Home LiteraturaConto Crítica | O Holandês Voador; ou, a Mensagem de Vanderdecken Para Casa, Traduzido por Carlos Primati

Crítica | O Holandês Voador; ou, a Mensagem de Vanderdecken Para Casa, Traduzido por Carlos Primati

por Luiz Santiago
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Na apresentação deste segundo conto do projeto Raridades do Conto Gótico, o curador Cid Vale Ferreira faz um ótimo apanhado contextualizador para um melhor entendimento de O Holandês Voador; ou, a Mensagem de Vanderdecken Para Casa, conto anônimo que resgata uma lenda cujo primeiro registro escrito data de 1790. Publicado pela primeira vez como Vanderdecken’s Message Home; Or, The Tenacity Of Natural Affection (1821), na Blackwood’s Edinburgh Magazine, o escrito se enquadra num momento de mudança na comercialização dos chapbooks e bluebooks no Reino Unido, que então migravam lentamente para jornais, revistas, periódicos e anuários.

No topo disso, o período foi marcado por uma tendência de os escritores góticos assimilarem o conteúdo de lendas, baladas orais e narrativas populares sombrias em locais afastados ou de certa forma perigosos (como o mar, por exemplo). Assim, tramas pastoris, aventuras à borda ou no interior de florestas, lendas náuticas e ambientadas em regiões montanhosas e isoladas marcaram forte presença nas produções góticas da década e, no presente caso, falamos de uma criação que acabaria se tornando a lenda do navio fantasma mais famoso de todos os tempos. Depois de sua primeira e módica publicação, este conto apareceu de modo muito mais relevante na coletânea Legends of Terror! (1826), já sob o título que marcaria para sempre a sua presença no imaginário literário, cultural e popular: The Flying Dutchman; or Vanderdecken’s Message Home.

No caso da lenda em que se baseia, uma das versões mais antigas diz que um filibote ou fluyt boot (veleiro tipicamente holandês muito comum entre o final do século XVII e primeira metade do século XVIII) zarpou de Amsterdã em 1680 e foi alcançado por uma tormenta no Cabo da Boa Esperança — antigo Cabo das Tormentas, localizado ao sul da Cidade do Cabo, na África do Sul. Como o capitão insistiu em dobrar o cabo, sem parar por um tempo no porto, foi condenado a vagar para sempre pelos mares, atraindo outros navios e, por fim, causando sua destruição. Já aqui, a lenda é narrada por dos tripulantes da seguinte forma:

[…] ele era um navio de Amsterdã e partiu daquele porto há 70 anos. O nome de seu mestre era Vanderdecken. Era um marinheiro ferrenho e fazia o que bem entendia, a despeito de tudo. Por conta disso, nunca um marinheiro sob seu comando teve motivos para reclamar; embora ninguém saiba como é estar a bordo com eles agora. A história é esta, que, ao dobrar o Cabo, passaram um longo dia tentando resistir à Baía da Mesa, que vimos esta manhã. No entanto, o vento os empurrava e ia contra eles cada vez mais, e Vanderdecken caminhava pelo convés, maldizendo o vento. Pouco depois do pôr do sol, uma embarcação falou com ele, perguntando se ele não pretendia entrar na baía naquela noite. Vanderdecken respondeu: “que eu seja eternamente amaldiçoado se o fizer, mesmo que eu deva vagar por aqui até o dia do julgamento!” […]

Por se tratar de um conto britânico do início do século XIX, é evidente que questões históricas da época acabaram sendo refletidas na prosa desse autor ou autora a respeito do Holandês Voador. À época, a Companhia Holandesa das Índias Orientais havia sido extinta há poucos anos (1799) e sua grandiosa rival, a Companhia Britânica das Índias Orientais (que seria encerrada em 1874) mantinha-se como a grandiosa marca de comércio dos mares. O tratamento decadente, meio patético e humilhante dado aos holandeses no texto é um ponto cultural e sociológico bem interessante de se observar nas entrelinhas, onde o terror acaba tendo como ponto de partida uma rixa histórica e econômica entre nações.

Particularmente acho bem bobinha e abrupta a forma como o conto termina, o que me fez gostar bem menos da história. Eu gosto da forma como ela é erguida, gosto da criação de uma atmosfera de medo, da expectativa para o encontro com o Holandês Voador (que é bom a seu modo, mas em termos de expectativa, bem frustrante) e até do diálogo e do medo dos tripulantes da “tripulação narradora” em pegar as cartas dos fantasmas. A maneira como tudo isso se encerra, porém, não faz jus à preparação, não tem nenhum tipo de cuidado ou pensamento bem estruturado para falar de destinos ou para fazer alguma conclusão específica sobre os eventos — algo que, de certa forma, é uma recorrência nos bluebooks e chapbooks, embora em muitos casos esse problema não tenha tanto peso como tem aqui, e creio que esse peso maior se deve a esta ser uma história bem curtinha. Mas definitivamente é um texto imprescindível para quem quer conhecer a raiz literária formal dessa lenda tão referenciada, em diversas artes, até os dias de hoje.

O Holandês Voador; ou, a Mensagem de Vanderdecken Para Casa. Uma Lenda Náutica (Reino Unido)
Autor:
Anônimo
Primeira publicação: Vanderdecken’s Message Home; Or, The Tenacity Of Natural Affection (1821)
Segunda publicação: The Flying Dutchman; or Vanderdecken’s Messagem Home (1826)
Tradução: Carlos Primati
Curadoria: Cid Vale Ferreira
24 páginas

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