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Crítica | O Homem que Sabia Demais (1956)

por Ritter Fan
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Vamos apenas dizer que a primeira versão é o trabalho de um talentoso amador e a segunda foi feita por um profissional.
– Alfred Hitchcock falando para François Truffaut sobre as duas versões do filme.

A versão original de O Homem que Sabia Demais era um filme que tinha muito espaço para evoluir e Alfred Hitchcock sabia muito bem disso. Sua ideia de fazer uma versão americana de sua obra começou ainda em 1941, mas ela só veio mesmo a concretizar-se em meados dos anos 50, como uma forma de ele matar os proverbiais dois coelhos com uma cajadada só: ele nunca havia ficado satisfeito com o original e ele precisava de um filme para cumprir contrato com a Paramount.

Repetindo sua parceria com James Stewart e escalando Doris Day para contracenar, Hitchcock acertou em cheio no casal protagonista, o Dr. Benjamin “Ben” McKenna e a famosa cantora aposentada Josephine “Jo” Conway McKenna, que imediatamente funciona como atração para o público com excelentes interações que marcam Jo como forte e decidida e Ben como atrapalhado e, de certa forma, comicamente submisso. No entanto, o filme é marcado pelo que poderia ser classificado como um longo preâmbulo no Marrocos que serve para estabelecer o tabuleiro do jogo a ser jogado. O casal americano acaba recebendo informações secretas de um espião sobre um assassinato e seu filho, o jovem Hank (Christopher Olsen) acaba sendo sequestrado e levado para a Inglaterra para fazer com que seus pais mantenham o silêncio e não procurem as autoridades. Ben e Jo, então, partem para a ilha britânica para eles próprios tentarem recuperar o filho, envolvendo-se cada vez mais no emaranhado da trama.

E a palavra-chave, aqui, é mesmo “emaranhado”. O roteiro de John Michael Hayes, em sua quarta e última parceria com Hitchcock (ele escrevera os três filmes imediatamente anteriores do cineasta britânico: Janela Indiscreta, Ladrão de Casaca e O Terceiro Tiro) talvez tenha se sentido confortável demais e escrito quase que dois filmes em um, com as sequências em Marraquexe alongando-se demasiadamente e tornando-se desnecessariamente complicada considerando a simplicidade do que se pretendia passar. Por vezes, essa meia hora inicial parece mais um guia turístico da cidade com atores famosos, como se Hithcock tivesse se enamorado com o local sem que houvesse necessidade narrativa para tudo isso.

Quando a ação se desloca para Londres, a história realmente avança, mas, mesmo assim, de maneira claudicante, beirando o pastelão com as entradas e saídas de Ben e Jo de seu hotel, deixando convidados enxeridos e ignorantes do sequestro a ver navios, seguidas de investigações separadas da dupla que acabam desembocando no belíssimo Victoria and Albert Hall para o primeiro e melhor clímax, que abre espaço para o segundo e consideravelmente atrapalhado ponto alto em uma embaixada estrangeira. Com isso, o filme ganha uma duração que nem é tão longa assim, mas torna-se sensível ao espectador em razão das quebras de ritmo e das informações novas e coincidências que vão caindo no colo do casal.

Interessantemente, porém, Hithcock faz belíssimo e original uso da música em seu filme. Há uma trilha sonora incidental de Bernard Herrmann, mas não é ela que merece destaque, mas sim a canção “Que Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be)”, composta por  Jay Livingston e Ray Evans e interpretada por Doris Day duas vezes no filme, a primeira apenas parcialmente em Marrocos em “dueto” com o jovem Olsen, e, depois, na versão completa e com ela ao piano, na embaixada em Londres. São dois momentos muito bonitos no filme, com as performances de Day realmente roubando as cenas a ponto de essa canção ter se tornado uma das mais famosas de seu vasto repertório e ter levado à premiação da Academia em sua categoria (a terceira e última premiação no Oscar para a dupla Livingston e Evans). Além disso, a  composição instrumental “Storm Clouds Cantata” que o australiano Arthur Benjamin fizera para a sequência do assassinato no filme original de 1934 é repetida aqui, pois Herrmann, a quem foi dada a oportunidade de compor outra obra, achou mais adequado apenas expandir a anterior, com o maestro aparecendo em destaque no filme como condutor da Filarmônica de Londres. O resultado da sequência é tenso e bem construído e talvez pudesse ter marcado o final da obra, que, porém, ganha o longo dénouement (que não é bem dénouement) já citado.

A segunda versão de O Homem que Sabia Demais sem dúvida é uma evolução técnica se comparada ao original, mas a obra continua com problemas de roteiro não solucionados pela montagem e direção que a impede de figurar entre as melhores de Hitchcock, ainda que talvez seja uma das mais lembradas potencialmente em razão de Doris Day e sua “Que sera, sera”. Uma obra que diverte por sua inusitada musicalidade e pela química do casal principal, mas que não sabe o significado de economia narrativa e nem como e quando parar.

O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, EUA – 1956)
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: John Michael Hayes (baseado na história de Charles Bennett e D.B. Wyndham-Lewis)
Elenco: James Stewart, Doris Day, Brenda de Banzie, Bernard Miles, Ralph Truman, Daniel Gélin, Mogens Wieth, Alan Mowbray, Hillary Brooke, Christopher Olsen, Reggie Nalder, Noel Willman, Alix Talton, Yves Brainville, Carolyn Jones, Alexis Bobrinskoy, Richard Wordsworth, George Howe, John Barrard, Bernard Herrmann
Duração: 120 min.

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