Dirigido por Stephen Daldry, com roteiro de David Hare, baseado no romance homônimo de Bernhard Schlink, O Leitor é uma história aborda temas delicados, tais como amor, culpa, memória e moralidade em um contexto pós-Segunda Guerra Mundial. A trama se desenrola entre a Alemanha dos anos posteriores ao sombrio estabelecimento do movimento nazista, por meio de décadas que se seguem, explorando a relação entre um jovem e uma mulher mais velha envolta em um passado controverso. Com belos enquadramentos, oriundos da direção de fotografia de Roger Deakins, imagens acompanhadas pela textura percussiva de Nico Muhly, responsável pela trilha tocante. A narrativa inicia em 1958, apresentando Michael Berg (David Kross, na fase adolescente) se encontra em uma situação vulnerável de saúde e ao passar mal na rua, recebe apoio imediato de Hanna Schmitz, uma mulher misteriosa e mais velha, que se torna sua amante, interpretada com brilhantismo por Kate Winslet, uma das maiores atrizes de sua geração.
Durante seu envolvimento, Michael lê para Hanna, compartilhando obras literárias que aprofundam sua conexão emocional. No entanto, a relação deles termina abruptamente quando Hanna desaparece. Anos depois, Michael, agora um estudante de Direito, representado pelo desempenho dramático de Ralph Fiennes, testemunha o julgamento de Hanna que, revelada como uma ex-guardiã nazista, é acusada de crimes de guerra. Esse reencontro provoca uma crise interna em Michael, que se vê dividido entre seu amor por Hanna e os horrores de seu passado. A trama se desdobra em uma meditação sobre a responsabilidade moral, a busca por redenção e as complexidades do amor em face da culpa e do crime, situada nos eficientes espaços concebidos pelo design de produção de Brigitte Broch, assertivos em sua simbiose de cenografia, direção de arte, maquiagem, figurinos e adereços pertinentes para a tradução de um romance de temas polêmicos e delicados.
No texto dramático de David Hare, podemos contemplar um coeso desenvolvimento de personagens. Michael é o protagonista da história, cuja jornada explora o fascinante e complicado tema da memória. Inicialmente apresentado como um jovem vulnerável, sua transformação em adulto é marcada pelas experiências traumáticas que vivenciou. O amor por Hanna e a traição da descoberta de seu passado nazista o forçam a confrontar sua própria moralidade e a forma como a história influencia sua vida. Michael representa a luta entre o amor pessoal e as injustiças coletivas, refletindo sobre as consequências que o passado impõe ao presente. Hanna, por sua vez, é uma figura central não só na vida de Michael, mas também na discussão mais ampla sobre culpa e redenção. Inicialmente, ela é apresentada como uma mulher sedutora e enigmática, cuja resistência à leitura simboliza uma barreira que separa seu passado do presente. A revelação de sua identidade como ex-guardiã nazista transforma a percepção que Michael e o público têm dela, desafiando o espectador a ponderar sobre a natureza complexa do amor e do perdão. Ela é um retrato do conflito entre vulnerabilidade e brutalidade, e sua busca por redenção por meio da alfabetização destaca a importância de se confrontar com a própria história.
Um dos temas centrais do filme é o poder da leitura e da alfabetização. De tantas vertentes abordadas, talvez por ser uma pessoa com formação em Letras, considero a relação entre Michael Berg e Hanna Schmitz, iniciada e consolidada por meio dos livros, um peculiar caso de representação da educação literária. Michael lê para Hanna, ajudando-a a descobrir um mundo literário que ela não havia explorado antes. Esse ato de leitura simboliza a busca por conexão e compreensão, mas também revela as diferenças entre os personagens, mostrando como a educação pode ser tanto uma ponte quanto uma barreira. Outro ponto de relevância é a questão da memória, vital para a narrativa de O Leitor. O filme explora como as experiências do passado moldam as identidades e as ações dos personagens. Michael, ao longo da vida, atravessa um processo de lembrar e confrontar sua relação com Hanna, bem como suas próprias decisões durante a Segunda Guerra Mundial.
A maneira como a memória é trabalhada, isto é, de forma fragmentada e, por vezes, dolorosa, levanta questões sobre o que significa lembrar e o peso que essas memórias carregam. Aqui, por sinal, temos um debate sobre memória e coletividade. A culpa que permeia as vidas dos personagens e outro ponto nevrálgico na produção. Nas revelações durante os julgamentos de Nuremberg, Hanna confronta seu passado e a responsabilidade pelos crimes cometidos. Michael, por sua vez, se vê dividido entre sua afeição por ela e o horror de seus atos. O filme provoca reflexões sobre a natureza da culpa e a dificuldade de lidar com as consequências das ações passadas, tanto em um nível pessoal quanto coletivo. A complexidade do amor apresentado no filme é outro aspecto digno de destaque. A relação entre Michael e Hanna é carregada de nuances, incluindo a tensão entre desejo, exploração e manipulação. O amor que eles compartilham é, em última análise, complicado pela moralidade das ações de Hanna e pela descoberta dos horrores do Holocausto. Essa dualidade leva a reflexões sobre como o amor pode coexistir com a imoralidade e quais são os limites éticos nas relações humanas.
Ao longo de seus 124 minutos, o filme também toca na dinâmica de poder e vulnerabilidade nas relações humanas. Hanna, que se apresenta inicialmente como uma figura forte e enigmática, revela uma vulnerabilidade ao compartilhar sua incapacidade de ler e sua história pessoal. Por outro lado, Michael, em sua juventude, se encontra em uma posição de poder ao ensinar Hanna, mas à medida que a narrativa avança, as posições se invertem. Essa troca de poder ilustra as complexidades nas relações interpessoais e como a vulnerabilidade pode se manifestar de diferentes maneiras. Coeso, O Leitor também explora o tema da indiferença em relação ao passado, tanto individual quanto coletivo. A maneira como a sociedade lida com os erros do passado, especialmente em relação às atrocidades da Segunda Guerra Mundial, é um ponto crítico na narrativa. A narrativa nos desafia a considerar se é possível realmente entender e confrontar as consequências de um passado que muitos preferem esquecer. Em última análise, essa reflexão revela a necessidade de uma reexame da história e de nossas próprias ações.
O Leitor (The Reader, EUA – 2008)
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: David Hare (inspirado no livro homônimo de Bernhard Schlink)
Elenco: Kate Winslet, Ralph Fiennes, David Kross, Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, Karoline Herfurth, Volker Bruch, Matthias Schweighöfer
Duração: 124 min.