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Crítica | O Inferno Nº 17

por Ritter Fan
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Droppen sie dead!

Billy Wilder tinha enorme dificuldade de errar em suas obras, mesmo trabalhando temática variadas e tirando inspiração de material diverso. Apesar de cair no sub-gênero de “filme de fuga de prisão”, que se popularizaria em Hollywood algum tempo depois, O Inferno Nº 17 é um filme essencialmente improvável e magistralmente co-roteirizado e conduzido por Wilder que transforma a história de soldados no campo de concentração alemão nº 17, localizado na Áustria, onde Donald Bevan e Edmund Trzcinski foram aprisionados, escrevendo a peça de teatro em que foi baseado, com Trzcinski fazendo uma ponta como ele mesmo, em um quase que impecável whodunit daquele de fazer roer as unhas, apesar da pegada cômica.

Mas não se trata de um whodunit tradicional, já que o objetivo não é descobrir quem matou alguém, mas sim quem é o traidor dentre os soldados presos em um dos barracões do campo de prisioneiros, com a narração de um deles, Clarence Harvey “Cookie” Cook (Gil Stratton), calmamente desenvolvendo a história que começa com a fuga frustrada de dois prisioneiros em dezembro de 1944, que acaba com a morte deles e que gera a desconfiança sobre a existência de um traidor. Como J.J. Sefton, vivido por William Holden na performance que lhe valeria seu único Oscar de Melhor Ator e que é, em essência, muito próxima a de seu Comandante Shears, de A Ponte do Rio Kwai, quatro anos depois, usa o sistema a seu favor e consegue liberdades entre os oficiais alemães, ele é todo o alvo das suspeitas de seus colegas.

Mas o que faz o filme realmente funcionar não é a manutenção do mistério que o espectador só descobre faltando 30 minutos para o final ou até mesmo a atuação de Holden ou a do grande Otto Preminger como o comandante do campo ou qualquer um individualmente. O grande tesouro da história é um elenco que, em seu conjunto, pulsa com vida, com dramas, com comicidade e com paixão. O Inferno Nº 17 é um daqueles longas que facilmente justificaria uma categoria premiável de Melhor Elenco, já que é a riqueza da combinação de todos ali que Wilder usa a favor de uma narrativa que lida com diversas subtramas que se retroalimentam, mas que nem sempre convergem, e que criam um ecossistema maravilhoso.

Outro ponto importante é o humor “pós-guerra” que Wilder já havia mostrado em A Mundana, mas com a diferença que, aqui, o cineasta não mais hesita e não erra na dose. Ele mantém Holden e a trama principal que o cerca enclausurados em uma redoma de seriedade, claro, mas tudo que gravita ao redor disso, apenas tangenciando a linha narrativa mestra, ganha um vigor humorístico que não pede desculpar por ser como é e que é carregado principalmente pela dupla formada pelo espertinho Harry Shapiro (Harvey Lembeck) e pelo grandalhão Stanislas “Animal” Kuzawa (Robert Strauss) e também pelo bonachão sargento alemão Johann Sebastian Schulz (Sig Ruman), que faz de tudo para ser agradável ao mesmo tempo em que é o contato do traidor.

É muito provável que a vida dos prisioneiros de guerra em campos nazistas tenham sido substancialmente piores do que a que é retratada aqui, mas Wilder não se furta de lidar com as mortes e com a melancolia de ser um soldado encarcerado enquanto a guerra corre solta do lado de fora. No entanto, a eventual suavização dos eventos potencialmente verdadeiros que os autores da peça original viveram se deve pela lente mais leve que Wilder resolveu usar para contar a história, elegendo o humor justamente para afastar um pouco o horror da Segunda Guerra Mundial, então ainda tão próxima do público em geral, especialmente o americano que procurava no Cinema uma completa fuga do que vivenciou do outro lado do Atlântico.

Um dos raros exemplos de obras cinematográficas filmadas na ordem do roteiro, o que obviamente encarece sobremaneira os custos de produção, mas que foi exigido por Wilder para construir, internamente, o ar de camaradagem e mistério sobre o traidor, algo que nem mesmo o ator que o vive sabia antes de efetivamente filmar a cena, O Inferno Nº 17 é também um magistral exemplo de comando absoluto do diretor sobre a fluidez de uma história essencialmente em um ambiente apenas. O interior do barracão onde os soldados aprisionados vivem a maior parte de seus dias é um irretocável trabalho de direção de arte que Wilder povoa com personagens fascinantes e uma câmera que passeia curiosa por cada canto do local em um balé com belíssima fotografia suave em preto e branco de Ernest Laszlo que por vezes nos faz esquecer do momento histórico terrível em que a obra se passa, um feito sem dúvida notável.

O Inferno Nº 17 (Stalag 17 – EUA, 1953)
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, Edwin Blum (baseado em peça de Donald Bevan e Edmund Trzcinski)
Elenco: William Holden, Don Taylor, Otto Preminger, Robert Strauss, Harvey Lembeck, Peter Graves, Sig Ruman, Neville Brand, Richard Erdman, Michael Moore, Peter Baldwin, Robinson Stone, Robert Shawley, William Pierson, Gil Stratton, Jay Lawrence, Erwin Kalser, Edmund Trzcinski, Paul Salata
Duração: 120 min.

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