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Crítica | O Impossível

por Leonardo Campos
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As imagens expostas exaustivamente pela mídia na ocasião dos principais tsunamis que arrastaram não apenas monumentos arquitetônicos, mas muitas formas de vida humana e selvagem são aterrorizantes por conta própria. Não é preciso o cinema para exaltar a sensação de horror que imaginamos diante da exposição ao avassalador trajeto de um conjunto de ondas gigantescas em velocidade exorbitante. Começo a crítica de O Impossível, dirigido pelo cineasta espanhol J. A. Bayona, realizador guiado pelo roteiro de Sergio G. Sanchéz, texto inspirado nos relatos da sobrevivente María Belón, tendo como base uma série de superlativos, tanto os já mencionados como os que serão apresentados mais adiante, ao passo que detalhes sobre o filme começarem a se delinear na análise. Para o leitor, estar diante de uma narrativa catástrofe que retrata um dos fenômenos mais assustadores da natureza, é esperar algo que não seja menos que muita emoção, lágrimas, drama e excessos.

Os excessos, no entanto, não estão presentes nos 100 minutos de O Impossível apenas como um espetáculo banal da miséria alheia, detalhista nos estragos impostos aos corpos dos personagens que tentam sobreviver diante de uma situação atípica em suas existências. É a reiteração do sofrimento de quem contou a história, narrada por estratégias que envolvem memórias atordoantes, transformadas em cinema, arte de exaustão das emoções por mesclar elementos auditivos e visuais. Por isso, defendo o drama exposto na produção como algo desenvolvido em prol da qualidade dramática do filme. Vivemos num momento de tanta desconfiança que qualquer postura solidária é vista com desconfiança e como sentimentalismo barato. E mais, caso o filme focasse em mais personagens, muita gente ficaria incomodada com a postura dispersiva e a falta de qualquer aprofundamento na apresentação dos personagens.

O leitor deve se perguntar onde estou tentando chegar com esse preâmbulo. Explico. A escrita para O Impossível é tardia, pois acompanhei o filme na época em que tinha disponibilidade para as cabines de imprensa para jornalistas. Naquela época, isto é, 2012, houve um esboço de texto, mas embalado por emoções, sem nenhuma preocupação além do entretenimento e da estética. A escrita superficial não me impediu, entretanto, de me alijar das críticas publicadas sobre o drama, muitas com apontamentos sobre os tópicos colocados anteriormente. Reclamamos tanto das nossas plateias alienadas, mas temos também uma crítica que muitas vezes se comporta de maneira equivocada, apressada e intransigente. Não interpretam os filmes adequadamente e correm em busca do que no jornalismo condenamos como a busca pelo “furo de reportagem”.

Reiteradas todas as disposições contrárias, apontadas anteriormente, adentramos em O Impossível, o drama que ao longo de seus 114 minutos, nos apresenta a história do casal Maria (Naomi Watts) e Henry (Ewan McGregor), junto aos seus três filhos, dentre eles, Lucas (Tom Holland), o “herói” da narrativa. A direção de fotografia de Oscar Faura, ciente da necessidade de acompanhar a família em seus momentos mais íntimos, com planos fechados e focados em pequenos detalhes da cumplicidade que envolvia o grupo de britânicos em sua aparentemente deliciosa viagem de férias, sabe também se distanciar muito bem, para contemplar os cenários e os pormenores da direção de arte, ambos supervisionados pelo design de produção de Eugenio Caballero. Os personagens e seus perfis dramatúrgicos são delineados com muito cuidado, algo que nos permite o envolvimento com o destino de cada um e a contemplação em tom aterrorizante de uma destruição não apenas de humanos, mas do meio ambiente.

No avião, o personagem de McGregor já apresenta detalhes de sua preocupação excessiva com as coisas. Ele tem medo de cada movimento turbulento, sempre acalmado pela esposa, interpretada por Watts numa transmissão de tranquilidade que nos explica os motivos que a permitiram aguentar tanto sofrimento ao lado de Lucas, seu primogênito. A família brinca, mergulha, se diverte. Ela lê o seu livro, contemplativa, enquanto o pai brinca com os filhos na piscina, antes preocupado com a sua demissão, pois algumas informações da empresa indicam que a sua estadia no Japão para trabalho pode estar ameaçada. Tudo que a esposa diz é “acalme-se e curta a sua família e a viagem”. Ele segue os conselhos, mas a furiosa onda gigantesca toma o resort numa cena espetacular, nos impedindo de saber quem de fato conseguiu ou não sobreviver. Inicialmente, depois do impacto, sabemos que o POV da câmera nas águas barrentas é de Maria, desesperada após conseguir se prender num tronco de árvore.

Dali, ela reencontra Lucas, eles ajudam uma criança perdida, são ajudados por um grupo de moradores locais e alcançam o hospital, ponto nevrálgico do caos. Lá há muitas pessoas mortas, outras sem capacidade de reconhecer onde estão e o que aconteceu. O jovem garoto, ao seguir as indicações da mãe, uma médica em remissão, a cuidar da família enquanto o marido trabalha, pede que o filho se sinta útil e ajude as pessoas que procuram por familiares, amigos ou alguma ajuda. É o momento de deslocamento que os faz se separarem brevemente, enquanto o garoto sai numa busca desenfreada não apenas pelo que a mãe sugeriu, mas por uma possibilidade de reencontrar o seu pai e irmãos. Será que estão vivos? Como saberemos se até então a narrativa deixou os personagens em suspensão. É preciso assistir para saber.

As emoções são apresentadas sem filosofia ou complexidade de diálogos pomposos. Aqui, é o olhar, é o testemunho da dor alheia e a necessidade de se compreender dentro do processo trágico que faz o filme crescer exponencialmente. Alguns personagens fazem breves passagens, seja para deixar uma mensagem ou reforçar a importância de se colocar no lugar do outro diante de uma situação tão caótica. Para nos fazer espectadores mais emocionados, J. A. Bayona contou com uma equipe de produção eficiente, composta por profissionais de ponta, cientes da realização de um filme com orçamento alto, algo que influenciou na qualidade dos efeitos visuais e especiais, supervisionados pela equipe de Eduardo Diaz, críveis em todos os seus momentos, da exasperação diante da onda que se comportou como um monstro aos detalhes da maquiagem, seja nas feridas dos corpos dos personagens em profunda agonia ou nas cenas mais panorâmicas com as caudalosas águas do oceano a dominar o território e arrastar vertiginosamente tudo que encontra pelo caminho.

A maquiagem, assinada por Tomar Aviv, emprega ao filme a credibilidade no setor estético, não sendo apenas o estraçalhar de corpos humanos, mas a simbolização do inferno de dores e incertezas, algo que dominava o pensamento de todos que estiveram nesta situação. Inseridos numa situação em que precisam superar os seus limites físicos, os personagens de O Impossível também atravessam uma agoniante jornada psicológica, algo que provavelmente é uma cicatriz para ser acompanhada ao longo de toda a vida. Ademais, diferente de muitos filmes do gênero, o texto ganha pontos por evitar o discurso científico hollywoodiano geralmente mergulhado em termos desconhecidos e explicações para o fenômeno, numa busca de dar ao conteúdo geral uma dose extra de credibilidade. As emoções aqui são voltadas ao drama humano. Suficiente, por sinal, e responsável por segurar a narrativa que depois do espetáculo da natureza inicial, não continua preocupado em expor mais e mais ondas e destruição incessante.

O que acompanhamos é o resultado do acontecimento conhecido por ser a projeção de terremotos submarinos. Os tsunamis (sim, palavra masculina) ocorrem em zonas de forte movimentação de placas tectônicas, geralmente em regiões do oceano pacífico e do continente asiático. Ela se origina do choque sísmico que vem de cima par baixo na massa oceânica. Com a força que adquire toda vez que bate contra o solo submarino, os tsunamis ganham força de propagação que beira aos 800 km/h, algo que claro, vai se desfazendo ao passo que a massa se aproxima da costa. Mesmo que ocorra em pontos consideravelmente distantes da costa, podem chegar de maneira avassaladora, numa destruição com poucos precedentes na história natural do planeta, ao menos no que diz respeito a esse fenômeno, em específico. Ao se aproximar do litoral, a profundidade do mar diminui e provoca o aumento da altura da onda que pode chegar a mais de vinte metros de altura. O filme aborda o fenômeno ocorrido em 2004. Em 2011, uma situação semelhante promoveu vazamentos radioativos de uma usina. Um caos que os produtores hollywoodianos ainda não representaram cinematograficamente.

O Impossível — (The Impossible) EUA, 2012
Direção: Juan Antonio Bayona
Roteiro:  Sergio G. Sánchez
Elenco: Ewan McGregor, Naomi Watts, Natalie Lorence, Nicola Harrison, Oak Keerati, Oaklee Pendegast, Oli Pascoe, Olivia Jackson, Ploy Jindachote, Russell Geoffrey Banks, Samuel Joslin, Sönke Nöhring, Teo Quintavalle, Tom Holland, Vanesa de la Haza
Duração: 112 min.

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