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Crítica | O Matador (1950)

por Luiz Santiago
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A simplicidade com que Henry King dirigiu O Matador o aproxima bastante do modo como William A. Wellman dirigiu Consciências Mortas alguns anos antes, tendo também com este filme uma aproximação de conteúdo, a saber, a abordagem psicológica do western.

O roteiro partiu de um relato verídico, o do famoso boxeador Jack Dempsey, que, após afastar-se do ringue, era quase obrigado pelos clientes do restaurante que abrira em Nova York a contar detalhes de suas lutas e, não raramente, tinha que lidar com indivíduos que o desafiava, dizendo que podiam vencê-lo facilmente e que eram melhores do que ele.

Ao ouvir um desses relatos, o roteirista William Bowers começou a trabalhar na ideia de um roteiro, adaptando o cenário do ringue para o Velho Oeste e tendo como estrutura um enredo de André De Toth (com quem já tinha trabalhado em Caminho da Tentação, 1948), inclusive, o primeiro diretor cotado para dirigir o longa. Quando o projeto ganhou forma, a diretoria da Fox percebeu que o melhor nome para filmar o texto era Henry King, que acabou faturando a cadeira da direção.

Mas estava claro que O Matador não seria um western comum, a começar por um desglamourizado Gregory Peck, que dava vida ao lendário Jimmy Ringo, o pistoleiro mais rápido do oeste. Diferente da abordagem vista nos personagens do ator em Duelo ao Sol e Céu Amarelo, seu papel em O Matador foi de um homem do qual pouco se espera à primeira vista: bigode ridículo, roupas puídas e muito simples, nenhum adorno, pouco contato visual, silencioso a maior parte do tempo e, estranhamente, procurando distanciar-se de problemas.

Nesse momento começa a construção da dourada trilha de O Matador. O filme tem ingredientes que de certa forma antecedem a abordagem revisionista da década seguinte, mostrando as fraquezas e desejos comuns de um homem cuja fama o impede de viver. Nesse ponto, o filme se afasta do núcleo psicológico de Consciências Mortas, cuja foco era a discussão moral e aspectos de justiça. Em O Matador, temos dois caminhos que se encontram: o primeiro, a colheita dos frutos de um passado desregrado; o segundo, a discussão da inglória fama que precede o indivíduo e que faz com que todos o tratem de maneira diferente, que ele seja odiado antes mesmo de conhecido e que ele seja constantemente desafiado por alguém que julga ser melhor.

A forma que Henry King encontrou para melhor retratar essa situação foi uma abordagem claustrofóbica do roteiro. Repare que a essência do filme está nas tomadas internas ou espaços muito limitados, indicando algum tipo de prisão para cada um dos personagens: a mulher de Ringo, “presa” à sua sala de aula; o homem que acreditava ser Ringo o matador de seu filho, preso à casa e posteriormente preso de verdade; e Ringo, preso ao Palace Saloon, esperando que algo externo viesse mudar sua vida e, ao mesmo tempo, fugindo de algo externo — momento do filme com excelente marcação narrativa e formal dada pelo relógio, recorrência simbólica em inúmeros westerns dali pra frente.

Uma das cenas que melhor retratam essa dualidade “liberdade X prisão” é quando um jovem cowboy de Cayenne entra no Saloon para tomar um único trago no bar. Ele conversa rapidamente com Ringo a respeito de sua vida ao lado da esposa, suas conquistas como homem que começava a “crescer na vida” e sua responsabilidade como esposo. O texto é simples mas o significado é poderoso e filmado de maneira muito bonita por Henry King, imediatamente nos dando a entender que Ringo também assume a ideia de casar-se com sua amada e construir uma vida, fugindo dele mesmo.

A trama caminha para um desfecho trágico que não demora a acontecer.

Então surge o ciclo vicioso da fama como maldição. O jovem que matou Ringo ganha como brinde um título que não merecia e é condenado a protagonizar a si mesmo como uma lenda do Oeste, automaticamente gerando tudo aquilo que afastou Rindo da felicidade e lhe tirou a vida. De fato, não poeria haver maior maldição para um jovem, o que torna o final de O Matador ainda mais trágico e denso, uma sensação reafirmada pela escolha do diretor em filmar o longa em preto e branco (na contramão da maioria dos westerns da época) e pela bela e econômica música de Alfred Newman, seguindo com perfeição a ideia de ciclo vicioso apontada no roteiro e executada na direção.

O Matador mostra o lado sensível, trágico e inglório do homem do oeste, o lado da vontade negada por uma vida que procurou ação, riqueza e fama durante muitos anos, mas que no momento em que percebe o caráter fugaz e solitário de todas essas coisas, não consegue mais voltar.

Dirigido de uma forma levemente episódica e com ótimas atuações em cena, O Matador faz parte de uma lista de westerns amargos e reflexivos cuja simplicidade os tornam ainda melhores. Sua mensagem final funciona não só dentro da obra mas também encontra reflexos na vida comum, de onde, aliás, veio a ideia para sua concepção.

O Matador (The Gunfighter) – EUA, 1950
Direção:
Henry King
Roteiro: William Bowers, William Sellers, Roger Corman, Nunnally Johnson (baseado em argumento de André De Toth).
Elenco: Gregory Peck, Helen Westcott, Millard Mitchell, Jean Parker, Karl Malden, Skip Homeier, Anthony Ross, Verna Felton, Ellen Corby, Richard Jaeckel
Duração: 85 min.

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