar a atenção para diversos culpados e diversas possibilidades de extorsão, o que problematiza enormemente a participação do Dude na história, mas sem fazer com que o personagem seja convertido em um tipo de herói ou mesmo anti-herói ou amadureça ao longo da jornada.

Com o típico roteiro-labirinto (os Coen são o Chris Claremont do cinema), o filme não está preocupado em vender uma história de superação, ou um hino ao deboísmo ou uma crítica aos que passam a vida sem grandes aspirações, em um frenético carpe diem e tentando fazer o que acham certo; nada mais, nada menos. É nesse ponto que a película se torna difícil — ou dá mais trabalho — para o espectador racionalizar a respeito. Porque se por um lado é evidente que há mesmo essa versão semi-buñuelista estampada nas cenas e através de vários blocos narrativos (nota: todos eles com a presença do Dude, o vagabundo onipresente), há muito mais no filme do que apenas abstração simbólica, indicações sexuais através de pinos e bolas de boliche; fetiches historicamente anacrônicos como a viking wagneriana e suas homenagens visuais ao musical Rua 42 ou projetos artísticos atrás e à frente de seu tempo, sendo o primeiro representado pelo empresário da “indústria do entretenimento para adultos”, vivido por Ben Gazzara; e o segundo pela artista filantropa e verdadeira cabeça por trás da fortuna Lebowski, vivida por Julianne Moore.

Quando o filme cita o niilismo, percebam, não é à toa. Tanto o Dude quanto toda a história mergulham aqui e ali neste termo filosófico e há loucura de sobra para dar sustentação a esses momentos, alguns deles deslocados da saga e até bastante forçados, como os voos alucinantes do personagem, o que vai aos poucos diminuindo o poder da história — que sozinha, já é anormal –, derrubando o roteiro de alguns degraus.

Mais uma vez fica evidente as precisas orientações dos Coen para a figurinista Mary Zophres (Fargo) em manter a individualidade de cada personagem através de um guarda-roupa com pouca ou nenhuma alteração de modelos, apenas de acessórios. E mais uma vez vemos o diretor de fotografia Roger Deakins (Barton Fink, Na Roda da Fortuna, Fargo) criar danças de luzes em contraste propício para os cortes da edição e realizar universos inteiramente diferentes a partir de mínimas nuances de cor dentro do quadro, através de filtros suaves ou mesmo movimentação de câmera pelo ambiente ou para um determinado personagem. Comparem, por exemplo, as cenas no escritório do Grande Lebowski, as cenas na casa do Dude e cada uma das sequências na pista de boliche (onde temos o incomparável John Turturro fazendo graça) para comprovar essa mudança.

Transformando o absurdo em algo mais ou menos palpável e intensamente onírico, Joel Coen e Ethan Coen realizam em O Grande Lebowski uma comédia cujo significado pode ser qualquer coisa, de um filme despreocupado sobre a magnânima vagabundagem em perigo até uma crítica social à família, ao papel da guerra na sociedade e a forma como afetam os cidadãos, às relações fraternas, à indústria do entretenimento e à própria vida. Está bom ou querem mais, dudes?

O Grande Lebowski (The Big Lebowski) — EUA, 1998
Direção: Joel Coen, Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Jeff Bridges, John Goodman, Julianne Moore, Steve Buscemi, David Huddleston, Philip Seymour Hoffman, Tara Reid, Philip Moon, Mark Pellegrino, Peter Stormare, John Turturro
Duração: 117 min.

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