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Crítica | O Mundo de Kanako

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

Podemos dizer com certeza que conhecemos uma pessoa profundamente? Até que ponto somente não enxergamos o que ela quer nos mostrar? O mais novo trabalho do diretor Tetsuya Nakashima, premiado no Japão por obras como Kokuhaku, aborda tal questão, trazendo à tona toda a monstruosidade que guardamos dentro de nós mesmos. O Mundo de Kanako é um filme visceral, inesperado, violento e, sob determinados aspectos, surreal.

Kôji Yakusho (Akikazu Fujishima) é um detetive aposentado que, após descobrir que sua filha desapareceu, parte em uma incessante busca pela garota. Logo, porém, descobre que ela não é a menina de ouro que sua ex-esposa a considerava, encontrando drogas injetáveis em seu quarto. Kôji, então, passa por uma jornada de conhecimento sobre sua própria filha e, aos poucos, descobre que ela esconde segredos tão distorcidos quanto o próprio pai. Ao mesmo tempo inúmeros outros jogadores entram no campo, também em busca de Kanako. Estes não só envolvem a polícia, como clãs da Yakuza, com quem a menina se relacionava.

Intercalando essa narrativa passada em 2013, temos uma outra que se desenrola dois anos antes. Nesta acompanhamos um estudante apaixonado pela garota posteriormente desaparecida. Essa paixão, contudo, o leva para um caminho desesperador, que, aos poucos, revela a real natureza da jovem.

Nakashima, portanto, une essas duas narrativas de forma orgânica, sem quebrar o ritmo, ao passo que ambas desempenham o mesmo papel de nos mostrar quem Kanako é de verdade. O passado e o presente se misturam perfeitamente, mas sem nos confundir em qualquer ponto. Para isso, a fotografia de Shôichi Atô, utiliza filtros que dão uma aparência nebulosa para as sequências no passado, claramente diferenciando daquelas focadas no detetive. Realizando essas transições temos uma montagem, a princípio, frenética, que encadeia os planos com cortes a cada três segundos, introduzindo um fluxo mais comum a trailers, mas que, surpreendentemente, se encaixa com a obra em questão. Aos poucos, porém, os planos se tornam mais longos, contrastando perfeitamente com a loucura que se instaura.

Ainda no lado técnico, temos um claro deslize, no início, na arte, que utiliza alguns planos em animação que simplesmente não se encaixam na obra àquele instante. O mesmo recurso é, posteriormente, retomado para ilustrar o uso de drogas, mas, nesse caso, não gera grande estranhamento no espectador, que percebe isso como recurso efetivo da trama.

O ponto forte do longa-metragem é centrado na atuação de Akikazu Fujishima. Talvez mais conhecido, no ocidente, pelo seu breve trabalho em Babel, como o pai da estudante japonesa, o ator empresta uma notável profundidade ao seu personagem. Ele não é apenas louco ou determinado a encontrar sua filha. Trata-se de alguém realmente problemático, mas que demonstra uma grande gradação em suas ações, que vai da simpatia à violência. Graças a tal representação do protagonista, temos um alto grau de imprevisibilidade na obra, que se mantém do princípio ao fim e vai atingindo um grau maior de loucura ao passo que adentramos nesse mundo de Kanako.

É difícil dizer o ponto específico, pois a narrativa é bastante fluida, mas o longa passa de um filme investigativo para um perturbador retrato da violência, nos trazendo um olhar visceral sobre as drogas e o aparente baixo valor da vida humana. Algumas pessoas são simplesmente más e a projeção consegue construir essa imagem distorcida com perfeição através de seus momentos sombriamente caricatos. Não é algo simples de ser assistido e requer convicção para se chegar até o fim, nos deixando com um notável gosto ruim na boca.

Por outro lado, temos um ponto que prejudica nossa atenção quando beiramos o fim da obra. Esta é a sua duração. O Mundo de Kanako sofre com o clássico problema de não saber quando terminar, estendendo-se demasiadamente e, consequentemente, perdendo seu impacto final. Os últimos minutos do filme são arrastados e desnecessários, nos trazendo uma resolução desnecessária – eis uma história que se beneficiaria de um encerramento mais aberto.

Não devemos, contudo, deixar de assistir ao longa por tal razão. O Mundo de Kanako é diferente de quase tudo que vemos por aí, conseguindo nos engajar a cada cena ao mesmo tempo que nos deixa em completo desconforto. Esteja preparado antes de ver, mas não perca essa experiência.

O Mundo de Kanako (Kawaki – Japão, 2014)
Direção:
 Tetsuya Nakashima
Roteiro: Tetsuya Nakashima, Miako Tadano, Nobuhiro Monma (baseado no livro de Akio Fukamachi)
Elenco: Kôji Yakusho, Nana Komatsu, Satoshi Tsumabuki, Jô Odagiri, Fumi Nikaidô, Ai Hashimoto, Jun Kunimura, Hiroya Shimizu
Duração: 118 min.

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