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Crítica | O Messias (1975)

Humanizando o Messias.

por Fernando JG
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Nessa que é conhecida como a última direção de Roberto Rossellini em longa-metragem, o cineasta parece sintetizar toda uma proposta de cinema, a que cunhou chamar Escola Realista, no enredo da sua película, mostrando engajamento com os ideais estéticos e ideológicos mais primevos desse movimento que ele mesmo é um dos fundadores. Lendo o texto bíblico com simplicidade e sinceridade, Rossellini retoma um contexto de época com a finalidade de trazer para a sua contemporaneidade valores que julgamos universais. Sem mágica, encanto, milagres ou fantasias, a sua película é a síntese de toda uma tendência que busca aquilo que chamamos de “efeito de real” no cinema realista, aproximando o seu drama-sacro de nós, público. Jesus, de Rossellini, é mais um homem na Terra, mas um homem bom, como tantos outros que há por aí. Talvez esse seja o resumo mais conciso que eu consiga fazer da impressão que o filme desse cineasta italiano nos passa. 

A fita narra muito brevemente a história de Jesus de Nazaré e do seu conflito com Israel e os reis romanos durante a sua ascensão. O filme adapta o Velho Testamento, criando uma tensão para a vinda do Messias. Quando ele chega, enfim, já no fim do primeiro ato, passa não a operar milagres, mas a ensinar as Boas-Novas e a reiterar a importância do respeito e amor ao próximo. Mesmo pouco afirmando ser o filho de Deus, Jesus logo torna-se conhecido como o tal, desagradando os reis romanos, sobretudo Pilatos, que o condena após absolvição polêmica de Barrabás. Consumada a sua morte, os céus não se rasgam, tampouco o chão estremece. Jesus é sepultado igualmente aos outros, porém desaparece logo ao terceiro dia. Arrebatamento ou não, Rossellini não se interessa pelo sobrenatural bíblico e também não deve interessar a nós. 

Não é verdade que o filme busca um anti-drama, seja lá o que isso queira significar. Não é porque não comove que o sentido primeiro de drama não esteja lá. Do início ao fim, a noção de drama encontra-se imbricada no conceito de tragédia, e esta, no de catarse: as ações do homem são mostradas como a responsável por sua glória e igualmente pela sua queda. Essa é a história de Jesus. O cineasta então expurga nosso sentimento de compaixão, de amor e piedade através de uma figura que ensina apenas a bondade e que então é punida por isso. 

O maior gênero de todos para discutir a justiça e a injustiça é a tragédia. Rossellini, sabendo disso, manipula esse trágico-suave da sua película para fazer uma discussão também sobre a arbitrariedade do poder hierárquico. A verdade ou não, nesse contexto em específico, só depende do olhar de um homem que tem o poder de dizer que sim e que não para qualquer manifestação que não soe bem aos olhos. Pilatos é a figura por excelência dessa visada arbitrária. Nisso, a caracterização de personagem não deixa a desejar: de Jesus a Judas, de Judas a Pilatos, todos surpreendem e dominam o aparato cênico. Aliás, Rossellini trabalha Judas de tal maneira que o sujeito só precisa de um instante, nada mais que 1 minuto de cena, para que sua energia e presença impactem no rumo da película. Assim, não é sobre a atuação dramática em si, mas todo um uso e domínio técnico da mise-en-scène, misturada com um excelente close-up vulgo primeiro plano, que trazem à tona o drama de uma fala curta após minutos de silêncio: “serei traído por um de vocês”. 

O filme tem um enredo natural, sem peripécias, tampouco fantasias. O cineasta faz jus à sua escola e recusa criar um Jesus-emblema, envolto numa aura mitificada, em que opera milagres a torto e a direito. Dos milagres que conclui, ninguém diz que é sobrenatural. Uma cena clássica da literatura bíblica, que é o canônico “milagre dos pães e peixes”, é totalmente destituída de “maravilha”. Rossellini resolve essa questão de uma maneira simples, em que um grande pedaço de pão é cortado em diversos pedaços menores, multiplicando-o. Jesus, aqui, não é um milagreiro, mas um exemplo de solidariedade. Nesse mesmo sentido, as fábulas bíblicas nunca são tomadas como “verdades”, mas sempre como anedotas que servem para exemplificar algum mandamento. Fica evidente que ele retira do texto bíblico o seu caráter divino e sacro, trazendo-o para uma discussão real e possível. 

Com uma narrativa que pretende ser fato e não mito, real e não maravilha, a obra derradeira de Roberto R. interessa-se inevitavelmente por um estudo sobre as ações que fazem dos homens bons ou ruins, dada a lente realista que filma a película. De tal modo que Jesus não poderia, pela lógica da Escola a qual pertence Rossellini, ser milagreiro, mas apenas um sujeito que preza e tem fé na bondade que é movente e capaz de mudar o rumo das situações às avessas. O roteiro, com isso, fundamenta-se num estilo storytelling em que sempre aparenta ser uma fábula contada a respeito das virtudes humanas e de como elas são essenciais para o bom convívio. Jesus é um de nós, diferindo-se não por ser o primogênito, mas por acreditar e insistir sempre numa nova chance, no novo homem que renasce após o erro, estendendo a mão que afaga, e não a que julga, sendo um exemplo para a humanidade. O Messias que vemos está longe de ser um mártir ou divindade: ele é unicamente um homem com bons valores e que promove boas ações. 

O Messias (Il Messia, França, Itália, 1975)
Direção: Roberto Rossellini
Roteiro: Roberto Rossellini
Elenco: Pier Maria Rossi, Mita Ungaro, Carlos de Carvalho, Fausto Di Bella, Vernon Dobtcheff, Antonella Fasano, Jean Martin, Toni Ucci, Vittorio Caprioli, Tina Aumont, Flora Carabella, Raouf Ben Amor, Luis Suárez, Hedi Zoughlami, Renato Montalbano, Raouf Ben Yaghlane, Fadhel Jaziri, Mark Lombardo, Moncef Ben Yahia, Antonio Carlucci, Ridha Missume, Mustapha Ferchiou, Abdellatif Hamrouni, Yatsugi Khelil, Abdelmajid Lakhal, Cosetta Pichetti
Duração: 135 min.

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