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Crítica | O Hospedeiro

por Ritter Fan
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Quero dizer, ela morreu, mas ainda está viva.

Depois do sucesso de Memórias de um Assassino, um drama policial atmosférico e assombroso, Bong Joon Ho partiu para co-escrever e dirigir nada menos do que um filme de monstro na melhor tradição de seus vizinhos japoneses, mas com assinatura mais do que própria. Nascia, então, O Hospedeiro, que se tornou a maior bilheteria da época na Coréia do Sul e, de quebra, revelou o diretor de vez para o ocidente.

Há primeiro que se aplaudir um cineasta que não descansa em berço esplêndido e mantem-se apegado a um tema ou a um tipo de filme. O salto que Bong Joon Ho dá de sua obra anterior angustiante e intimista para sua abordagem no que essencialmente é a premissa de Spectreman – um monstro criado pelos efeitos da poluição! -, mas sem os elementos “espaciais” e com muita crítica social e ambiental, além de estocadas nada discretas nos EUA, foi obviamente muito arriscada, mas novamente muito bem-sucedida.

O maior risco de todos era a oposição do orçamento razoavelmente apertado (algo como 11 milhões de dólares) com a escolha deliberada do diretor de despudoradamente mostrar seu “peixe gigante terrestre carnívoro mutante acrobata” em extensas e explícitas tomadas em plena luz do dia logo de cara, sem fazer o menor suspense, algo que imediatamente já separa O Hospedeiro de praticamente todos os filmes do gênero. Convocando os trabalhos da WETA e da The Orphanage, porém, Bong Jooh Ho fez o máximo com o dinheiro que tinha e o CGI do peixão acabou impressionando mesmo os mais cínicos, especialmente considerando o tempo de exposição do bicharoco diante das câmeras e da interação com humanos, algo sempre difícil. Pode ser que muitos achem que ele não envelheceu bem e isso pode ser verdade, mas é mais verdade ainda que isso pouco importa para a apreciação da obra.

Assim como em todos os filmes de Bong Joon Ho, a premissa da superfície é apenas o estopim para comentários sociais ferinos que, aqui, claro, ganham uma embalagem ambiental poderosa e óbvia como por vezes precisa ser. O roteiro, que se inspirou em um artigo de jornal falando sobre um peixe mutante encontrado no rio Han e também em um incidente real – retratado na sequência de abertura da fita – em que um médico legista militar americano lotado na Coréia do Sul mandou derramar centenas de frascos de formaldeído no esgoto, é repleto de críticas fortes à incompetência e descaso do governo coreano e carrega ecos do processo democrático pelo qual o país passara 20 anos antes, incluindo ao próprio ativismo político quando o texto transforma Park Nam-il (Park Hae-il), irmão do protagonista, em um anacrônico “protestante profissional” sem eira nem beira. E é claro que os Estados Unidos, a “potência maléfica” preferida de todos, é alvo de toda sorte de espancamento audiovisual, notadamente o tal médico legista da abertura, depois o outro que adora uma lobotomia e chegando no nada discreto “agente laranja” e à surreal tentativa de enganar o mundo com a fake news do vírus. No entanto, engana-se quem interpreta o filme apenas como anti-americano, já que isso seria um reducionismo de primário e o diretor pode ser tudo, menos bobo desse jeito. A crítica, ao contrário, é geral, ampla e irrestrita.

Claro que o destaque da obra – além da quimera – fica mesmo com Park Gang-du (Song Kang-ho estrelando o segundo longa seguido do diretor), um vendedor simplório de cabelo pintado que tem sua filha Park Hyun-seo (Ko Asung) capturada pelo monstro. É essa conexão entre os dois, estabelecida de maneira muito eficiente em apenas poucos minutos de projeção, que sustenta o lado dramático do filme mesmo quando Gang-du é retratado de maneira comicamente exagerada e teatral pelo ator seguindo um roteiro que exige exatamente isso do personagem, com Hyun-seo sempre corajosa e inteligente em seu imundo cativeiro subterrâneo. Diria, da mesma forma, que toda a relação familiar dos Parks, que evolui muito claramente ao longo dos 120 minutos com os três irmãos, ao final, formando uma equipe heroica lindamente clichê, é um prazer de se acompanhar.

Muitos comparam O Hospedeiro com Tubarão, mas a única comparação que eu considero que realmente procede é a antitética: enquanto o filme de Steven Spielberg é de queima lenta, esconde seu monstro e o usa homeopaticamente, o de Bong Joon ho é o exato oposto. De similaridade fica mesmo só o ótimo uso das críticas sociais, ainda que de ordens bem diferentes e o sucesso de bilheteria que as obras tiveram. Seja como for, os dois filmes marcaram época e é possível que O Hospedeiro torne-se tão duradouro no imaginário popular quanto Tubarão, ainda que nem de longe tão revolucionário.

Sem contentar-se com mais do mesmo, Bong Joon Ho, em sua terceira produção, pegou o gênero de nicho de “filme de monstro” e o virou de cabeça para baixo, mostrando que é sempre possível renovar abordagens. Basta criatividade e esforço, algo que o cineasta parece ter para dar e vender.

O Hospedeiro (Gwoemul – Coréia do Sul, 2006)
Direção: Bong Joon Ho
Roteiro: Bong Joon Ho, Won-jun Ha, Chul-hyun Baek
Elenco: Kang-ho Song, Hee-Bong Byun, Hae-il Park, Doona Bae, Ko Asung, Dal-su Oh, Jae-eung Lee, Dong-ho Lee, Je-mun Yun, David Anselmo, Martin Lord Cayce, Scott Wilson, Brian Rhee
Duração: 120 min.

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