Home FilmesCríticas Crítica | O Matemático (2020)

Crítica | O Matemático (2020)

por César Barzine
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É completamente impossível evitar a comparação entre O Matemático e um outro filme biográfico, O Jogo da Imitação. Ambos são protagonizados por mentes brilhantes da ciência dos números que, localizados durante a Segunda Guerra Mundial, recebem a missão patriótica de usarem o seu intelecto no avanço militar de seus respectivos países. A grande diferença entre os personagens desses mesmos filmes, Stan Ulam e Alan Turing, é que a missão deste último está pautada no ato de salvar vidas, ao passo que as ações de Stan Ulam se constituem numa finalidade homicida, criando um instrumento de destruição (uma bomba atômica) que abre o dilema do filme.

Outra diferença cabível de ser apontada aqui é o fato de que, no final das contas, o inimigo mortal de Alan Turing não são os nazistas, e sim o seu próprio país que o persegue; enquanto que o antagonista de Stan Ulam está no peso moral que a sua consciência carrega. Dado o fato de ele fazer parte de um projeto visto como desumano, a força que causa a ruína de Stan acaba sendo ele mesmo; que, através de um movimento circular, fere pessoas do outro lado do mundo e a si próprio.

E do mesmo modo que O Jogo da Imitação é um filme moldado no padrão Oscar bait, O Matemático segue um caminho semelhante: trata-se de uma produção polonesa, mas com uma roupagem 100% americana, até porque é neste mesmo país que Stan serve e o longa é ambientado. A premissa do filme já deixa clara essa impressão: o drama biográfico que se passa na Segunda Guerra e é protagonizado por um homem brilhante com dilemas no trabalho e na vida pessoal. Todos esses elementos, além de levarem inevitavelmente ao típico filme de Oscar, também despertam um tom de serenidade que predomina a obra inteira. Sobrepondo-se aos diversos atritos presentes no roteiro, a atmosfera aplicada pela direção de Thorsten Klein é de um leveza e aparência idílica.

O modo que os personagens são conduzidos é a principal característica deste aspecto de serenidade. Na maior parte do tempo, há uma leveza nas interpretações, por mais soturna que possa ser a conjuntura histórica e as crises pessoais que passam os personagens integrantes da trama. De todo o elenco, é Esther Garrel, intérprete da esposa de Stan, que possui a conduta mais expressiva neste fator. Garrel demonstra um tom doce e discreto, sempre mantendo uma postura de equilíbrio e calma. Até mesmo quando ela questiona seu marido sobre a participação dele no projeto da bomba atômica, a atriz não deixa de preservar esse toque ameno.

Por outro lado, o personagem mais conflituoso na narrativa é o irmão de Stan, que o confronta pelo seu afastamento na vida dele, entregando um dos momentos mais carnais e dramáticos do filme quando ele se exalta ao demonstrar o seu ressentimento acumulado. E em meio a tímida atuação de Esther Garrel e a desconcertante carregada por Joel Basman, Philippe Tlokinski (Stan) acaba assumindo o papel que sintetiza esses dois elementos, oscilando entre o pai de família aplicado e instantes catárticos de fúria e extrema tristeza. A cena da praia em que ele destrata a sua esposa e a do luto por sua irmã são duas passagens eletrizantes onde o ator demonstra todo um potencial mais agressivo.

A fotografia dá continuidade a suavidade que o filme possui, sendo competente por também manter uma ambiguidade que coloca O Matemático entre um ponto de crueldade e outro mais delicado e vívido. O visual do longa é formado por tons secos de azul, amarelo, laranja e marrom que entram em um perfeito contraste com a escuridão absoluta presente em certas cenas, onde alguns cantos dos cenários encontram-se sem qualquer iluminação. Toda essa plasticidade dialoga com o figurino ao realçar o caráter de um filme de época em consonância às roupas formais trajadas pelos personagens. Há também, quando Stan vai fazer uma espécie de trabalho de campo num deserto, a presença de locações externas valorizando a extensão daquele espaço sem qualquer virtuosismo técnico. O problema é que esses momentos se encontram em ações duvidosas do roteiro por serem deslocados da trama e parecerem arbitrários não só na continuidade da narrativa como também nos diálogos recheados de piadinhas.

A estética de Oscar bait não impede a direção de Thorsten Klein apresentar alguns traços de competência na decupagem. O grande charme na composição dos quadros se encontra no uso de planos conjuntos, ora posicionando cada ator no mesmo nível de profundidade, ora distanciando cada um deles; utilizando, neste caso, a profundidade de foco, que é necessária dado ao fato de que os personagens estão dialogando. Assim, ao mesmo tempo que, durante a primeira cena em que Stan conversa com o seu irmão, evidenciando através dos diálogos uma certa melancolia entre eles, o distanciamento dos dois, cada um em um cômodo divididos pela parede, fica a cargo de retratar – com a mesma finalidade dos diálogos – como é a relação deles no campo sugestivo. Um outro tipo de plano conjunto muito bem utilizado é o que está presente quando Stan conversa com seu colega dentro de um carro; desta vez, os personagens são posicionados de maneira inversa: ambos no mesmo ponto horizontal e em close.

E apesar do fato de O Matemático ter uma história bem simples e padrão, os questionamentos sobre ética e, principalmente a alta beleza do filme em sua decupagem, fotografia e direção de arte chegam a fazer com que o espectador se esqueça de qualquer rótulo. Sem dúvidas uma boa e sofisticada reciclagem de uma premissa que poderia facilmente cair no medíocre.

O Matemático (Adventures of a Mathematician) – Polônia, Alemanha e Reino Unido, 2020
Direção: Thorsten Klein
Roteiro: Thorsten Klein
Elenco: Philippe Tlokinski, Esther Garrel, Sam Keeley, Joel Basman, Fabian Kociecki, Ryan Gage, Sabin Tambrea, Mateusz Wieclawek, James Sobol Kelly, Alberto Ruano
Duração: 102 minutos.

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