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Crítica | O Homem que Sabia Demais (1934)

por Ritter Fan
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É muito estranho ver e criticar a versão de 1934 de O Homem que Sabia Demais. Afinal de contas, a versão de 1956, com James Stewart e dirigida pelo próprio Alfred Hitchcock (que já refilmara Assassinato!, de 1930, como Mary, de 1931) é muito mais conhecida do que a primeira. É como entrar em um túnel do tempo e ver a versão preliminar de um filme que você já conhece.

Até mesmo Hitchcock, de certa forma, concorda com esse raciocínio, pois, em entrevista a François Truffaut, capturada em livro e filme, ele afirmara que alguns aspectos da refilmagem eram muito superiores ao original, sem qualquer traço de modéstia e bem a seu estilo: “Vamos apenas dizer que a primeira versão é o trabalho de um talentoso amador e a segunda foi feita por um profissional”. E, de fato, é o que parece. O Homem que Sabia Demais, de 1934, é um filme que tinha potencial, mas sua execução deixa muito a desejar. A história, claro, é fascinante: um casal em férias acaba tomando conhecimento de um segredo e sua filha é sequestrada para garantir que eles não contem para as autoridades. É, basicamente, o primeiro verdadeiro thriller do Mestre do Suspense.

Sem os visuais elaborados e exóticos que o orçamento mais generoso da Paramount permitiria 22 anos depois, Hitchcock localiza a ação brevemente em St. Moritz, na Suíça (no lugar do Marrocos, na refilmagem) e logo parte para Londres, mas sempre filmando em estúdio na grande maioria das sequências. Em virtude do orçamento mais apertado, suas tentativas de trabalhar efeitos especiais, como na cena de abertura envolvendo um quase acidente de esqui, são embaraçosas. Além disso, com exceção talvez de Peter Lorre (no papel do vilanesco Abbott – mais sobre ele depois), os demais atores, todos ilustres desconhecidos, exageram na teatralidade, criando inadvertidos momentos cômicos na fita.

Uma coisa que me incomodou profundamente foi a forma de retratar pessoas sendo alvejadas por balas. Absolutamente todas as cenas desse tipo – são várias – lembram crianças brincando de “bangue bangue” e fingindo serem atingidas da maneira mais dramática possível, normalmente com uma queda “em câmera lenta”. Podemos – e devemos – aceitar esse exagero quando isso acontece na primeira vez, com o assassinato do espião Louis Bernard (Pierre Fresnay), já que isso é essencial para a trama, mas quando o mesmo tipo de teatralidade acontece repetidas vezes, não temos como não revirar os olhos. Claro, o filme é de 1934 e carrega consigo o estilo de uma época, mas filmes da década de 20 e até anteriores conseguiam retratar mortes de maneira menos artificiais e risíveis.

Mesmo assim, em econômicos 75 minutos, Hitchcock mostra, já nessa fase inicial de sua impressionante carreira, seu potencial para construir suspense (o tal “talentoso amador” estava bem presente!). Ao dividir a ação entre o pai, Lawrence (Leslie Banks), que investiga o paradeiro da filha e a mãe, Jill (Edna Best), que tenta evitar um assassinato no Royal Albert Hall, o diretor trabalha duas narrativas paralelas que conseguem se sustentar muito bem, prendendo a atenção do espectador com uma cadência excelente.

No terceiro ato, que é completamente diferente da refilmagem e foi inspirado em eventos verdadeiros no East End de Londres, onde Hitchcock havia crescido, há uma completa mudança de ritmo. Sai o suspense e entra um filme policial com muito tiroteio e mortes. Ainda que a alteração no compasso do filme funcione pelos primeiros minutos, a extensão e exagero da ação, com literalmente um exército de policiais cercando o local onde estão escondidos os sequestradores e assassinos, acabam diluindo seu impacto inicial.

Mas, se Hitchcock erra a mão em seu trabalho final, ele certamente não errou ao escalar Peter Lorre no papel do vilão principal. Muito mais memorável que o vilão da refilmagem (é difícil barrar Lorre em suas retratações de personagens assim), o ator dá um show de construção de personagem, mesmo sem saber falar uma palavra de inglês à época. Todo o diálogo foi memorizado foneticamente por ele e Lorre, com uma enorme cicatriz no rosto e uma mecha branca na cabeça, toma conta do cenário toda vez que aparece.

Os problemas de sua primeira versão de O Homem que Sabia Demais, porém, não impediram que seu trabalho fosse um dos maiores sucessos financeiros da fase britânica de Hitchcock. E, de fato, é fácil ver o potencial que estava por explodir (Os 39 Degraus seria seu filme seguinte e um dos mais importantes filmes britânicos do século XX) e o início do mais do que merecido título de Mestre do Suspense.

  • Crítica originalmente publicada em 22 de janeiro de 2014. Revisada para republicação em 03/12/19, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, Reino Unido – 1934)
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Charles Bennett, D.B.Wyndham Lewis
Elenco: Leslie Banks, Edna Best, Peter Lorre, Frank Vosper, Hugh Wakefield, Nova Pilbeam, Pierre Fresnay, Cicely Oates, D.A. Clarke-Smith, George Curzon
Duração: 75 min.

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