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Crítica | O Inimaginável (2018)

por César Barzine
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O Inimaginável é um blockbuster que se pulveriza em diversas abordagens diferentes, mas nenhuma delas pertencem a real natureza da qual o cinema blockbuster costuma partilhar. Em um primeiro plano parece ser um filme-espetáculo distópico, porém não demora muito para percebemos que ele está em desencontro com os maneirismos desse subgênero. O que poderia facilmente ser uma ficção científica que se limitasse a tal, acaba sendo, na realidade, uma mistura de drama familiar, romance e filme político.

Durante seus primeiros vinte minutos, a única abordagem presente é a do drama familiar, que aqui até sugere ser o único aspecto existente no filme por completo devido a força do primeiro ato. O público é apresentado aos atritos de uma família composta por um filho reservado e seus pais. Dentro desse núcleo, somente a mãe do jovem preserva alguma positividade. Já o pai da casa, Björn, é um homem rústico e grosso, porém, mesmo com a sua extrema agressividade, ainda há um lado afetivo dentro dele – o que é demonstrado no presente que ele iria dar ao seu filho, Alex. Essa sua dualidade acaba sendo a grande marca dele, pois toda a relação de Björn com Alex será baseada nas memórias brutais que este possui dele e na busca paterna de Björn em protegê-lo do quase Apocalipse que se passa na Suécia.

O prólogo do filme é ótimo na caracterização dessa relação entre pai e filho, tendo o momento em que Björn estava prestes a entregar um violão de presente a Alex como um bom clímax; que também funciona para potencializar a hostilidade dentro daquela casa, levando a ruptura da relação de Alex e Björn após a esposa deste último dar adeus a ele. No entanto, ao fim desses vinte minutos – que também vêm acompanhados pelo romance melancólico de Alex com uma “amiga” -, o filme distorce seu caminho completamente, saltando para uma trama de contexto geopolítico em que há uma sequência de ataques estrangeiros na Suécia, tornando, assim, o longa em um blockbuster de adrenalina fofinho cujas tragédias pessoais parecem maiores do que aquelas que atordoam todo o país.

O filme é banhado por uma imensa melancolia, seja dentro dos personagens e seus conflitos ou seja no visual composto por tons frios. As locações internas são sempre acompanhadas de um azul naval com pouca luz em volta, e as cenas dentro da casa de Alex durante a sua adolescência usam desse recurso para enfatizar os desafetos presentes naquele meio. Já o uso de pouca luz durante o “lado distópico” do longa são, como não poderia deixar de ser, para torná-lo obscuro diante de todos os problemas bizarros que se passam. Por fim, nas cenas externas, há instantes noturnos com um excelente uso da iluminação em meio às ruas; e também há de se destacar na primeira parte da obra o leve visual propício ao outono, que se casa perfeitamente com o romance jovial em que Alex vive com sua vizinha Anna, sendo essa relação (restrita ao passado) a única parte serena do filme.

De resto, há apenas tormentos e angústia na narrativa. Se antes Björn era quem ocupava o posto de sujeito grosseiro e insensível, agora é Alex que toma tais atitudes. Após a história atravessar alguns anos, Alex torna-se um pianista consagrado, enquanto Björn trabalha numa companhia de energia elétrica. O primeiro vira uma pessoa amargurada e individualista; o segundo, um funcionário e (agora) pai engajado. Em contrapartida, a personalidade de Alex beira o insuportável e ao ridículo, chegando até mesmo a pouco se importar com a morte e o velório de sua mãe – um exagero do roteiro. A única coisa com que se importa, além de seu trabalho, é com o reencontro com Anna, da qual também acaba servindo para demonstrar o quão fechado ele é ao descobrir que ela tem uma família.

Como dito, O Inimaginável é um blockbuster em que os afetos se sobrepõem pesadamente aos atritos de um arrasa-quarteirões casual, o que significa que a produção mantém a sua grandiloquência num campo econômico, fazendo pouco uso de grandes recursos como catástrofes muito gráficas, duelos enormes etc. Ao invés disso, o que existe são fenômenos que vão ficando cada vez mais estranhos: queda de energia elétrica, pássaros mortos caindo do céu (?) e chuva tóxica que causa risco de vida. O fato de haver todo um contexto sociopolítico que acompanha os conflitos minimamente dignos de uma grande execução acaba sustentando esse aspecto meio minimalista. O roteiro pouco explora o lado ideológico da trama, o que soa vago quando se observa a pretensão de fornecer esse tipo de abordagem. Por outro lado, suponho que seria arriscado estender essa pauta, pois traria um acúmulo de questões muito pesadas a um filme que já é longo.

Também pode-se dizer que a necessidade de cortes no “outro lado” de O Inimaginável. O desenvolvimento de Alex como o personagem chato que só gosta de uma pessoa é de uma antipatia difícil de aguentar. O momento máximo disso é quando ele briga com o seu pai no subsolo em que se encontram por proteção; a ingratidão dele, completamente arbitrária e narrativamente sem coerência, denota um personagem desequilibrado e com atitudes dispensáveis para a história. Outros momentos arbitrários, mas dessa vez devido à ‘tosquice‘ presente, são alguns diálogos soltos na segunda metade. “Por que eu sempre tenho que estar certo?“, “Você é o culpado de tudo isso!“, “Pelo menos eu não tive uma família!“; são falas expositivas de personagens nervosinhos que, por esse mesmo motivo, são incapazes de se expressarem como alguém com mais de 7 anos.

De sobra, ainda há outros momentos constrangedores, entre eles o da avó de Anna revelando os sentimentos que ela sempre teve por Alex, o furo de roteiro em que Björn é amarrado por Alex e somente liberto bem depois, e os curtos flashbacks que são picotados um atrás do outro a fim de causarem um impacto sombrio através da montagem. Surpreendentemente, o filme reconquista a atenção do espectador em seus últimos 15 minutos. E, ainda mais surpreendentemente, O Inimaginável se transforma, aos 45 do segundo tempo, em um panfleto político sobre os problemas da Suécia com imigrantes muçulmanos e os russos. Sim, o filme já tinha tocado nesse assunto antes, mas agora (durante os créditos) são exibidos trechos de reportagens televisivas sobre tais problemáticas. É difícil de imaginar que a intenção do diretor Victor Danell era ser tão enfático na questão política, pois tudo isso aparentava ser apenas um artifício para contextualizar a trama e economizar na produção – ou vai ver isso foi só um joguinho do montador mesmo.

O Inimaginável (Den Blomstertid nu Kommer) Suécia, 2018
Direção: Victor Danell
Roteiro: Victor Danell, Christoffer Nordenrot
Elenco: Christoffer Nordenrot, Lisa Henni, Jesper Barkselius, Pia Halvorsen, Magnus Sundberg, Krister Kern, Karin Bertling, Ulrika Bäckström, Alexej Manvelov, Yngve Dahlberg, Håkan Ehn
Duração: 129 minutos.

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