Home LiteraturaBiografia/Diário/Crônica Crítica | O Novo Agora, de Marcelo Rubens Paiva

Crítica | O Novo Agora, de Marcelo Rubens Paiva

Uma celebração da vida.

por Ritter Fan
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Depois de, em 1982, contar o que passou no ano seguinte ao acidente que o deixou tetraplégico no clássico moderno brasileiro Feliz Ano Velho, e de, em 2015, homenagear as lutas de sua mãe para obter o reconhecimento das atrocidades cometidas contra seu pai pela ditadura militar e contra o Alzheimer em Ainda Estou Aqui, cuja celebrada adaptação cinematográfica finalmente deu o Oscar de Melhor Filme Internacional ao Brasil, Marcelo Rubens Paiva retorna à autobiografia para falar do período de 10 anos a partir de 2014 quando ele, já com 55 anos, teve seu primeiro filho. Trata-se de uma obra que celebra a paternidade e que a cada página deixa fluir copiosa quantidade de felicidade e orgulho pela família que ele construiu, imediatamente contaminando os leitores de júbilo e outros sentimentos positivos exacerbados.

Não é, porém, uma biografia que esquece do passado, como não deveria mesmo esquecer. De sua peculiar maneira de contar histórias, com o uso de narrativa não-linear que fala de um assunto, pula para outro aparentemente desconexo, somente para então retornar ao que estava discutindo, Marcelo, sempre que pode, relembra seu pai, o avô que seus filhos nunca verão, deixando-o sempre presente, mas nunca de maneira intrusiva ou cansativa, deixando evidente que a paternidade que lhe foi roubada de certa forma ganha um alento por sua própria paternidade. É como um fantasma bom do passado que alimenta e informa sua vida e a de seus filhos, sempre chamados somente por uma pluralidade de apelidos – Paivinha para os dois, Loirinho e Loro para o mais velho e Moreninho, Moreno e, a pedido dele próprio por um tempo, Marte para o mais novo – que, juntamente com seu esforço para não mencionar o nome da mãe deles (imagino que por questões de privacidade), colorem as descrições do cotidiano de sua família.

Mas O Novo Agora não esquece também do presente, das nuvens carregadas que pairaram sobre o Brasil e sobre o mundo, seja a radicalização opinativa online, a pandemia e, claro, o governo Bolsonaro, seja a separação e divórcio de sua esposa e mãe de seus filhos. E, claro, sua condição de cadeirante com limitações sérias nunca sai de vista, mas, assim como em sua estreia na literatura, é impressionante como o autor lida com isso da maneira mais natural do mundo, tirando aquele peso natural de sua tetraplegia da mente dos leitores e lidando com o seu dia-a-dia como se fosse a coisa mais comum do mundo (e é, pelo menos para ele e outros como ele, claro), com sua cadeira de rodas elétrica e as baterias piscantes que encantam as crianças pequenas, seu furgão customizado e até mesmo quando ele efetivamente fala dos problemas, como quando caiu da cadeira e precisou da ajuda do filho pequeno para se levantar e assim por diante.

Quando Marcelo se concentra na paternidade e em tudo o que ela significa para ele, seja positiva ou negativamente, seja conectando com o passado ou com o presente e o futuro, sua biografia ganha uma luz e um propósito que, talvez naturalmente, esvanece nos momentos em que ele desvia sua narrativa para seus comentários de cunho fortemente político. E isso não sou eu dizendo que o livro não deveria ser político. Ao contrário, era inevitável que ele fosse e eu dou boas-vindas a essa abordagem como foi no caso tanto de Feliz Ano Velho, ainda que ali o foco fosse menos direcionado, quanto em Ainda Estou Aqui, que mira constantemente na política. Em O Novo Agora, porém, tenho para mim que o caráter de legado de um pai afortunado com sua paternidade que a obra tem acabou levando Marcelo a tratar os elementos mais diretamente políticos de maneira muito simplista e rasa, sem unhas e dentes, por assim dizer. Sim, ele sem dúvida deixa muito clara sua posição sobre aquilo que viveu, mas seus comentários soam mais como lamentos e choramingos de alguém publicando algo em redes sociais do que algo que enriqueça de verdade seu livro. E repito aqui: eu entendo e, mais do que isso, festejo o foco de sua biografia em seus filhos e nas aventuras de ser pai, mas isso talvez tenha levado Marcelo a “pegar leve” naquilo que não exatamente está umbilicalmente relacionado com isso.

No entanto, O Novo Agora é, como as duas outras citadas biografias, uma delícia de leitura, uma que faz o leitor sorrir com facilidade mesmo nos momentos mais sombrios. Marcelo Rubens Paiva deixa um presente valioso a seus filhos e uma lição de vida a seus  leitores. E, no final das contas, é isso que interessa de verdade. Quem sabe um dia Loro e/ou Moreno não fazem o mesmo por seu velho pai, não é mesmo?

O Novo Agora (Brasil, 2025)
Autoria: Marcelo Rubens Paiva
Editora: Editora Alfaguara
Data original de publicação: 22 de abril de 2025
Páginas: 272

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