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Crítica | O Incal: O Que Está Embaixo

por Luiz Santiago
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Nesta fase da narrativa sobre o Incal, descobrimos que as ações do Jodoverse para o que lemos desde O Incal Negro se passa no Planeta Terraformado Ter 21, no setor 669 da Exo-Orla. A Galáxia dessa parte do Jodoverse é semelhante à nossa e o planeta, como o próprio nome diz, foi terraformado, portanto, guarda semelhanças com a Terra, não só em sua geografia e habitantes humanos/humanoides, mas também na organização política, cultural (europeia) e bélica.

Nos dois primeiros capítulos de O Que Está EmbaixoPsicorratosAtravessando a Sujeira, temos a descida do improvável grupo que juntara forças ao final de O Incal Luminoso (Cabeça de Lobo, Metabarão, John Difool, Solune, Animah, Tanatah e a ave Deepo) descendo pelo Lago de Ácido até o centro do planeta, onde a sujeira e os comedores de lixo imperam. Em um primeiro momento, o leitor se impressiona com a imensidão desse “embaixo”, mas logo percebe que o que está à vista é apenas o começo. O centro do planeta possui uma espécie de portal que leva para o chamado “Sol Interior das regiões místicas da Terra Central”, que por sua vez leva à Floresta dos Cristais Cantantes (a parte mais fraca do volume), que por sua vez leva ao núcleo do Sol Interior, onde esse momento da história acaba, com a transfiguração e o surgimento da Nave Estelar.

É muita viagem para um livro só (no bom sentido) e isso nos faz ficar confusos a maior parte do tempo, porque estamos “embaixo” da Ter 21, mas continuamos subindo. Alejandro Jodorowsky nos convida para um exercício de anti-lógica sensacional e com ele constrói um imenso mundo dentro de um mundo.

Estamos “embaixo”, mas os personagens não param de subir.

Se em O Incal Negro e O Incal Luminoso a base do texto era entrecortada por pequenas narrativas que se afunilavam (o volume anterior da saga foi essencial nesse ponto), aqui em O Que Está Embaixo já não existem mais tantas variações. Basicamente há a parte mística, que está em destaque e a parte secular, política, social, que acontece no Planeta Dourado. Embora não haja uma ligação direta entre os dois lados, entendemos que essas ações paralelas fazem parte de um grande plano, haja vista a exposição do Ovo Negro que a Nave Estalar encontra na última página da aventura.

Através das modificações de corpo do Prezidente (sic), que ganha uma segunda versão como Necrodroide, passando para Necrotanque e depois para Holocâmera, temos uma caçada televisionada para milhões de apartcons através de centenas de canais de TV. Mais uma vez a alienação é posta em cena, aqui, em seu grau mais agudo. Os espectadores se recusam a aceitar qualquer mudança na programação que mostre algo além do discurso de ódio do Necrodroide/Necrotanque e da violência banal por ele praticada em sua caçada. De forma muito inteligente, Jodorowsky não utilizou o clichê da luta entre o bem e o mal, mas em seu lugar, criou uma grande tensão a partir das vitórias pontuais do Prezidente sobre os portais místicos que o sexteto (hepteto, se contamos o pássaro de concreto) se esforçava para atravessar através da purificação, enquanto o Prezidente o fazia facilmente através da força, um estágio que pode ser aplicado não só ao mundo esotérico mas a qualquer sociedade real.

O único erro de Jodorowsky em O Que Está Embaixo é a caminhada pela floresta de cristal. Com informações e atitudes contraditórias sobre ‘encostar nos cristais’, ele cria duas ou três páginas que é capaz de irritar o leitor um pouco, a primeira vez em todo o trajeto aqui, uma lombada de texto superada tão logo chegamos ao capítulo final, O Portal da Transfiguração, onde o resultado de toda a jornada, enfim, é visto.

A caçada do Necrodroide começa.

A arte de Moebius, mais uma vez exemplar e explosiva em detalhes, se destaca com um primor ainda mais admirável em O Planeta Dourado, o melhor capítulo desse volume. Não só o texto de Jodorowsky ganha aí uma fina ironia ao mostrar a Assembleia de políticos, militares e comerciantes, o “golpe de Estado Universal” e as regras do jogo dos que detém o poder (e buscam por mais); mas também a arte de Moebius, sua finalização e as cores utilizadas destacam-se facilmente pela beleza e fluidez com que mostram os acontecimentos.

As dúvidas sobre o destino de Raïmo de Kamar e seu clã no planeta-prisão Aquaend ou o destino desse Universo, agora sob uma direção política claramente fascista-niilista ficam apenas no ar, para voltar em O Que Está Em Cima já com os Incais unidos na Nave Estelar. Todo o escopo para a luta entre as muitas forças humanas e sobrenaturais está formado. Mais mudanças e revoluções estão por vir.

O Incal: O Que Está Embaixo (Ce qui est en bas) — França, 1983
No Brasil: Editora Devir, 2011 (Incal Integral)
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Arte: Moebius
56 páginas

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