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Crítica | O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface

Personagens "legado" retornam nesta equivocada jornada sangrenta.

por Leonardo Campos
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Texto com alguns spoilers.

Na era dos filmes sobre legado, duas franquias retornaram dignamente em filmes que reforçaram o poder de seus personagens e histórias: Halloween (2018) e Pânico (2002) trouxeram Michael Myers e Ghostface, em narrativas com as suas protagonistas Laurie Strode e Sidney Prescott como partes orgânicas do roteiro, flertando com as novas gerações e desenvolvendo um elo com os espectadores que conhecem o impacto cultural destes universos cinematográficos peculiares. Enquanto Jason e Freddy, de Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, não retornam para as plateias contemporâneas, Leatherface, de O Massacre da Serra Elétrica, surge em meio ao caminho pavimentado pelo slasher atual, num filme que tinha potencial para ser uma retomada interessante, mas infelizmente, diverte ligeiramente com sustos, perseguições e mortes cuidadosamente elaboradas, no entanto, desenvolve a sua narrativa sem equilíbrio, com consideráveis problemas de ritmo, além de inserir uma conexão com a obra-prima ponto de partida, tratando-a com desleixo. Com o subtítulo brasileiro O Retorno de Leatherface, este novo massacre situado no Texas também traz um punhado de críticas sociais, mas da mesma forma que falha na concepção estrutural, se perde nos desdobramentos reflexivos do subtexto.

Sigamos. Ao longo de seus 83 minutos, a narrativa dirigida com algumas doses de incoerência por David Blue Garcia apresenta um grupo de jovens que se deslocam pelas estradas para chegar ao local do Texas onde ocorreram os assassinatos do primeiro filme. Eles partem destinados a transformar o espaço, uma cidadezinha fantasma, num badalado ambiente ideal para ser o novo point de um grupo de empreendedores. O terreno e os prédios, aparentemente abandonados, garantem a felicidade daqueles que pretendem lucrar demasiadamente com o empreendimento, mas alguns problemas se estabelecem logo no começo da jornada. Uma das moradoras, uma senhora que cuidou de diversas crianças num orfanato, reluta para sair. Ela alega ter resolvido o conflito com o banco e diz que não abandonará o lugar. Ao ser desafiada por um deles, passa mal e infarta, sendo levada para a prestação de socorro por dois policiais inicialmente escolhidos para escolta-la. Para encaminhar a moribunda, um homem alto, corpulento e enigmático desce as escadas do andar anterior e ajuda no transporte. Calado e muito estranho, ele nos deixa em questionamento: será Leatherface?

Enquanto uma parte do grupo de jovens fica na cidadezinha para recepção dos investidores que desejam participar do leilão, um deles segue juntamente com os policiais, o homem estranho e a vitimada senhora. Coisas acontecem no meio do caminho e logo saberemos que o reinado de horror perpetrado em 1974 está com os minutos contados para retornar. Basicamente, Leatherface, agora sem a sua família de degenerados, atuará sozinho e munido de um objeto que há anos parece guardado para conter as suas explosões comportamentais. Sim, estou falando da motosserra, guardada por detrás de uma parede que precisa de marretadas para ceder e conceder ao maníaco a sua arma criminosa. Sedento e irado por motivos diferentes do clássico dos anos 1970, agora a sua sanha assassina vem de um instinto de vingança pela morte da velha senhora que estranhamente o acolheu, sensação que é somada ao desejo de sangue e morte comuns ao personagem construído anteriormente. O canibalismo, agora, não é desenvolvido na história, sendo o jorrar de sangue da motosserra o foco central da presença do antagonista em cena. Não há piedade, tampouco meio termo. Aqui, Leatherface mata pra valer, numa produção violenta que ganhou indicação para maiores de 18 anos.

Com alguns momentos de muita ação e passagens bem coreografadas pelo monstro e suas vítimas perseguidas, O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface é um filme que diverte como entretenimento ligeiro, mas perde as chances de ser uma retomada épica por causa dos problemas narrativos e das escolhas dos seus realizadores, no geral, muito equivocadas. Primeiro, temos a edição de Christopher Capp. Não há bom-senso no desenvolvimento de algumas passagens e o ritmo narrativo é quebrado com sobreposição de cenas que atrapalham a manutenção da tensão. A cena do acidente de carro promovido pela confusão no interior do carro que leva os policiais, Leatherface, a falecida e uma das integrantes do grupo recém-chegado ao local é intensa, mas perde a força depois que é abandonada para demonstração de um conflito bobo entre as irmãs ao longo do leilão. Quando voltamos, a passagem perdeu consideravelmente o seu impacto, apesar de ainda ser muito boa. Em linhas gerais, isto é algo recorrente em outros momentos do filme, num desperdício de tensão que atrapalha e acumula problemas para uma produção que tinha tudo para ser muito boa. Ainda sobre escolhas, precisamos falar sobre a construção do próprio Leatherface e de Sally Hardesty, personagem icônica de Marilyn Burns, aqui interpretada por Olwén Fouéré, figura ficcional ideal para uma aula de dramaturgia, em especial, no módulo sobre o que não se fazer na construção de histórias.

A final girl do filme de 1974 retorna e alega ter esperado por este momento há 50 anos. Como alguém traumatizada que sonhou em reencontrar o antagonista que ceifou seus amigos e irmão e tornou a sua vida um pesadelo pode ter um desenvolvimento tão incoerente? Alguns chamaram de aposta corajosa, mas prefiro dizer que são escolhas duvidosas e estúpidas do roteirista Chris Thomas Devlin, embasado pelo argumento de Fede Alvarez e Rodo Saycgues, os idealizadores da refilmagem de outro clássico em 2013, A Morte do Demônio. Sem um desenvolvimento amadurecido da personagem e uma compreensão de suas dimensões psicológicas e sociais, temos em cena alguém trabalhada apenas fisicamente, uma mulher envelhecida, mas forte, sedenta por vingança, mas que aparece em apenas cinco cenas bizarras e morre impiedosamente de qualquer jeito, algo incoerente para uma figura que ao menos no trailer e na primeira apresentação no filme, transparece força e garra. Ao tomar as piores decisões e travar uma batalha burra com Leatherface, Sally é eliminada da narrativa com desleixo, numa falta de consideração com seu legado e impacto cultural na história do slasher. Tudo bem que nem todo mundo é igual e que a senhora não precisa ser uma Laurie Strode ou Sidney Prescott, mas receber o tratamento chulo neste novo massacre é algo para considerarmos abominável.

O antagonista que ceifa as vítimas com a sua motosserra surge em cena com a maquiagem de Martin Astles e o figurino de Olga Mekikchieva, setores que promovem uma construção coerente do monstro clássico, sendo estes alguns dos aspectos que funcionam no filme. Aqui, ele tem como vítimas centrais o chef Dante (Jacob Latimore) e sua noiva Ruth (Nell Hudson), a parceira de trabalho Melody (Sara Yarkin) e sua irmã Lila (Elsie Fisher), além do empreiteiro chamado constantemente de caipira, o truculento Richter (Moe Dunford), bem como os investidores que morrem todos de uma vez num curioso e divertido ataque do mascarado no interior do ônibus de viagem, uma das passagens mais divertidas da narrativa, com direito a transmissão ao vivo nas redes sociais, uma conexão com os hábitos da cultura contemporânea. Ademais, ainda sobre acertos, há uma homenagem, proposital ou não, ao clássico Halloween: A Noite do Terror, de 1978, com a famosa cena do armário de duas portas de correr como esconderijo, bem como a construção de cenas com a direção de fotografia assinada por Ricardo Diaz, responsável por oferecer alguns bons momentos. O design de produção de Michael Perry também funciona, criando espaços alusivos ao universo da franquia conhecida por suas imagens amareladas e envelhecidas, do sépia predominante. Há assertividade também na trilha sonora de Colin Stetson, macabra e justaposta as imagens num tom que não torna o filme uma odisseia barulhenta.

Por fim, de volta ao contexto, O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface possui uma tessitura histórica tão pulsante quanto os horrores sociais do clássico de 1974. O que não ocorre aqui é o devido aproveitamento de suas questões sociopolíticas. Se na produção que serve como ponto de partida, temos latente a crise do Petróleo, a guerra do Vietnã, o Watergate e as discussões sobre emancipação feminina e os medos diante do domínio da cultura hippie, nesta nova empreitada, a questão do armamento e a cultura do cancelamento são desenvolvidos com o mesmo desleixo que a presença de Sally Hardesty. Nos importamos pouco ou nada com a história de Lila, sobrevivente do ataque de um atirador na escola, nos moldes da tenebrosa história de Columbine, em 1999. Não há um bom desenho de personagens, tanto ela quanto a irmã e os amigos são retratados tão opacos quanto a vegetação que domina a geografia física do Texas. A gentrificação, trabalhada muito melhor em outro retorno de um clássico, A Lenda de Candyman, é o que melhor se desenvolve por aqui, mas ainda insuficiente para tornar o filme um novo e poderoso resgate de um clássico. Neste processo, como sabemos, empreendimentos novos são estabelecidos e não levam em consideração os antigos habitantes do espaço, num esquema de limpeza de seres humanos que tem acontecido frequentemente em nosso mundo de caos e injustiças sociais. A grande questão é que na volta de Leatherface, esta problemática social é abordada sem firmeza, distante da força adotada pelo retorno do homem dos doces e do gancho em uma das mãos, conhecido por aparecer toda vez que é chamado cinco vezes diante de um espelho. Impactante e inserido numa franquia muito irregular, o maníaco da serra merecia uma retomada mais digna, mas infelizmente, neste filme, perdeu a sua chance de ser um novo clássico para se transformar em apenas divertido e sangrento, sem profundidade dramática.

O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface (Texas Chainsaw Massacre) — Estados Unidos/2022
Direção: David Blue Garcia
Roteiro: Chris Thomas Devlin, Fede Alvarez, Rodo Saycgues
Elenco: Sarah Yarkin, ElsieFisher, Nell Hudson, Mark Burham, Jacob Latimore, Olwén Fouéré, Moe Dunford
Duração: 83 min

 

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