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Crítica | O Óleo de Lorenzo

A saga de um casal em busca da salvação de seu filho.

por Leonardo Campos
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Pesquisar é um ato de cidadania e no desenvolvimento do drama O Óleo de Lorenzo, essa afirmação é delineada pelo projeto empreendido por personagens que precisam sair de suas zonas habituais de ação, para atuar em algo novo, raríssimo, situação desafiadora que é aceita por estes heróis que tem como propósito, salvar uma vida. E neste processo de heroísmo, eles não estão lidando com uma vida qualquer. Aqui, é necessário agir com cautela, olhar todo e qualquer fenômenos nas entrelinhas, ter paciência a cada espera pelas respostas nas longas etapas, em suma, uma representação fidedigna da postura de um projeto de pesquisa científico que cada vez mais sabemos não ser parte de um núcleo isolado da sociedade, isto é, os pesquisadores institucionalizados, mas algo que deve acompanhar os cidadãos desde a sua vida estudantil básica.

No filme, podemos observar como os realizadores mesclam quatro modalidades de pesquisa para sustentar os conflitos dramáticos apresentados pela história. O estabelecimento dos pilares daquilo que será pesquisado (pesquisa exploratória), a busca por fontes para coleta de teorias e dados (pesquisa bibliográfica), a manipulação direta dos experimentos que são alvo dos estudos (pesquisa experimental) e a exploração dos elementos que compõem a causa estudada (pesquisa explicativa). A dinâmica dramática em O Óleo de Lorenzo gira em torno do próprio personagem que intitula o filme, Lorenzo (Zack Greenberg), filho da família Odone, composta por Augusto (Nick Nolte) e Michaela (Susan Sarandon). Enquanto o pai é um economista, a mãe se mantém como dona de casa, ambos desafiados para sempre em suas vidas, após descobrirem as questões que acometem o filho ainda pequeno, travessia dolorosa que será de muito aprendizado para todos, em especial, para os espectadores, introduzidos numa meticulosa aula de metodologia da pesquisa científica.

Sob a direção de George Miller, cineasta que assume o roteiro que também construiu, numa parceria com o dramaturgo Nick Enright, acompanhamos a história desse núcleo familiar abalado pela descoberta de algo inesperado: acometido pelo ALD, Lorenzo sofre de Adrenoleucodistrofia, uma doença genética raríssima, sem cura, caracterizada pelo processo de degeneração progressiva do cérebro, responsável por fazer a pessoa adoecida sofrer de deficiência metabólica dos ácidos graxos. Atordoados com o cenário apresentado, os pais se unificam para buscar mecanismos terapêuticos que detenha esta anomalia. Depois de muita insistência, chegam ao óleo que nomeia o filme, um recurso que pode conter o avanço da patologia e nesta diminuição dos impactos no organismo de Lorenzo, permitir que o garoto tenha uma vida mais longa que o ditado pelos médicos, profissionais desenganados logo de cara, sem acreditar na possibilidade de reversão de tal problema.

Em seu discurso cinematográfico, o filme flerta com o didatismo das situações, além de ser uma narrativa para os diletantes interessados em produções de alta carga dramática. A empreitada, por sua vez, não é nada fácil. Primeiro, eles precisam de uma hipótese, algo que fica claro de onde foi retirado, exatamente no momento que pais tentam desvendar a doença do garoto, face ao diagnóstico inicial taxativo dos médicos. Talvez, se tivessem aderido aos conselhos fornecidos pelos profissionais em questão, não teriam obtido êxito algum no empreendimento científico realizado com base em muita análise, observação de dados, investimento em pesquisa tradicional numa era prévia ao advento da popularização da esfera virtual, bem como muita experimentação.

Augusto e Michaela possuem objetivos bem delineados: a busca por um tratamento que seja eficaz, tendo em vista reprimir o problema apresentado. Sem manobras ousadas, o roteiro segue um direcionamento linear das coisas, apresenta os avanços e os retrocessos e trabalha os conflitos em torno do “grande problema de pesquisa” do casal: instigados pela dúvida, representada simbolicamente pelo sinal gráfico interrogativo, os dois questionam os motivos por detrás da elevação dos níveis de ácidos graxos de cadeia longa no organismo de Lorenzo, afinal, tinham criado uma dieta alimentar especial, privada de lipídeos. O que fazer? Essa pergunta norteadora simples vai direcionar os dois personagens que observam, formulam, testam, refutam hipóteses, para posteriormente, retomá-las, experimentam, dialogam com os pares, etc. Sem a autoridade legítima de cientistas, algo geralmente associado a pessoas institucionalizadas, o casal Odone ousa ao questionar o discurso científico pré-estabelecido.

E, nesse contorno, encontram respostas que nos mostram que mesmo sendo um trabalho realizado dentro de uma lógica objetiva, a pesquisa é uma ação que parte dos seres humanos envolvidos nestas histórias, indivíduos que podem não ter conseguido enxergar todos os pormenores de um fenômeno, geralmente associados com uma teoria pronta, não questionada, mas com margem para outros olhares além daquilo que está definido à primeira vista. Interessante observar também que O Óleo de Lorenzo retrata detalhadamente o processo que constitui a organização das informações numa pesquisa, pois ao passo que os personagens visitam bibliotecas, destacam 17 artigos científicos e participam de simpósios  e outros tipos de interação que foca na troca de dados analisados, a narrativa se torna uma representação cabal da postura científica desejável aos pesquisadores que pretendem estabelecer em suas práticas, um trabalho metodologicamente adequado.

Ao longo de seus 129 minutos, extensos se olhados pelo viés do entretenimento, algo que torna a narrativa um pouco arrastada e com trechos que poderiam ser suprimidos em prol da estrutura mais dinâmica, O Óleo de Lorenzo concebe um material cinematográfico cuidadoso, com design de produção de Kristi Zea, eficiente ao criar no espaço doméstico, um ambiente acolhedor e ao mesmo tempo evolutivo, pois transforma-se do padrão casa para ser praticamente uma unidade hospitalar domiciliar. Na direção de fotografia, John Seale constrói planos que se movimentam e enquadram os personagens dentro dos ditames da burocracia audiovisual, com quadros fechados para momentos de maior tensão dramática dos personagens em seus próprios conflitos ou numa acirrada discussão em busca de um ponto de vista, mas também concebe alguns trechos em que há excelência na criatividade, ao distorcer passagens por meio de angulações que nos permitem sentir, do lado de cá, as frustrações sofridas pela dupla de protagonistas que se entrega de corpo e alma para salvar a vida do filho e, consequentemente, permitir que outras vidas sejam salvas com as descobertas de seus experimentos científicos.

O Óleo de Lorenzo (Lorenzo’s Oil, EUA – 1992)Direção: George MillerRoteiro: George Miller, Nick EnrightElenco: Susan Sarandon, Nick Nolte, Zack o’Malley Greenburg, Aaron Jackson, Peter Ustinov, Kathleen Wilhoite, Gerry Bamman, Margo Martindale, James Rebhorn, Ann Hearn, Maduka SteadyDuração: 130 minutos

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