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Crítica | O Homem Que Sabia Javanês, de Lima Barreto

por Luiz Santiago
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Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.

Originalmente publicado na Gazeta da Tarde do Rio de Janeiro, em 28 de abril de 1911, O Homem Que Sabia Javanês é amplamente conhecido por trazer a essência da visão crítica do escritor Lima Barreto sobre a sociedade, burocracia e intelectualidade brasileiras. A obra se passa em uma confeitaria, numa mesa onde dois amigos conversam: Castelo (o narrador sabedor de javanês) e Castro. E é aí que sabemos da saga de Castelo com o idioma javanês, como ele viu um anúncio solicitando um professor do idioma, acabou sendo contratado pelo Barão de Jacuecanga e terminou entrando para a diplomacia nacional, com direito a todos os louros do cargo e almoço com o presidente da República… Tudo isso por dizer saber uma língua que na verdade não sabia.

Barreto desloca temporariamente o seu narrador — inicialmente um pobre malandro que fugia do dono da pensão para quem devia o aluguel — até as ruínas do antigo Império do Brasil e às necessidades pueris que dali sobem. Ele, por sua vez, vive em um mundo que custa cada vez mais caro e que exige muito de todos. A forma como o vemos definir a casa do Barão é um forte indicativo dessa ironia frente ao passado moribundo (Império) e o presente que se pretende grandioso (República), mas onde um cidadão comum não tem o bastante nem mesmo para a passagem do bonde.

Todavia, esta relação de classe e até mesmo a posição desse indivíduo (um mulato) nesse mundo não são o foco do autor. Sua intenção é nos mostrar como, vindo da lama, é possível se fazer um gênio adorado na base da malandragem. Fosse hoje, devido sua alta posição, os bacanas sociais poderiam olhar para esse indivíduo vindo da periferia e clamar orgulhosos “olha aí onde chegou! É só se esforçar que dá certo!“. Sem saber nada de javanês — ou melhor, sabendo meia dúzia de palavras que aprendeu por aproximação fonética, numa biblioteca da cidade — Castelo ganhou não só um bom contrato de emprego, mas um cargo público de grande importância e garantiu seu lugar na elite. A personificação da enganação e total ignorância por todos louvada e aplaudida, admirado por alienados que colocam louros na cabeça de um estúpido e criminoso, elevando-o a status de mito que ouve frases apaixonadas por onde passa: “Vejam só, um homem que sabe javanês – que portento!“.

Enganando a máquina estatal e ganhando dinheiro e fama ilegitimamente, Castelo encarna a realidade de tantas figuras brasileiras adoradas por aparentemente fazerem algo muito bem ou terem o conhecimento de alguma coisa, quando na verdade não sabem nada, não são sequer parecidos com a figura que vendem para seus adoradores. Como o conto abraça as largas veias das repartições públicas, é possível entender a intenção do autor ao fazer esta crítica, especialmente porque o suposto sabedor de javanês ganha poder por meios informais, através de contatos que não questionam se ele é realmente capaz de ocupar um importante cargo público. Apenas olham para o homem, assumem o que ele diz como verdade, e está feito. Isso basta para que se crie um herói nacional que segue carregado de elogios numa função que exerce à base de um crime. A ironia maior é que o Estado brasileiro e outras muitas instituições nacionais estão cheios de sabedores de javanês ainda hoje: do maior ao menor cargo da República. Mas não se preocupem. Este é o “país do futuro“. Tudo vai bem.

O Homem Que Sabia Javanês (Brasil, 1911)
Autor: Lima Barreto
Publicação original: Gazeta da Tarde do Rio de Janeiro, 28 de abril de 1911
Edição lida para esta crítica: Lima Barreto – Obra Completa
Editora: Nova Fronteira, 2018
9 páginas

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