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Crítica | O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

Nunca deixe de pedir ajuda.

por Ritter Fan
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Já me manifestei diversas vezes em críticas aqui do site deixando bem clara minha ojeriza a obras didáticas, daquelas que reiterada e repetidamente falam o que poderia ser mostrado. E minha reação instintiva a O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo, curta-metragem distribuído mundialmente (menos Reino Unido) pelo Apple TV+ baseado em livro ilustrado de enorme sucesso de Charlie Mackesy originalmente publicado em 2019, foi justamente virar o rosto para a sucessão de frases de efeito razoavelmente descontextualizadas que ele basicamente é. No entanto, respirando fundo e mergulhando mais uma vez na obra, percebi o quão equivocada minha primeira impressão foi.

Não que o curta não seja justamente o que descrevi acima, ou seja, uma visualmente muito bonita, mas narrativamente errática história de amizade entre um menino perdido (Jude Coward Nicoll) em uma paisagem nevada e os animais do título, na mesma ordem do título (com vozes respectivamente de Tom Hollander, Idris Elba e Gabriel Byrne), repleta de frases de efeito que parecem retiradas de livros de autoajuda, mas o curta é também mais do que isso. Afinal, às vezes ser didático é importante e a conexão entre os personagens do filme tem explicitamente esse objetivo, algo que obviamente poderia ser feito de maneira menos direta, menos óbvia, menos cartesiana até, mas que, dado seu assunto central e até mesmo a forma como ele foi produzido – remotamente, em meio à pandemia, com a equipe espalhada em  20 países -, precisava ser exatamente assim.

Afinal, o curta não é a mera história de amizade de um menino e os três animais, mas sim uma história que usa esses elementos até lúdicos para trabalhar insegurança, solidão e distúrbios mentais associados a esses fatores, com a peça central da narrativa sendo o quanto pedir ajuda não é um sinal de fraqueza, mas, muito ao contrário, um sinal de força, de coragem, de vontade de melhorar e de vencer o que pode parecer um obstáculo intransponível. Portanto, o didatismo, aqui, é importante, diria até essencial. Nada de dar voltas para chegar ao ponto, pois dar voltas, neste caso específico, pode levar à incompreensão da mensagem urgente que o singelo curta quer passar e essa incompreensão pode ter graves consequências.

Até mesmo a narrativa descontextualizada faz pleno sentido nesse contexto muito específico. É bem verdade que, se eu quisesse ser inclemente, poderia facilmente afirmar que o curta sequer é um narrativa audiovisual, mas sim um livro ilustrado, ou seja, uma transposição de mídias sem as adaptações necessárias e inerentes a cada forma de manifestação artística. Mas ser inclemente, aqui, é ser insensível demais – não que eu seja lá muito sensível, confesso -, é ignorar uma realidade presente, que está à nossa volta se não estiver dentro de nós. Um pedido de socorro não pode ser ignorado e, talvez tão importante quanto ele, seja a mensagem que afirma com todas as letras que o ato de pedir socorro é, talvez, o mais importante passo para a saúde mental de uma pessoa.

A arte do curta, com traços que parecem inacabados e incompletos, também reflete o livro em que foi baseado, convertendo as imagens estáticas do autor em animação, o que empresta um beleza etérea à obra que alia simplicidade com funcionalidade, sem que em momento algum haja qualquer tipo de desvio de atenção e foco no menino e sua tentativa de “voltar para casa”. Assim como o texto muito direto e sem floreios, a animação não se perde em redundâncias e exageros, fazendo o básico, mas fazendo-o muito bem. Da mesma forma, a trilha sonora composta por Isobel Waller-Bridge (que também compôs a de Fleabag, série estrelada por sua irmã Phoebe Waller-Bridge) é de uma delicadeza ímpar, com sua sincronização não-intrusiva sendo um exemplo de como usar trilhas sonoras em obras, com a vantagem de ela ser um deleite de se escutar mesmo fora do contexto do curta.

Eu estava errado sobre O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo e ainda bem que percebi meu equívoco antes de escrever a presente crítica. Continuo resoluto em minha luta contra obras que fazem do didatismo seu mantra imbecilizador, mas o curta co-dirigido por Peter Baynton e o próprio Mackesy não cai nessa categoria. Ao contrário, sua mensagem precisa ser ouvida de verdade e, mais importante ainda, se a ajuda for finalmente pedida por quem a precisa, precisamos agir de acordo com amizade, amor, cuidado e, sobretudo, gentileza.

O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo (The Boy, the Mole, the Fox and the Horse – Reino Unido/EUA, 25 de dezembro de 2022)
Direção: Peter Baynton, Charlie Mackesy
Roteiro: Jon Croker (baseado em livro de Charlie Mackesy)
Elenco: Jude Coward Nicoll, Tom Hollander, Idris Elba, Gabriel Byrne
Duração: 34 min.

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