Na década de 1910, as inovações técnicas e as transformações na produção cinematográfica sueca impulsionaram ousadas experimentações visuais e narrativas, conferindo ao primeiro cinema nórdico uma identidade singular e elevando Victor Sjöström a um dos seus expoentes mais marcantes e humanistas. Em O Lobo do Mar (1917), o diretor mostra um escrupuloso olhar estético, harmonizando a literatura de Ibsen com as já citadas inovações que desafiavam as convenções cinematográficas da época. O diretor, que desempenha com competência as funções de criador e intérprete, conduz o espectador por uma viagem onde cada cena encanta, e, por meio de composições bem elaboradas e de grande sensibilidade, constrói um diálogo fluido entre passado e presente, mostrando as ações de uma vida, as consequências de uma guerra e as escalas da vingança.
O roteiro é baseado no poema Terje Vigen (1862), do norueguês Henrik Ibsen, transposto para a tela com sensibilidade histórica e profundamente humana. Sjöström mantém a trama situada no conturbado cenário da Guerra das Canhoneiras (um dos capítulos das Guerras Inglesas e das Guerras Napoleônicas), onde o bloqueio britânico na Noruega não expõe apenas a brutalidade dos conflitos navais do início do século XIX, mas também serve de pano de fundo para uma jornada pessoal e familiar marcada pela tragédia, vivida pelo protagonista Terje Vigen, numa excelente performance de Sjöström. Ao reinterpretar o poema, o cineasta não se limita a destacar a psicologia de um homem que, devastado pela perda de sua família e pela prisão, é consumido por uma vingança que beira à loucura — somente para, anos depois, ser surpreendido pelo dilema de ajudar aquele que um dia o aprisionou. Com esse conflito quase melodramático, o filme transforma o embate histórico numa meditação sobre destino, redenção e os limites do perdão, conferindo à fita uma carga intimista e universal.
As escolhas estéticas, aqui, geram uma aplaudível utilização dos cenários naturais, com locações ao ar livre, onde cada enquadramento reforça a ideia de que a natureza é um personagem onipresente e implacável (o mar, o mais forte deles), refletindo as nuances da alma humana. É como se o oceano atuasse como um espelho capaz de traduzir os conflitos internos de Terje, que é enquadrado em planos que exploram a profundidade de campo, o recorte interno da cena (através de janelas e portas), o poder dos enquadramentos compostos (todas as cenas com personagens da vila são excelentes) e posição sempre plasticamente chamativa do protagonista na tela, ainda mantendo, é claro, as expressões faciais e corporais típicas de sua Era; ainda assim, coerentes com aquilo que a trama exigia: um pai e um esposo que vivia um inferno psicológico e emocional após perder tudo o que mais amava (é praticamente a versão masculina de Ingeborg Holm, que o diretor filmou quatro anos antes).
Terje consegue alcançar uma paz inquietante depois de uma intensa sucessão de acontecimentos que equilibraram seu conflito interior. Ele, antes vítima, agora opta pelo perdão, enquanto aquele que o maltratou no passado, precisa de ajuda. Embora a sequência de salvamento no mar se destaque por seu dinamismo e força dramática, as sequências subsequentes perdem momentaneamente esse ímpeto, deixando o espectador em suspense (numa resolução rápida e estranhamente convencional) até que a precisão estética e a capacidade de comover retornem, na última cena. Com a câmera deslizando por um cemitério banhado pelo pôr do sol, o filme ressalta que a ferida do passado, para Terje, foi finalmente curada. Marcado por lembranças dolorosas, ele não se transformou em monstro: ao perdoar, libertou-se da insanidade que o confinara por tantos anos, abrindo caminho para uma existência de serenidade e redenção.
O Lobo do Mar (Terje Vigen) — Suécia, 1917
Direção: Victor Sjöström
Roteiro: Henrik Ibsen, Gustaf Molander, Victor Sjöström
Elenco: Victor Sjöström, August Falck, Edith Erastoff, Bergliot Husberg, Eric Abrahamsson, Hildur Carlberg, Gucken Cederborg, John Ekman, Nils Elffors, Emil Fjellström, Julius Hälsig
Duração: 65 min.