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Crítica | O Homem Irracional

por Leonardo Campos
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Algum tempo depois do investimento intelectual em Magia ao Luar, comédia sobre a necessidade de crença na mágica que gravita em torno de nosso cotidiano tomado pela palidez e incerteza diante de nossos destinos, Woody Allen retorna, como diretor e roteirista, para o terreno dramático, tendo no desenvolvimento da história em questão, pitadas do trágico, tratado de maneira farsesca e retomando temáticas já trabalhadas anteriormente. E melhor. Por isso, Homem Irracional foi visto por muita gente como um exercício menor do cineasta, autoplágio ruim e demarcação dos rumos de sua carreira para a fila da aposentadoria. Confesso que não vejo desta forma. Tudo bem que há na trama algumas fórmulas trabalhadas ao longo da trajetória do cineasta, mas isso não impede que a retomada de um tema seja motivação para a desistência de um excelente diretor de atores e criador de um universo cinematográfico tão vasto.

Há problemas em Homem Irracional, apontados mais adiante, no entanto, de maneira geral, o exercício realizado ao longo dos 96 minutos consegue entreter e nos permite filosofar. Woody Allen é um cineasta que integra o “poder de troca” do cinema, termo exposto de maneira didática pelo ensaísta e pesquisador Jean-Claude Bernardet no introdutório O que é Cinema, da Série Princípios, isto é, um dos realizadores que possui uma comunidade imaginada a consumir os seus filmes a cada lançamento, como se fosse um ritual. Isso também se aplica a Pedro Almodóvar, David Cronenberg e demais cineasta próximos da ideia de cinema de autor. Assistir, interpretar e debater sobre o “novo Woody Allen” faz parte de um circuito de trocas intelectuais onde as pessoas adentram e já sabem mais ou menos o que vão encontrar.

Dito isso, não creio que possamos afundar Homem Irracional no limbo apenas porque não é surpreendente como alguns marcos anteriores, tampouco transformá-lo numa produção descartável só porque o nosso nível de exigência pede que o trabalho mais atual seja sempre superior ao antecessor. Tudo bem que Crimes e Pecados e Ponto Final: Match Point exercitaram melhor as propostas da estrutura também encontrada na trajetória de Abe Lucas (Joaquin Phoenix) e Jill (Emma Stone). No entanto, ainda há charme, apuro estético e diálogos que mesmo sendo mais expositivos do que deveriam, permitem que sejamos contemplados com uma sessão de entretenimento inteligente. Stone, em nova parceria com o diretor, interpreta uma garota com traços de sua personagem em Magia ao Luar, salvaguardadas as devidas proporções.

Na trama, Lucas é um docente que não foge das suas referências realistas. É um acadêmico destrutivo, infeliz no amor, mesmo que colecione artigos e publicações para alimentar seu ego. Fora de forma, exerce algum interesse por causa de seu charme intelectual, a forma como se desdobra em suas aulas expositivas, repletas de lições filosóficas já mencionadas em outros bons filmes de Woody Allen. Ateu, sem relacionamento sentimental que lhe dê gás para sobreviver e desprovido de familiares, o personagem tem um caso com Rita (Parker Posey), docente que atua na mesma instituição de ensino, também desanimada com o casamento falido. Jill, no entanto, vai entrar como obstáculo nessa relação por se sentir magnetizada pelo mentor.

As coisas ficam mais complicadas quando o niilista Abe encontra uma razão a mais para recarregar a sua vida com algumas doses de carga simbólica. Ele decide cometer um crime explicado filosoficamente ao longo dos desdobramentos da narrativa. Em conversa com Jill, o professor decide estudar o perfil de um juiz que atualmente transforma a vida de uma mulher e seus filhos no verdadeiro inferno dantesco. Assim, com o plano de matar o representante da lei para melhorar a vida desta família e talvez de tantas outras, Abe arquiteta o plano que fornece novo ritmo ao seu cotidiano. O problema é que Jill não acolhe todas as ideias muito bem e o relacionamento entre eles se torna confuso. Seguindo a linha do acaso, comum nos filmes de Woody Allen, o personagem de Phoenix estava num lugar descomprometido e do nada, descobre essa história que mexe com a sua cabeça e muda para sempre o destino de todos.

Jill, de relacionamento fixo, quase se entrega por completo ao professor, mas é levada a repensar se a sua vida tranquila com o namorado comum, não filosófico, talvez tenha mais significado que seguir uma trilha insana com Abe Lucas. Assim, com um final anticlimático, o cineasta parece criar o seu desfecho de maneira rápida, sem tempo para nos acostumarmos com o rumo tomado pelas coisas. Vejo, na cena que sela o destino de Abe e Jill, uma abordagem sobre o acaso, sem necessariamente termos a exposição de uma história dentro dos parâmetros milimétricos do drama, proposto por manuais como os defasados padrões de Syd Field e Robert McKee, modelos que funcionam industrialmente, mas não devem ser a exigência para todas os filmes existentes. Há, sim, uma pressa para o desfecho de tudo, mas é uma opção também válida. Não encaro a opção como um furo/estrago/desvio da forma adotado desde os seus primeiros minutos.

Com seus habituais enquadramentos charmosos, o cineasta traz para a direção de fotografia, Darius Khondji, responsável pela atmosfera bucólica da narrativa, montante de imagens esteticamente bem e ofertadas aos espectadores também pela direção de arte de Carl Sprague, cuidadosa no âmbito dos pormenores do design de produção. Os figurinos de Suzy Benzinger trajam de maneira eficiente, cada personagem, dando-lhe os contornos diante de suas dimensões físicas, psicológicas e sociais. Com a habitual trilha sonora tomada por clássicos do jazz, Homem Irracional é um dos itens da vitrine Woody Allen com “preço dramático” um pouco menor que seus antecessores da mesma seara temática, mas ainda assim, um filme inteligente e sagaz sobre ética, crimes premeditados, existencialismo, dentre outros.

Homem Irracional (Irrational Man, EUA, 2015)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey, Tom Kemp, Jamie Blackley, Joe Stapleton, Nancy Carroll, Brigette Lundy-Paine, Katelyn Semer, Betsy Aidem, Ethan Phillips, Paula Plum
Duração: 95 min

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