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Crítica | O Homem nas Trevas 2

por Kevin Rick
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O primeiro O Homem nas Trevas é um filme subversivo. A trama do sucesso de 2016 girava em torno de um grupo de jovens que invadem a casa de um homem cego para roubar seu dinheiro, mas acabam deparando-se com um ex-militar perigoso e cheio de segredos. Logo, a subversão de clichês do gênero de terror se dá tanto na transformação dos mocinhos em ladrões quanto em converter a vítima em um monstro perigoso, até mesmo tendo um terceiro ato de reviravolta que muda nossa percepção sobre os personagens. Curiosamente, eu também acho que é um filme sobre diferentes formas de inocência. A paixonite perigosa do jovem bondoso; a vontade de mudança de vida melancólica da moça ardilosa mas ingênua da sua própria forma; e até o drama do vilão que perdeu a filha. Claro que são inocências deturpadas, de várias formas maliciosas na maneira que decidem procurar meios criminosos para seus objetivos, mas existe uma genuína sinceridade nos atos destes personagens, motivo pelo qual o primeiro filme é tão simpatizante com o elenco.

Estou dando enfoque a estes dois elementos, pois Homem nas Trevas 2 é um filme que muito provavelmente será caracterizado como diferente do anterior – e ele realmente é -, mas a sequência ainda tem como forte alicerce a subversão e a inocência. A trama do segundo filme, encabeçado agora pelo diretor Rodo Sayagues com a saída do cineasta Fede Alvarez do primeiro longa, acompanha Norman Nordstrom (Stephen Lang) alguns anos após os eventos do filme anterior, vivendo em uma casa isolada enquanto cuida de sua “filha” Phoenix (Madelyn Grace). O veterano de guerra sofre outra invasão a domicílio, agora de bandidos do qual não sabemos nada, que querem sequestrar a menina de Norman, também com motivações desconhecidas à audiência.

É interessante notar como a subversão agora se dá justamente pela expectativa do público por causa da obra anterior. Não quero tecer uma crítica comparativa, pois acho um argumento bastante pobre, mas é necessário pontuar como o longa de Fede Alvarez encontra no silêncio, na escuridão e no uso da casa como um personagem vivo para criar sua experiência angustiante e claustrofóbica, enquanto Rodo Sayagues propõe justamente o oposto. Homem nas Trevas 2 é alto, explosivo e exagerado. Não temos jovens idiotas, mas sim homens armados. Pessoas gritam e urram a todo momento. Balas voam constantemente, personagens estão sempre conversando, temos pequenas explosões e Rodo Sayagues preza o gore. Assim como acontece com a forma de lutar do nosso protagonista, Homem nas Trevas 2 é bem menos sensorial, e bastante físico.

A primeira crítica pensada seria em relação à perda de essência do filme anterior. Honestamente, essa questão da identidade pode ser uma análise altamente fútil. A realidade é que a sequência já é concebida com o rótulo de desnecessária, logo, manter a mesma linguagem de O Homem nas Trevas seria escolher uma direção sem valor próprio. Eu gosto da mudança, da tentativa de criar algo novo com uma material estabelecido, conectando-se ao que disse anteriormente de serem dois filmes que buscam a subversão em suas propostas adversas. Para mim, os problemas de O Homem nas Trevas 2 estão bem menos na divergência de atmosfera, mas na falta de qualidade na criação da própria experiência em foco.

Ainda que Rodo Sayagues crie momentos, enquadramentos e esquemas de iluminação que são tão desagradáveis ​​e inquietantes, da melhor forma possível, como o original, o diretor busca bem mais um ambição de ação com o terror. E então começam-se os problemas de direção, não por causa da proposta, e sim pela execução genérica de Sayagues. O cineasta quer conectar o jogo de esconde-esconde com seu viés mais brutal, contudo, seus artifícios medíocres de close-ups trêmulos, a constante inserção de diálogos expositivos durante sequências e a repetição cansativa da fisicalidade/imortalidade de Norman retiram qualquer nível de criatividade deixada pelo original, para se construir em um limbo que não é um horror tenso e nem uma ação violenta diversificada.

Até aí, tudo bem”, pois O Homem nas Trevas ainda se enquadra como uma experiência mediana que mescla, ainda que com dificuldade, o terror do aflito com caminhos mais frenéticos. No entanto, quando começamos a pensar na trama absurda que percorre o caminho sanguinário de Norman, nota-se a construção da inocência do relacionamento do protagonista com Phoenix como meio de validar o perdão do vilão (?). Não me entendam mal, eu sou todo a bordo de personagens complexos e moralmente “cinzas”, mas o filme pede muita simpatia pelo diabo. Os antagonistas repulsivos, o mundo que Norman desesperadamente quer manter Phoenix longe, espera que aceitemos que Nordstrom é o menor dos males e nos divertimos em suas execuções brutais dos agressores, sempre mais dispostos a torcer por um assassino em massa, estuprador e sequestrador como herói ajudando no “renascimento” de uma Fênix por suas ações benevolentes, que são na verdade egoístas.

Todas as decisões do filme derivam de um único impulso central: encontrar uma maneira de redimir, ou pelo menos perdoar, o monstro que esses cineastas criaram. Talvez funcionaria se fosse uma obra contida, mas ao pensarmos como a extensão de história do filme anterior, toda a mensagem de purgação da perversidade de Norman soa irresponsável e desconexa. Não é uma crítica sobre identidade ou essência atmosférica, mas sobre lógica no progresso dramático do personagem-base da franquia, e na criação de uma história sobre a maldade que fosse coesa em uma área mais cinza e aberta a debates. Mas Sayagues e Alvarez adotaram essa abordagem de acobertar os crimes do personagem-título, em vez de permitir que seu monstro simplesmente permanecesse um monstro.

Dessa forma, como citei no início do texto, O Homem das Trevas 2 quer usar a subversão como forma de surpreender seu público com uma experiência nova, enquanto utiliza a “inocência” do relacionamento entre Norman e Phoenix para o arco redentor do vilão. Todavia, o molde subversivo é mais interessante como ideia do que na execução genérica que não consegue juntar com propriedade a angústia com a ação convencional, nos entregando um thriller desajeitado e até cômico em algumas reviravoltas absurdas sem sentido. Enquanto o roteiro não é nada inocente na desagradável construção dramática de um monstro que não merecia lágrimas. Existem bons momentos de tensão, o elenco coadjuvante é excelente, especialmente a garotinha, e Lang nos dá mais uma performance cheia de fisicalidade, fúria e presença onipresente, mas O Homem das Trevas 2 é mais uma sequência de terror que não deveria existir.

O Homem nas Trevas 2 (Don’t Breathe 2) | EUA, 2021
Direção: Rodo Sayagues
Roteiro: Fede Alvarez, Rodo Sayagues
Elenco: Stephen Lang, Madelyn Grace, Brendan Sexton III, Rocci Williams, Stephanie Arcilla, Bobby Schofield, Steffan Rhodri, Adam Young, Christian Zagia, Ron Rogell
Duração: 98 min

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