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Crítica | O Lobisomem (2010)

por Leonardo Campos
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Em nossa tradição narrativa milenar, lendas sobre processos de transformação conscientes ou não de seres humanos em animais, mudança em decorrência de feitiços, punições e maldições estão presentes em diversas culturas, de eras distintas. Em zonas territoriais onde o lobo não ocupou posto de predador de topo, outros animais foram utilizados como referência: tigres, para a população do Sudeste Asiático, as raposas para os japoneses; os leões e crocodilos para os africanos, etc. Indo da Antiguidade Clássica ao século XIX, o lobo predominou como fonte de horror na cultura europeia, zona de circulação dos personagens da refilmagem de O Lobisomem, lançada em 2010 e protagonizada por Benicio Del Toro como o licantropo da vez. Animal com forte alusão ao que se entende por morte e destruição, os lobos possuem presença firme também na frente de batalha de mitologias diversas, como por exemplo, a nórdica, ao aparecer diante dos pés de Odin, além de ter a sua pele como capa para Hades, senhor do “inferno” na mitologia grega. Em Roma, a festa dos lobos, situada em meados de fevereiro, trazia pessoas envoltas em rituais, um dos primeiros passos para a transformação da imagem do lobisomem como representante da alteridade indesejada numa sociedade devastada pela Queda do Império Romano, assolado pelos horrores das invasões nórdicas.

Estes momentos preambulares formataram a imagem dos homens amaldiçoados que se transformam em lobos ferozes e irracionais, violentos e sanguinários, tema ainda pulsante quando a refilmagem do clássico com Lon Chaney Jr ganhou sinal verde para produção. Sob a direção de Joe Johnston, tendo como direcionamento, o roteiro escrito por Andrew Kevin Walker e David Self que O Lobisomem toma elementos da cartilha clássica de 1941 e adapta para o contexto estético e narrativo da atualidade, apesar da história se desenvolver numa Inglaterra com atmosfera social e cultural Vitoriana. Muitas situações são parecidas, mas foram reinventadas para dar conta dos anseios das plateias atuais, com retomada de cenários e passagens semelhantes, agora mais frenéticas e apuradas em seus efeitos visuais. Na trama, o ator Larry Talbot (Benicio Del Toro) é apresentado na abertura em um espetáculo teatral nos palcos. A peça? O centro do cânone: Hamlet, de Shakespeare. Ao longo da apresentação ele é observado por uma pessoa angustiada que logo saberemos ser Gwen Conliffe (Emily Blunt), cunhada que implora pelo seu retorno ao País de Gales, tendo em vista ajudar na busca do marido desaparecido, irmão afastado de Talbot. Inicialmente reticente, ele é áspero, mas não demora a ceder e seguir ao encontro de John (Anthony Hopkins), o seu pai, figura que é ponto de tensão geradora de conflitos familiares que são desenvolvidos ao passo que a narrativa avança.

Logo que se estabelece na região, mergulhamos mais profundamente nos elementos estéticos que transformaram O Lobisomem numa autêntica produção de horror e licantropia. O design de produção de Rick Heinrich capricha ao erguer os espaços enigmáticos por onde circulam os personagens, contemplado pela direção de fotografia eficiente de Shelly Johnson, responsável pelo uso de filtros na iluminação que permitem ao espectador mergulhar nas trevas propostas pela narrativa sobre uma sociedade dominada pelo medo de um elemento monstruoso devastador. Adequada também em seus movimentos, o setor entrega imagens que nos permitem fazer um tour pelos quatro cantos da cidade e de suas regiões adjacentes, em especial, a floresta, local basilar para a presença ominosa do lobisomem que ataque como um felino, por meio do cerceamento. Durante a investigação que pretende descobrir o que houve com o seu irmão, Talbot não leva com consideração alguns avisos e parte numa empreitada em pela lua cheia. Por um lado, é informado sobre uma maldição acerca de uma aterradora fera. Mas também é vitimado. E agora?

Ao conseguir sair vivo de um perturbador ataque perpetrado pelo monstro concebido pelo mago dos efeitos especiais e maquiagem, Rick Baker, responsável por Um Lobisomem Americano em Londres e consultor da fera em Grito de Horror, ambos de 1981, Talbot agora precisa lidar com a sua condição monstruosa que pulula diariamente em suas mudanças de hábito e transformações cada vez mais agressivas. Antes do ataque, depois que o seu irmão é encontrado estraçalhado numa vala, tal como muitas outras vítimas de crimes semelhantes na região, o ator vai até o necrotério para ver o cadáver e descobre um medalhão cigano que lhe fornece algumas explicações sobre o que está por detrás da tal maldição que logo será parte de sua vida. Para tornar a narrativa mais ampla para o público geral, é inserida uma história de amor com a cunhada e a investigação de um inspetor, o Detetive Abberline (Hugo Weaving), homem que insiste em atribuir as mortes violentas ocorridas na região com a chegada do personagem de Del Toro, um apaixonado pelo universo dos lobisomens e do clássico de 1941, ator que também ocupou a função de produtor da refilmagem que se arrasta um pouco em sua primeira parte, mas depois se torna bastante dinâmica, uma verdadeira montanha-russa de emoções.

Mistura de homem e lobo, o seu visual é interessante por mostrar a fera circundante com as roupas de Talbot antes da mutação, algo bem próximo do proposto no filme de Lon Chaney Jr e diferente dos lobisomens esbeltos e malhados dos romances fantasiosos no final da década de 2000, vide a saga Crepúsculo e outras bobagens do tipo. Em seus 103 minutos, O Lobisomem demonstra que a equipe técnica também é eficiência além da maquiagem, da fotografia e do design. O músico Danny Elfman entrega uma partitura sólida, com tons góticos e muito parecida com os trabalhos entregues para outro mestre do macabro, isto é, o cineasta Tim Burton. Os efeitos visuais estão bastante carregados na trama que aplica mais CGI do que o esperado por Rick Baker, maquiador de tradição que teria ficado desagradado com o resultado digital dominante, material que no final das contas, não foi prejudicado pelos excessos deste setor. Os animatrônicos da equipe de Matthew Denton cumprem bem as suas funções nas cenas com ângulos e planos mais fechados, culminando num trabalho satisfatório, parte integrante de um texto acima da média, um pouco falho apenas nas necessidades dramáticas e conflitos de alguns personagens colocados apenas para cumprir burocracias do roteiro, tal como Gwen, desperdício para o talento de Emily Blunt.

O Lobisomem (The Wolf Man) – EUA, 2010
Direção: Joe Johnston
Roteiro: Andrew Kevin Walker, David Self
Elenco: Simon Merrells, Emily Blunt, Benicio Del Toro, Gemma Whelan, Mario Marin-Borquez, Asa Butterfield, Cristina Contes, Anthony Hopkins, Art Malik, Malcolm Scates, Nicholas DayMichael Cronin, David Sterne
Duração: 69 min.

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