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Crítica | O Manto Sagrado (1953)

Primeira produção em CinemaScope hoje é apenas mais um épico genérico.

por César Barzine
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Com o advento da televisão no lar americano, em meio a década de 1950, Hollywood se viu presa à necessidade de oferecer ao grande público algum tipo de experiência da qual o pequeno aparelho doméstico não fosse capaz de proporcionar. Surgiu, assim, uma forte oferta de épicos que eram verdadeiras superproduções, com cenários, locações e demais aspectos visuais capazes de causar deslumbramento aos olhos do espectador — não à toa, O Manto Sagrado foi o primeiro filme de todos lançado em CinemaScope. Evidentemente que esse tipo de filme já existia antes dos anos 50, porém foi apenas nessa época que ele se consolidou não só no mercado, mas também como um estilo cinematográfico cujas particularidades seguiam um certo padrão.

As histórias presentes nessas produções muitas vezes seguem um esquema narrativo que praticamente se constitui num derivado da jornada do herói. Os roteiros partem do arquétipo de um nobre guerreiro de característica viril que vive uma vida mundana e luxuosa mas que, ao se envolver no universo religioso, acaba gradativamente se rendendo ao sentimento da fé e amolecendo o seu coração. E este é o caso de filmes como Os Dez Mandamentos, Ben-Hur, Quo Vadis e O Manto Sagrado. Em relação a esses dois últimos, há uma semelhança ainda mais gritante entre eles, pois seus respectivos protagonistas, além de serem quase que basicamente a mesma figura, também possuem como fio condutor um romance com uma cristã.

O Manto Sagrado, o filme em questão, acaba por carregar, então, todos os postulados que se espera de um épico histórico desta época: pregação religiosa, romance bastante emotivo, dilemas e redenção acerca da vida secular, paralelismo com momentos históricos e personagens bíblicos e, claro, cenas de ação e uma mise-en-scène grandiloquente. A fotografia do longa, principalmente em cenas externas ao mostrar o céu ou quando faz uso de iluminação a fogo, é em alguns instantes extremamente pictórica, enfatizando as cores azuis e laranja e criando contrastes que causam um senso de irrealidade. Também não há como escapar dos cenários grandiosos, mas diria que, no caso deste filme, até que este aspecto não ficou tão exagerado quanto em outras obras. Em relação a isso, uma característica que também chama atenção é que as cenas são bem longas; isto é, ocorre uma concentração grande de tempo no mesmo espaço, fazendo com que haja pouco dinamismo na troca de ambientes.

O título do filme corresponde ao manto vermelho que, como diz a Bíblia, teria sido usado por Jesus pouco antes de sua crucificação. O foco nesse objeto-chave se dá justamente porque o livro do qual o filme é baseado, O Manto de Cristo, foi escrito a partir da seguinte pergunta feita por seu autor, Lloyd C. Douglas: “O que houve com o soldado romano que ficou com o manto de Jesus?“. Conforme vemos na história, o protagonista Marcellus é amaldiçoado pelo tal manto ao colocá-lo pouco depois da crucificação de Cristo. Neste momento há o cruzamento do objeto-chave do enredo com o seu protagonista, desencadeando, a partir daí, um processo de cristianização de Marcellus. Os efeitos do manto sobre ele são acusados de feitiçaria, porém este próprio objeto logo perde espaço na trama, tendo a sua presença no filme apenas como uma simples peça a fim de levar Marcellus para outro rumo de sua vida.

Como pode-se ver, a crucificação de Jesus está inserida no longa, criando um paralelismo entre a história bíblica e a de Marcellus. O artifício de projetar tramas comuns ao lado de eventos históricos ou bíblicos é bastante comum nesse tipo de filme, e aqui podemos acompanhar — de maneira sugestiva, já que Jesus nunca aparece — a euforia dos judeus quanto a presença do Messias e sua posterior execução. Para além disso, há outras conexões com elementos da Bíblia muito bem colocadas aqui, como é o caso da tenebrosa aparição de Judas — onde ele demonstra sua amargura e desolação —, e a de Pedro — como apóstolo fiel e reflexivo sobre suas ações. 

Há outras aparições de figuras históricas que também são chamativas, caso de Calígula, Tibério e Pilatos, que desempenham um papel mais decisivo na trama ao compor o campo da realeza romana no ciclo social de Marcellus. As intrigas que Marcellus cria com essas e outras personalidades romanas são o grande motor do filme, responsável por prender a atenção em meio a todo o tom meloso que existe em contraste ao lado religioso da obra. Outro fator importante para a imersão do espectador seria a duração enxuta da montagem final, que possui “apenas” pouco menos de 140 minutos — uma quantidade minúscula para um épico histórico. Talvez por isso que o desfecho do filme fique meio aberto, dando brecha para Demetrius e os Gladiadores, a sequência de O Manto Sagrado lançada um ano depois.

O Manto Sagrado (The Robe) – EUA, 1953
Direção: Henry Koster
Roteiro: Albert Maltz, Philip Dunne, Gina Kaus (adaptação), Lloyd C. Douglas (romance)
Elenco: Richard Burton, Jean Simmons, Victor Mature, Jay Robinson, Michael Rennie, Dean Jagger, Torin Thatcher, Richard Boone, Ernest Thesiger, George E. Stone, Betta St. John, Dawn Addams, Michael Ansara
Duração: 135 minutos.

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