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Crítica | O Incrível Homem que Encolheu

por Rafael Lima
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Ao assistir ao filme A Meia Noite do Amor, de 1953, o prolífico escritor de ficção científica Richard Matheson ficou intrigado com a cena onde o personagem de Ray Milland sai andando pela rua carregando o chapéu errado, e só percebe o engano ao usá-lo e notar que ele é grande demais para a sua cabeça. A cena fez com que o escritor imaginasse o que aconteceria se por algum motivo, um homem começasse a encolher, de modo a que suas roupas ficassem grandes demais para ele. Assim nasceu a premissa de O Incrível Homem que Encolheu, romance escrito por Matheson que gira em torno de um homem que passa a encolher gradativamente após ser exposto a radiação (na década de 50, era sempre ela). Matheson vendeu os direitos do romance para a Unversal Pictures antes mesmo de publicá-lo e, em 1957, uma adaptação comandada por Jack Arnold chegou às telas.

Na trama, durante uma semana de férias, Scott Carey (Grant Williams) está velejando junto com a sua esposa Louise (Randy Stuart), quando é atingido por uma nuvem misteriosa, que sem que ele saiba, contém propriedades radioativas. Seis meses depois, quando suas roupas começam a parar de servir, Scott percebe que está gradualmente encolhendo. Enquanto os cientistas tentam descobrir uma cura, Scott deve se adaptar a sua nova realidade, que lhe parece cada vez mais assustadora à medida em que ele continua a perder altura.

Apesar de partir de uma premissa que pode ser vista como boba em primeira instância, o roteiro adaptado pelo próprio Matheson (e de forma não creditada por Richard Alan Simmons, que limou a estrutura não-linear inicialmente sugerida pelo autor) propõe uma série de discussões fascinantes sobre a fragilidade da masculinidade, o conceito de humanidade, e a importância de cada ser no Universo. Estruturado de forma episódica (mas não desconexa), o texto de Richard Matheson aborda de forma contundente os temas que lhe interessam, com tais discussões tendo um importante papel no desenvolvimento do protagonista e de seus conflitos.

Apresentado como um homem forte e confiante, Scott Carey vai se tornando cada vez mais inseguro e frustrado à medida em que seu encolhimento avança; sentimento que só piora quando a situação se torna pública e ele se transforma na nova sensação da mídia. É triste, portanto, perceber como o antes gentil Scott, já do tamanho de uma criança, passa a demonstrar um comportamento agressivo e dominador em relação à esposa, como forma de compensar os seus sentimentos de inferioridade. O protagonista deixa de se enxergar não só como um homem, mas também como um ser vivo que merece respeito, tendo não só a sua masculinidade ferida, mas o seu próprio senso de normalidade e pertencimento. Assim, no momento em que os terrores psicológicos da metade inicial se transformam em terrores físicos; quando Scott, já com centímetros de altura, fica preso no porão onde tudo se torna uma ameaça, reconhecer a força que ainda existe nele torna-se a diferença entre a vida e a morte tanto no sentido literal quanto metafórico.

A narração em Voice-Over do protagonista soa excessivamente didática em muitos momentos, simplesmente descrevendo o que já estamos vendo na tela, sendo este o maior defeito da obra. Por outro lado, esta mesma narração é belamente escrita pelo roteirista, dando até mesmo certo lirismo para a obra devido à força das várias reflexões do protagonista espalhadas ao longo do filme, com o monólogo que fecha o longa sendo o maior exemplo. Para o bem e para o mal, o roteiro não nega as suas raízes literárias, mas felizmente os pontos positivos superam os negativos.

A direção de Jack Arnold, por sua vez, concede o grau de sensibilidade e seriedade que a história pedia. Já tendo grande experiência com filmes de ficções científicas B por ter dirigido obras como Veio do Espaço (1953), Tarântula (1955) e o clássico O Monstro da Lagoa Negra (1954), Arnold entrega aqui o seu trabalho mais maduro e completo, dando uma atmosfera extremamente sombria para a narrativa. O cineasta confere grande intensidade ao martírio enfrentado por Scott Carey ao mostrar como a sua própria casa vai se tornando um ambiente estranho e hostil para ele, apesar dos melhores esforços de sua esposa e isso muito antes de o homem passar a se preocupar em ser devorado pelo próprio gato.

Mas é na metade final da película que a direção de Jack Arnold realmente brilha, ao conseguir nos fazer temer pelo protagonista quando este fica perdido no porão da casa. O porão, como o próprio personagem observa, torna-se uma paisagem alienígena, misteriosa e agressiva. A cena onde Scott deve enfrentar uma aranha (gigantesca dentro de sua perspectiva) para sobreviver é assustadora, além de remeter ao trabalho anterior do diretor, o divertido Tarântula. Tecnicamente, O Incrível Homem que Encolheu consegue fazer muito com pouco. Utilizando efeitos relativamente simples e que envelheceram bem — como a tela dividida, cenografia que brinca com a perspectiva cênica e um chroma key rudimentar, mas bem aplicado, o filme consegue nos fazer mergulhar no mundo de Scott.

O longa se beneficia também de um elenco principal forte, que vende bem a angústia de seus personagens. Grant Williams mostrou-se a escolha perfeita para interpretar Scott, por possuir um ar de “homem comum” que era extremamente importante para que nos identificássemos com o personagem. Diferente de protagonistas de outras tramas do tipo que eram produzidas na década de 1950, Scott não é um cientista que foi longe demais em seus experimentos, ou um militar que por um motivo ou outro, se expôs ao perigo. Scott Carey era simplesmente uma pessoa normal, que estava no lugar errado e na hora errada; reforçando a ideia do roteiro de que as coisas mais maravilhosas e as mais terríveis podem acontecer com qualquer um, e por isso o ar de “homem comum” que Williams dá ao seu protagonista é tão importante. Ao mesmo tempo, o ator merece elogios por dar credibilidade a todas as viradas emocionais que o seu personagem enfrenta, partindo do homem seguro que abre o filme, passando pelo marido com a autoestima destruída por sua condição dependente da mulher, até a sua epifania sofrida durante o 3º ato.

O longa de Jack Arnold é uma excelente obra, que escrita por um dos grandes mestres da ficção científica, coloca a nossa importância uns para os outros… e diante da própria natureza, em perspectiva. Com um desfecho bastante corajoso para a época, que ainda possui um caráter metafisico fantástico, O Incrível Homem que Encolheu é o tipo de filme que permanece com o público por muito tempo após o seu desfecho.

O Incrível Homem que Encolheu (The Incredible Shrinking Man) – Estados Unidos, 1957
Direção: Jack Arnold
Roteiro: Richard Matheson, Richard Alan Simmons (Não Creditado). (Baseado em Romance de Richard Matheson).
Elenco: Grant Williams, Randy Stuart, April Kent, Paul Langton, Raymond Bailey, William Schallert, Billy Curtis
Duração: 81 min.

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