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Crítica | O Homem dos Músculos de Aço (Pumping Iron)

Músculos inchados e estrelato instantâneo.

por Ritter Fan
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Pumping Iron (que alguém, por aqui, em algum momento, teve a brilhante ideia de batizar de O Homem dos Músculos de Aço…) é um daqueles raros documentários que marcou seu tempo, trouxe o fisiculturismo para os holofotes, e, ao mesmo tempo, fez deslanchar duas carreiras ilustres no audiovisual, com Arnold Schwarzenegger, que já havia estrelado Hércules em Nova York e O Guarda-Costas, se preparando para deslanchar sua explosão hollywoodiana com Conan, o Bárbaro, em 1982, e Lou Ferrigno, virgem nessa seara, sendo contratado para viver o icônico Incrível Hulk na série de TV setentista no mesmo ano de lançamento do filme.

A grande verdade é que, apesar de ser ostensivamente um documentário sobre os campeonatos de Mr. Universe (amador) e Mr. Olympia (profissional), na África do Sul, em 1975, o longa, descobriu-se ao longo das décadas, é, em termos de depoimentos especialmente de Schwarzenegger, completamente inventado. Os fatos públicos – os campeonatos – aconteceram essencialmente como vemos em tela, ainda que a direção de George Butler e Robert Fiore, que haviam escrito um livro homônimo, seja curiosamente econômica nas sequências das competições em si, focando muito mais nas finais do que no processo completo, mas as revelações pessoais são em grande parte fabricadas para criar momentos “emocionantes” ao longo da projeção.

É evidente que isso não desmerece a importância do documentário para o fisiculturismo em si, à época um esporte ainda de nicho, pouco divulgado e, portanto, pouco conhecido e reconhecido, e muito menos para as carreiras de Schwarzenegger e Ferrigno, mas ele perde um pouco de seu sabor quando sabemos que ele é uma coleção de fake news, só para usar um termo da moda, cuidadosamente reunidas para chocar, como quando o austríaco radicado nos EUA revela que não foi ao enterro de seu pai em razão da proximidade de um campeonato (mentira, ele não só foi ao enterro, como ele chegou a visitá-lo não muito antes de ele falecer) ou a própria rivalidade entre ele e Ferrigno e sua família que são apresentados quase que totalmente em tomadas separadas, com apenas uma em conjunto – fora a competição em si – durante um café da manhã, que ganha ares de ensaio do começo ao fim. Mesmo assim, Pumping Iron jamais seria feito hoje em dia.

E porque? Simples. O que vemos, aqui, especialmente saindo da boca de Schwarzenegger, é algo que mais ninguém teria coragem de falar nos dias de hoje. Seu ar exacerbadamente confiante, do tipo “eu sou o melhor, o resto é um lixo” e seus comentários específicos não só sobre Ferrigno, mas também sobre seu colega italiano (também radicado nos EUA) da categoria de menos de 200 libras Franco Columbu, são, no mínimo, politicamente incorretas para as suscetibilidades atuais e certamente algo que ele próprio não falaria se pudesse usar uma máquina do tempo, especialmente considerando que Schwarzenegger, como sabemos em retrospecto, está muito longe de ser burro. Em outras palavras, Pumping Iron, hoje, afundaria e não erigiria carreiras e isso mostra como o mundo mudou em tão pouco tempo.

A dupla de diretores – que teve problemas com o financiamento do filme, demorando dois anos para finalmente lançá-lo e somente com ajuda dos próprios fisiculturistas que aparecem nele – consegue, por outro lado, mostrar que o fisiculturismo é mais, bem mais do que apenas levantar peso. A própria tomada inicial com Schwarzenegger e Columbu tendo aulas de balé para ganhar postura e graça em seus movimentos abrutalhados é inesquecível, revelando o lado artístico dos rostos fazendo caretas e as veias pulando dos músculos quando pesos absurdos são levantados repetidas vezes. Percebe-se, também, apesar dos pesares, o lado “gente boa” de Schwarzenegger, que faz questão de ajudar seu colegas na academia Gold’s Gym, em Venice Beach, na Califórnia, tornada famosíssima em razão do documentário, mas sem perder seu ar de superioridade em razão dos seis títulos de Mr. Olympia que havia amealhado em seis anos, com o sétimo – e último, pois ele se aposentaria do fisiculturismo profissional em 1975 – a ser defendido no próprio documentário.

Pumping Iron pode não ser um documentário “puro”, daqueles que realmente merecem esse selo irrestritamente, mas Butler e Fiore sabem contar uma história e fazem exatamente isso para um esporte então relegado às margens da sociedade. O tirador de onda Arnold Schwarzenegger, o gigante e desafiante Lou Ferrigno e o pequenino, mas fortíssimo Franco Columbu, tomam conta da tela e fazem história com muitos músculos, mas também, por incrível que pareça, muito cuidado, muita dedicação e muita… arte. O fisiculturismo não seria mais o mesmo depois dessa obra que marcou gerações e que talvez continue tão atual e relevante hoje como foi diferente e inovadora há décadas.

O Homem dos Músculos de Aço (Pumping Iron – EUA, 1977)
Direção: George Butler, Robert Fiore
Roteiro: Charles Gaines, George Butler (inspirado no livro deles)
Com: Arnold Schwarzenegger, Lou Ferrigno, Matty Ferrigno, Victoria Ferrigno, Mike Katz, Franco Columbu, Ed Corney, Ken Waller, Serge Nubret, Robbie Robinson, Marianne Claire, Frank Zane
Duração: 86 min.

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