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Crítica | O Mistério dos Sete Relógios, de Agatha Christie

por Luiz Santiago
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Sabe aqueles livros que você muda de opinião sobre ele apenas quando está na reta final? Pois bem, esse foi o meu caso com O Mistério dos Sete Relógios. Por se tratar de (mais uma) trama de espionagem da autora em sua primeira década de carreira, e por eu ter saído pouco antes da leitura de Os Quatro Grandes, tive um começo um tantinho blasé em relação ao enredo. Aos poucos, porém, fui me afeiçoando aos personagens, fui gostando do bom humor da história e da forma como algumas figurinhas vindas do fraco O Segredo de Chimneys retornaram aqui de maneira muito mais interessante.

Tudo começa com uma brincadeira de grupo de amigos, que compram oito despertadores para acordar um colega que só saía da cama muito tarde. Como era de se esperar, isso não termina bem, e já largamos com dois assassinatos iniciais e uma investigação que nos faz conhecer uma sociedade secreta chamada Seven Dials. O clima não difere de outras tramas de espionagem de Agatha Christie, mas é curioso notar como ela direcionou o lado político aqui, sabendo ligar essa veia mais séria ao grupo de jovens que forma o núcleo do livro. Como disse antes, aqui temos o retorno de diversos nomes que conhecemos na propriedade de Chimneys, como Lady Eileen “Bundle” Brent; o hilário Lord Caterham, um homem que só quer ser deixado em paz; Bill Eversleigh, George Lomax, Tredwelle e o Superintendente Battle.

Com os assassinatos para se resolver e uma jovem teimosa e com veia de investigadora como Bundle se metendo onde não deve, o texto avança para os perigos de uma presença amadora no meio de caça a um bandido extremamente perigoso. Eu disse que comecei um tanto indiferente ao livro e que rapidamente foi retirado desse indiferença para estar completamente imerso na obra. Isso acontece porque os personagens aqui são todos interessantes, cada um guarda uma aura de mistério que é impossível ignorar, principalmente porque está claro que eles se enfrentarão ou agirão juntos a partir de determinado ponto da narrativa.

O desânimo, todavia, voltou a me pegar mais para o meio do livro. Desse momento em diante imaginei que classificaria a obra como “apenas boa“, pois não esperava que nada de verdadeiramente marcante ou interessante poderia acontecer a seguir. Nesse miolo, vemos Agatha Christie dando corda para que o criminoso faça coisas que nos deem pistas, mas não chegamos a nenhuma conclusão efetiva. Muito lentamente o livro vai saindo de um ambiente pouco animador e passa para ações rápidas já na reta final, onde a autora reflete sobre a ligação entre Estado, conspirações internacionais e a importância de certas iniciativas secretas e leais ao país. É um final gostoso de se acompanhar porque as surpresas são grandes e uma mais interessante que a outra, fazendo jus a tudo aquilo que a autora construíra antes e que nós não atentamos para os indícios.

O Mistério dos Sete Relógios pode ser visto como um filme sobre maturidade, em diversos sentidos. Isso aparece no bloco intelectual/ideológico, através de vários diálogos políticos e também nas alfinetadas que a autora dá, indicando que os jovens não se interessam por política ou por coisas que exijam muita leitura. Aparece na vida de Bundle, que aprende e reconsidera uma porção de coisas sobre si e sobre o mundo. E aparece como comentário sociológico também, talvez até metalinguístico, já que constantemente há brincadeiras sobre os exageros e as coincidências aqui serem “coisas que só existem em livros“, enquanto na verdade a autora está nos nos convidando a pensar diferente sobre a forma de construir um mistério e sobre o mundo do crime organizado internacional, principalmente de caráter político. Um livro que fechou muito bem a primeira década de trabalho da Rainha do Crime. E que nos ensinou que acordar muito tarde pode ser um perigo mortal.

O Mistério dos Sete Relógios (The Seven Dials Mystery) — Reino Unido, 24 de janeiro de 1929
Autora: Agatha Christie
Publicação original: William Collins & Sons
Edição lida para esta crítica: L&PM Pocket  (2013)
Tradução: Otávio Albuquerque
288 páginas

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