Home FilmesCríticas Crítica | O Jardim Secreto (2020)

Crítica | O Jardim Secreto (2020)

por Luiz Santiago
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A primeira publicação integral de O Jardim Secreto, da escritora Frances Hodgson Burnett, aconteceu em 1911, após a serialização do livro na The American Magazine, entre novembro de 1910 e agosto do ano seguinte. A obra, como hoje sabemos, tornou-se um clássico da literatura infantil, e ganhou uma elogiada adaptação para o cinema em 1993, pelas mãos da diretora polonesa Agnieszka Holland. Já esta versão de 2020, dirigida por Marc Munden (Utopia), está mais preocupada em abordar o lado sombrio e “maduro” desse Universo do que falar verdadeiramente sobre mágica e sobre uma das coisas que o original literário nos traz de sobra: a metáfora de um novo recomeço, não como um choque amparado por questões morais ou “um dever para…“. Mas como processo.

O ponto de partida dá o tom perfeito para o caminho que o texto de Jack Thorne tomaria ao contar a história de Mary (Dixie Egerickx), mimada e insuportável garota que após uma série de tragédias familiares — a última ligada à partição entre Índia e Paquistão, nos dias 14 e 15 de agosto de 1947 — vai morar no Reino Unido com o seu recluso e emocionalmente doente tio Archibald Craven (Colin Firth). Essa passagem de um ambiente de guerra para outro aparentemente mais sombrio, dominado por doenças da mente e da alma tem um respaldo visual interessante na obra, servindo como belo contraste para o segundo momento, quando Mary, após aprender lições básicas de humanidade e humildade, encontra o Jardim Secreto.

A estrutura do texto aqui é verdadeiramente o maior problema da fita. Mary, por motivos óbvios, é a personagem que toma a dianteira da narrativa, e o espectador é capaz de acompanhar o seu crescimento interior, o que é muito bem feito, pois não se trata de uma transformação mágica, como o ambiente que ela acabou de encontrar. O seu processo de transformação pessoal é visto em diferentes fases, cada uma delas coroada por alguém com algum tipo de problema, e o processo de ligação e cura acaba sendo compartilhado, melhorando e engrandecendo as duas partes. Mas esse processo é feito com a ocultação e um certo tratamento distanciado para o tio e uma das mais estranhas apresentações de um personagem, no caso do primo Colin (Edan Hayhurst).

É verdade que o texto faz as pazes com o menino, que encarnará a maior mágica da obra, mas isso só na reta final. As conversas de Mary com ele à noite parecem não se decidir se querem representar ou simbolizar um fantasma, uma deixa nada inteligente, já que o propósito do roteiro não é nem de longe esse tipo de discussão ou abordagem. O menino existe e terá um papel importante na resolução do drama geral, de modo que sua ocultação no início e sua péssima apresentação não encontram muitos caminhos atenuantes. O mesmo se dá para a presença do tio e da governanta, a Sra. Medlock (Julie Walters). Notem que os problemas, a personalidade e os caminhos de mudança em torno de ambos tendem e ser colocados de forma mais didática e em cenas urgentes, como uma tentativa de contornar o fato de que não estão organicamente presentes ao longo do filme, desse modo, os momentos em que aparecem devem servir para alguma coisa muito importante, isso quando servem, é claro.

Assim, o que temos é uma premissa conhecida, bela e que sinceramente faria muito bem ao público em um ano como 2020, se fosse bem trabalhada. A beleza da magia, acompanhada de efeitos, cores, música e cenários de mesmo calibre são alma de Secret Garden, mas o filme não abraça de verdade essa essência. Em vez disso, injeta o máximo de trevas possíveis, interrompendo sequências e momentos bem mais interessantes ligados a discussões trazidas num núcleo avançado do enredo, formado por Mary, Colin e Dickon (Amir Wilson). E ainda perde a oportunidade de fechar essas mesmas discussões com um processo bonito de realização para os adultos.

O último ato envolvendo o elenco adolescente desponta como a melhor coisa de um filme, que deveria ter como destaque essa mesma atmosfera. Estamos falando de uma adaptação que discute a dificuldade de diálogo entre pais e filhos e a consequente formação de percepções erradas de um para outro. Uma obra que traz à tona um problema sério como a depressão e os efeitos que isso traz para o deprimido e para pessoas à sua volta. Um mundo mágico verdadeiramente bem explorado nesse cenário seria um verdadeiro bálsamo, apresentando um tipo caloroso de final feliz. Aqui, no máximo, trouxe um suspiro de alívio por não estragar ainda mais a oportunidade que teve para fazer a mágica acontecer, encaminhar as mudanças individuais e abrir a oportunidade de um novo começo… para quem precisa recomeçar.

O Jardim Secreto (The Secret Garden) — EUA, Reino Unido, França, China, 2020
Direção: Marc Munden
Roteiro: Jack Thorne (baseado na obra de Frances Hodgson Burnett)
Elenco: Dixie Egerickx, Richard Hansell, David Verrey, Tommy Gene Surridge, Julie Walters, Maeve Dermody, Colin Firth, Isis Davis, Amir Wilson, Anne Lacey, Edan Hayhurst, Rupert Young, Jemma Powell, Sonia Goswami
Duração: 99 min.

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