Em 2021, a editora brasileira Clock Tower lançou o livro Weird Western – Horror e Fantasia no Velho Oeste – Vol.1, uma coletânea de contos possibilitada através de uma campanha realizada pelo Catarse. Os contos deste volume foram escritos por Robert E. Howard e abordam o horror e também alguns elementos de fantasia aplicados ao Universo do faroeste. O livro traz 8 histórias mais um apêndice com material extra (um poema, uma carta, um relato popular recontado pelo autor e textos de apoio), além de uma ótima introdução dividida em três partes, cada uma delas abordando elementos diferentes relacionados ao escritor, ao gênero weird western e ao material contido na obra. Neste compilado, trago a crítica para os dois primeiros contos do livro. Boa leitura a todos!
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O Horror da Colina
Não é de hoje que a gente se depara com narrativas em que pessoas de uma cultura considerada “civilizada” (leia-se: livre de crendices e superstições ou qualquer tipo de atenção para o mundo sobrenatural) estrepam-se justamente porque ignoraram os avisos sérios e repetidos de quem não só acredita mas sabe que com certas coisas é melhor não brincar. Publicado na Weird Tales em maio de 1932, O Horror da Colina destaca exatamente esse tipo de personagem. Trata-se de Steve Brill, cowboy que está passando por maus bocados em suas terras, devido a desacertos do tempo, especialmente granizo e seca. Robert E. Howard começa o seu relato estabelecendo muito bem esse personagem, assim como o seu modo de pensar e a sua herança cultural e familiar, dando espaço para o enfrentamento que o homem branco terá com o velho Juan Lopez, trabalhador braçal de uma propriedade vizinha à de Brill que sempre passava longe e a passos rápidos de uma colina mortuária indígena (uma herança dos Construtores de Montículos, comuns na América do Norte) que havia na região.
A escrita de Howard aqui é um misto de criação de situações interessantemente medonhas (a atmosfera de preparação é realmente boa) e construções abruptas com encadeamentos narrativos que não ajudam muito a história a ganhar peso em partes importantes, especialmente quando o vilão da história, um vampiro, começa a atacar. Embora tenha problemas de exposição — parece que falta algo para completar algumas frases ou momentos de descrição do espaço geográfico, das roupas e dos pensamentos dos personagens –, a primeira parte da obra é definitivamente a melhor. Nela, o autor constrói bem a sensação de medo, confrontando o pensamento supostamente racional de Brill com o de Lopez, que acredita nas histórias contadas por seus antepassados. A maneira como o autor acompanha o crepúsculo, o afastamento do mexicano, os avisos que deixa ao cowboy ansioso e a sequência em que Brill escava a colina indígena, a fim de encontrar um possível tesouro ou algo de valor, são os pontos de destaque do texto.
A partir do momento em que a criatura que estava enterrada naquele lugar consegue escapar, o conto tem um incremento daquilo que já trazia de problemático antes. A narrativa se torna oficialmente abrupta. A passagem de Brill de um lugar para outro fica truncada, o leitor tem até dificuldade de localizar as mudanças, o estabelecimento do novo local e o que este espaço tem de interessante. É um final problemático não só apenas porque é muito corrido, mas porque não faz bom uso do vampiro. A luta deste ser com Brill é menos interessante que sua luta com Lopez, momento que o leitor sequer tem descrição na obra, apenas sabe das consequências. O fogo e a danação do monstro da noite não são dignos de um ser tão interessante, que passou tanto tempo enterrado e, certamente dominado pelo ódio, poderia ter conseguido um espaço de ação muito maior. Até entendo o direcionamento heroico para a figura do “colono lutador”, mas é aquela coisa de compensação dramática: se passamos metade da história esperando o aparecimento de algo terrível, não é aceitável que esse algo tão esperado seja facilmente dominado e morto por alguém que sequer acreditava que algo assim poderia existir.
The Horror from the Mound — EUA, maio de 1932
Autor: Robert E. Howard
Publicação original: Weird Tales
No Brasil: Weird Western – Horror e Fantasia no Velho Oeste (Clock Tower, 2021)
Tradução: Daniel Iturvides Dutra
Arte: Giovanni Luengo, Leander Moura
18 páginas
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O Vale dos Perdidos
Aqui em O Vale dos Perdidos, Robert E. Howard encontra-se dramaticamente com H.P. Lovecraft. Sim, eu sei que é clichê falar isso de muitos dos escritos de Howard, mas a questão é que trata-se de um apontamento factual, não é nem conjectura interpretativa. Os autores se escreviam, admiravam a escrita um do outro e Howard propositalmente inseriu em muitos de seus textos elementos (às vezes distanciados, às vezes bem diretos) vindos do Universo criado por Lovecraft. No presente conto, conhecemos John Reynolds e seus perseguidores, os membros da família McCrill. Há uma rixa de gerações entre esses dois clãs texanos, e o momento relatado no texto representa o trecho final dessa longa briga. Nenhum dos dois lados imaginava que a contenda fosse interrompida por situações inexplicáveis, terríveis e, por um certo ponto de vista, sobrenaturais.
Um ponto interessante desse texto é que ele se passa cronologicamente depois de O Horror da Colina, e nós sabemos disso porque o fugitivo John Reynolds acaba pegando “o cavalo do falecido Steve Brill” que é o protagonista do referido conto. O contexto inicial para a briga das famílias e o estabelecimento do que parece “o fim da linha” nessa batalha é só o começo de algo muito maior e ainda mais importante que teremos explorado nessa aventura. Na verdade, a grande atenção aqui não é dada para a rixa de famílias, esta é só uma desculpa, um McGuffin para fazer a trama andar. O que realmente importa nessa obra é aquilo que o título nos fala. O Vale dos Perdidos. Neste lugar onde uma caverna com a abertura coberta de pedras parece avisar às pessoas para se afastarem é que ocorre o que de melhor este conto tem. É nesta caverna que os McCrill colocam temporariamente o corpo de um familiar morto por Reynolds, e é ao entrar na caverna que o perseguido descobre que as histórias de terror sobre aquele local não eram mentirosas. Na verdade, elas não davam conta sequer da metade do que alguém poderia encontrar no interior da montanha.
O desenvolvimento do enredo mostra que Howard estava muito mais interessado em escrever uma trama sobrenatural do que sobre tiroteios no Velho Oeste. O ponto de vista no western, porém, deixa o aspecto macabro da história ainda melhor, porque a civilização estranha vivendo nos subterrâneos (a temática de Nós, de Jordan Peele, me veio imediatamente à mente enquanto eu lia) e momentos muito bem narrados sobre a colonização da América — o autor claramente pesquisou a respeito da Cultura de Clóvis, que é de descoberta contemporânea sua (1929) e sobre o povoamento do nosso continente através da rota asiática — parecem ainda mais impressionantes pelos olhos de um colono ou cowboy do século XIX. A loucura que acomete Reynolds ao final do conto não é gratuita ou vazia. Assim como nas obras de Lovecraft e de muitos autores americanos ligados ao Universo do horror cósmico, vemos a fraca mente humana incapaz de lidar com a visão, com a contemplação ou vivência de algo tão aterrador. A loucura e o suicídio não são raros nessas ocasiões.
E vejam que aqui existe apenas uma sugestão de algo fora da Terra. Toda a construção dos medos, seres deformados e de comportamentos selvagemente bizarros são feitos por indivíduos do gênero homo que simplesmente involuíram. Os momentos de confusão narrativa no desenvolvimento do conto não tiveram um peso tão grande como no conto anterior. E nesse caso, é porque a história é realmente melhor pensada e amarrada, inclusive com uma ideia de ciclo muito bem arquitetada, dando a ideia de progressão do tempo e de mudança da fisionomia de Reynolds nas poucas horas que passou dentro da caverna. Falhas na exposição dos pontos de vista (e não são poucas, vale dizer), muitas vezes nos deixando confusos em relação ao espaço e aos personagens da ação (novamente, igual a The Horror from the Mound) também não conseguem tirar muito da qualidade da história, que é capaz de nos impor um coração acelerado e impregnar no leitor um pouco dos horrores possíveis que podemos encontrar aqui na Terra, em locais escondidos ou pouco visitados. Um conto que chama a atenção para o fato de que histórias sobre lugares assombrados não são necessariamente apenas histórias.
The Valley of the Lost / Secret of Lost Valley — EUA, 1967
Autor: Robert E. Howard
Publicação original: Startling Mystery Stories
No Brasil: Weird Western – Horror e Fantasia no Velho Oeste (Clock Tower, 2021)
Tradução: Daniel Iturvides Dutra
Arte: Giovanni Luengo, Leander Moura
22 páginas