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Crítica | O Inimigo Desconhecido (1983)

por Leonardo Campos
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Em determinado trecho de O Inimigo Desconhecido, o protagonista nos permite ver um exemplar de Moby Dick, de Herman Melville, como parte do acervo literário de sua casa. Para quem conhece o clássico literário, sabe exatamente que a sua presença em cena não é algo aleatório, mas parte de um jogo intertextual cuidadoso dos realizadores que relacionam a trajetória de caça e obsessão entre um humano e uma cachalote com a travessia de horror psicológico e ecológico sofrida pelo protagonista da história em questão, uma narrativa sobre um homem atazanado por uma ratazana que insiste em perturbar a sua tranquilidade. Tudo isso, dentro de seu próprio lar. Uma situação no mínimo infernal, não é mesmo? Sob a direção de George P. Cosmatos, realizador que utiliza como norte, o roteiro escrito por Brian Taggert, dramaturgo inspirado no romance homônimo de Chauncey G. Parker, acompanhamos um embate suntuoso entre um homem e uma criatura que tira a sua paz justamente num momento de necessidade de concentração.

O executivo Bart Hughes (Peter Weller) vive um cotidiano tranquilo com a sua esposa Meg (Shannon Tweed) e filho Peter (Leif Anderson). A casa com toques góticos parece uma residência agradável, mas algo em seu interior vai colocar o protagonista para exercer a paciência e todos os seus limites psicológicos após uma breve viagem de sua família, situação que o deixa sozinho inicialmente, mas logo adiante, perseguido por uma criatura ágil e sorrateira que parece escapar de todas as suas iniciativas de caça. Ao longo de seus 88 minutos, O Inimigo Desconhecido expõe fisicamente, bem como por meio de alegorias, a presença de uma ratazana que coloca Bart num espiral de insanidade, situação que pode ser associada ao horror ecológico físico de uma criatura potencialmente asquerosa e perigosa, mas também psicológico, haja vista a representação do rato como possibilidade interpretativa para o caos em sua vida profissional. Bart atravessa, durante o estabelecimento caótico do rato, uma situação nada agradável na empresa onde trabalha, sacoleja pela turbulenta presença de um grupo concorrente que o tira de todas as posições possíveis de conforto para tornar o seu cotidiano num manancial de estresse.

E a tensão vai se manter, desta forma, até o desfecho, num embate épico entre humano e animal, sem o derramamento de sangue ou corrosão de corpos esperados de um exemplar que traz como algoz, um rato de tamanho descomunal. Lançado em 1983, O Inimigo Desconhecido é parte de uma fase profícua para os ratos no cinema, aterrorizantes e mortais também no divertido Os Olhos da Noite, em um segmento de Pesadelos Diabólicos e na sequência de A Fúria das Feras Atômicas, intitulado por aqui de A Praga Assassina, todos produzidos e distribuídos na década de 1980, período que também teve o indigesto O Rato Humano, narrativa italiana sobre uma tenebrosa versão híbrida deste roedor asqueroso, e o arrastado Ratos – A Noite do Terror, produção do segmento que investe na abordagem pós-apocalíptica para colocar humanos e roedores num embate de dimensões catastróficas. De todos, o filme protagonizado por Peter Weller é o mais ameno no que diz respeito aos instantes de violência. A sua carga quase toda é de ordem psicológica, com alguns momentos de aparição da criatura asquerosa por natureza, exposta em cena para nos deixar com a sensação de asco necessária, o que promove a repulsa.

Diante do exposto, apesar de cumprir bem as suas etapas estéticas, O Inimigo Desconhecido peca pela falta de ritmo mais dinâmico. A história com poucos personagens e argumento mais psicológico pede que a ação seja mais desenvolta, o que não acontece. A impressão que temos, em determinado momento, é de uma narrativa com potencial, mas travada, mais intensa em seu epílogo, no entanto, neste trecho, já estamos relativamente tomados pelo desinteresse. Canos estouram, ratoeiras não funcionam adequadamente, até mesmo um gato é levado para caçar e aniquilar o roedor inconveniente, mas nada dá certo e Bart Hughes vai sofrer tanto a ponto de colocar a sua sanidade em xeque. Tudo isso, acompanhado pela trilha sonora composta por Kenneth Wannberg, datada, mas ainda funcional, condução musical para a direção de fotografia de René Verzie, claustrofóbica, eficiente na captação dos espaços concebidos pelo design de produção sufocante de Anne Pritchard, focado nos detalhes para permitir que os espectadores mergulhem na proposta visual da narrativa também eficiente em seus efeitos especiais e truques para tornar a presença do rato, algo ameaçador. O problema, como já mencionado, é o desenvolvimento do roteiro. Talvez um pouco mais de ritmo o tornaria um clássico moderno mais potente, sem ser tão esquecido nos confins da memória cinematográfica do horror.

O Inimigo Desconhecido/Origem Desconhecida (Of Unknown Origin, USA/Canadá – 1983)
Direção: George P. Cosmatos
Roteiro: Brian Taggert, Chauncey G. Parker III (baseado no livro “The Visitor”)
Elenco: Peter Weller, Jennifer Dale, Lawrence Dane, Kenneth Welsh, Louis Del Grande, Shannon Tweed, Keith Knight, Maury Chaykin, Leif Anderson, Jimmy Tapp, Gayle Garfinkle, Earl Pennington
Duração: 89 min / 88 min (USA)

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