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Crítica | O Menino e o Vento

por César Barzine
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O espaço é um elemento ativo em O Menino e o Vento, fonte de sentimentos antagônicos, oscilando entre o belo e o rude, fazendo com que o filme sintetize o ambiente com a população que o compõe como um lugar humilde e místico. Tendo o vento como sua marca registrada, é criado um contexto meio estranho em relação ao protagonista José, que é claramente exposto como um estrangeiro naquela comunidade. Ele é um engenheiro, homem instruído e de outra cidade, que possui um histórico misterioso durante o tempo em que permanece na região apresentada no filme. José desperta a antipatia dos moradores de lá devido a sua relação com Zeca da Curva, rapaz querido por aqueles habitantes, que sumiu recentemente e que mantinha frequentes encontros com José.

A mística do filme está naquela cidade, em José e em Zeca da Curva. Tudo isso se entrecruza com o vento, força não apenas física, mas também existencial, que preenche a alma da dupla e os fazem contemplar a vida ao redor. De um lado, o profissional bem sucedido que buscava na materialidade o caminho de sua vida. E do outro lado, um jovem de espírito livre que almeja percorrer outros caminhos além daquela cidade. É como se um preenchesse o outro. O peso da experiência se junta com a aspiração de viver. O desejo por caminhar mais rápido e se descobrir no mundo se conecta numa mesma moeda de dois lados diferentes. 

O mistério predomina em toda a metragem de O Menino e o Vento, mas nunca se manifesta como um suspense comum. Sempre aliado às lacunas lançadas na história, o espectador se questiona sobre as ações da dupla. O engenheiro tem que enfrentar um julgamento e a hostilidade do povo daquela cidade. E o menino está ausente, compondo uma narrativa alinear, que irá resgatar a relação dele com José através de flashbacks. É sugerido uma ligação homossexual entre os dois, o filme esbarra na perversão daquela época, fragiliza a moralidade dos bons costumes. Mas a relação entre eles se mantém apenas como uma íntima amizade, que encontra nas caminhadas e na busca pela ventania um consolo para o presente.

Carlos Hugo Christensen cria, aqui, um filme fantasmagórico; o mistério, a cidade pequena, os julgamentos, as crises existências, as tensões psicológicas e o vento são uma fusão de algo meio obscuro, que imerge o espectador num fluxo envolvente de conceitos confusos. Porém, tudo é muito poético, evocando um lirismo, uma beleza que se encontra no campo, nos encontros e nos sentimentos daqueles dois homens. Naquele lugar, o árido se conecta com o bucólico, e o vento e as cavalgadas são o motor para um ir se apegando ao outro, enquanto eles próprios se preenchem, descobrindo quem eles são.

A fotografia do filme exibe um trabalho esplêndido, os contrastes de luzes e sombras nas faces e corpos dos personagens são a demonstração da inquietude de suas almas, seus conflitos e suas tensões, sejam em problemas concretos ou interiores. A obscuridade daquele ambiente se transparece nos vultos dos personagens, em alguns casos a escuridão chega a predominar os corpos deles por completo, como se eles estivessem totalmente corroídos por algo. Tal trabalho de iluminação é um dos melhores do cinema nacional, ilustrando o subjetivismo dos personagens perante a sensibilidade e a tensão em que se encontram.

Dentro daquele lugar minúsculo, rural, com pessoas iletradas e moralistas, há um homem que quer ganhar o mundo. Assim como há um outro que está perdido neste mundo. E se o desejo dos dois é trocar a direção de seus passos, o ar que flutua por aí representa a liberdade que eles tanto almejam. É o desejo de respirar novos ares e superar a mesmice daquele solo. O vento é uma dimensão ontológica que abraça os corpos e as mentes daqueles dois. Ao lado desses sentimentos representados pela abstração do vento, também há a presença de vários monólogos que exteriorizam os demônios internos de José. Seu discurso é movido por palavras duras, resultadas do sufocamento em que ele está/estava envolvido.

A atuação de José, executada por Ênio Gonçalves, manifesta um deslocamento dele por aquele lugar. Ele é frágil, inseguro e passivo. O tom de sua voz expressa uma subordinação diante de quem está ao seu lado. Há um medo enraizado em sua postura, sua mente está caótica, e o seu destino pode ser o pior possível por decorrência de um julgamento. Mas no desfecho do filme ele contraria isso, agindo de um jeito nada passivo. Sua conduta explode, mais um monólogo aparece, desta vez numa forma catártica, assim como a ventania que logo surge. Aquele vento que era o símbolo entre José e Zeca estoura no final, percorrendo com intensidade a cidade inteira. E todas aquelas tensões, dramas e afetos se chocam nesta forte ventania que é o estalar das diversas emoções e pensamentos acumulados. O vento é como se fosse o signo daquilo que existe dentro deles; é o sopro da natureza e o suspiro desses dois homens.

O Menino e o Vento – (Brasil, 1967)
Direção: Carlos Hugo Christensen
Roteiro: Carlos Hugo Christensen, Millor Fernandes, Anibal Machado (conto)
Elenco: Ênio Gonçalves, Luiz Fernando Ianelli, Wilma Henriques, Odilon Azevedo, Oscar Felipe, Germano Filho, Antonia Marzullo, Antonio Naddeo, Palmira Barbosa, Jotta Barroso, Thales Penna, Miriam Pereira, Armando Rosas, Amíris Veronese
Duração: 104 minutos

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