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Crítica | O Padrasto (1987)

Um eficiente suspense policial próximo do slasher, com desenvolvimento dinâmico e roteiro envolvente.

por Leonardo Campos
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Uma reflexão sobre violência e aparências no bojo das famílias estadunidenses aparentemente perfeitas. Assim é O Padrasto, produção de 1987 ofuscada pelo lançamento fraco aqui no Brasil, trama eficiente que trabalha de maneira assertiva a proposta a que se propõe. Sob a direção de Joseph Ruben, o filme se destaca como uma narrativa instigante que, desde os seus primeiros minutos, provoca o espectador a confrontar a dualidade da natureza humana. A apresentação inicial do personagem Jerry Blake, inteligentemente interpretado por Terry O’Quinn, revela não apenas sua índole sombria, mas também a futilidade das aparências que circundam a vida familiar. O filme abre com uma cena perturbadora: Jerry, com características físicas que evocam um psicopata, aparece se lavando de uma quantidade considerável de sangue, após cometer um ato brutal. Essa sequência é rapidamente seguida pela transformação de Jerry em um pai de família comum, vestido de maneira respeitável e com ares de normalidade. Este contraste, evidenciado através das marcas de sangue nas paredes e a cena chocante dos corpos espalhados pela sala, oferece um vislumbre inquietante da vida sob a superfície de um cotidiano aparentemente normal. A escolha estética do filme, combinada com essa dualidade de Jerry, situa a narrativa em um território que oscila entre o horror e o drama, estabelecendo as bases para uma obra que, mesmo décadas após seu lançamento, ainda ressoa com relevância.

A trama se complica ainda mais quando Jerry assume uma nova identidade ao se integrar à família de Susan (Shelley Hack) e sua enteada Stephanie (Jill Schoelen). Enquanto Susan simboliza a confiança e a esperança em uma nova vida, Stephanie representa a desconfiança e o luto não resolvido pela figura paterna que perdeu. A dinâmica entre as personagens revela a luta interna de Jerry para manter sua fachada de pai ideal, enquanto seu passado obscuro ameaça se manifestar. O ato de Stephanie investigar o passado de seu padrasto é um elemento crucial no desenvolvimento da narrativa, intensificando a tensão que permeia o ambiente familiar. A transformação gradual de Jerry, que revela seu lado psicopata através de comportamentos cada vez mais violentos, vai sendo construída gradualmente, num cálculo acertado de tensão pelos realizadores. Essa dualidade é emblemática não apenas da história de Jerry, mas também de um fenômeno social que, muitas vezes, é ignorado: a facilidade com que os agressores se inserem em contextos familiares sem que sua verdadeira identidade seja percebida.

O Padrasto se baseia na novela homônima de Brian Garfield, que em si se inspira no caso verídico de John List, um dos mais infames assassinos da década de setenta. A tradução cinematográfica, desenvolvida pela dupla formada por Carolyn Lefcourt e Donald E. Westlake, estabelece uma narrativa que é ao mesmo tempo um suspense psicológico e uma crítica a normas sociais em relação à violência doméstica. Em seu desenvolvimento estético, moldado especialmente pela direção de fotografia de John Lindley e pela trilha sonora de Patrick Moraz, cria um ambiente que reflete uma melancólica sobriedade, nos coloca diante de assertivas panorâmicas de casas idênticas em um subúrbio vazio sugerem um ideal de vida familiar que, na verdade, está imune à tragédia, ao passo que a música subjacente contribui para a atmosfera de tensão e perigo iminente. É por meio desta construção estética simples, mas eficaz, que a produção enfatiza a experiência emocional dos espectadores, criando uma conexão visceral com o que está em jogo.

Ademais, visto numa perspectiva contemporânea, O Padrasto ainda ecoa de forma poderosa nas discussões sobre violência doméstica. O filme representa uma alegoria da realidade em que muitos ainda vivem, trazendo à luz as mazelas que, embora frequentemente invisíveis, são devastadoras. O retrato de um homem que se apresenta como o pilar da família, mas que na verdade é um predador, reflete a frequência alarmante com que as tragédias relacionadas a agressores masculinos, muitas vezes moldados por toxidade e machismo, dominam as manchetes noticiosas. A narrativa, desta maneira, além de funcionar como entretenimento, se transforma em uma crítica social que desafia a percepção de normalidade que muitas famílias tentam manter, enquanto sutilmente oculta suas próprias dinâmicas de poder e opressão. Esta continuidade de relevância é evidenciada pelo sucesso do filme, que gerou duas continuações e uma refilmagem mais morna em 2009, reafirmando que a história, embora em um novo cenário, mantém sua capacidade de provocar reflexão e debate.

A figura do padrasto no filme funciona como um símbolo que pode ser interpretado de várias maneiras. Por um lado, ele representa a possibilidade de nova esperança e união familiar para aqueles que perderam um ente querido; por outro, ele encarna o medo do desconhecido e a perda da segurança. A relação entre Susan e Jerry pode ser vista como uma metáfora para a adoção e os desafios de reintegração que muitas famílias enfrentam. A ambiguidade moral de Jerry, que é apresentado como uma figura parental conveniente, questiona as noções de paternidade, lealdade e a complexidade das relações familiares. Ao final, O Padrasto não é apenas um filme de terror; é uma investigação profunda sobre a dinâmica familiar e os medos que muitas vezes permanecem ocultos sob a superfície de um sorriso cordial. O impacto duradouro do filme se dá não apenas pela escolha de um antagonista memorável, mas pela maneira como ele provoca respostas emocionais que vão além do susto, convidando o espectador a refletir sobre as relações que definem nossas vidas.

Antes de encerrarmos, você conhece a história deste psicopata? John List foi um pai de família estadunidense que parecia ter uma vida feliz com sua família em Westfield, Nova Jersey. Ele ganhava um bom salário como contabilista. O que ninguém sabia era que ele estava muito frustrado por não ser capaz de controlar a sua família, especialmente sua filha, Patty. Ele estava tão desesperado que ele decidiu matar não apenas seus três filhos, mas também sua mãe e esposa, planejando cuidadosamente os assassinatos. Anunciado para todo mundo que eles iriam para a Carolina do Norte por algumas semanas. Então, em novembro de 1971, matou a sua esposa e mãe, quando os filhos estavam na escola e, em seguida, matou seus filhos, um por um, como eles voltaram da escola e de outras atividades. Em seguida, foi para o aeroporto e pegou um voo para um aeroporto no Colorado, sem que ninguém tivesse percebido o que tinha acontecido. Um mês se passou até que as autoridades descobriram os corpos de sua família e todo mundo pensou que eles estavam de férias. Eles tentaram encontrar John List, mas ele tinha desaparecido. Assim, foi para o Colorado, onde começou a ser chamado de “Bob Clark”. Ao se casar mais uma vez, se tornou altamente respeitado, se comportando como um exímio voluntário para vários serviços na comunidade. Ele então se mudou com sua esposa para a Virgínia, onde ele também era muito respeitado. Em 1989, por sua vez, a sua sanha foi pausada. Um documentário exibido na televisão sobre os assassinatos de John List, ao ser apresentado, foi assistido por uma senhora que o reconheceu. Ela percebeu que seu vizinho não era o respeitado Bob Clark, mas o assassino John List. Logo mais, chamou as autoridades que prenderam John List, condenado a passar o resto da vida na prisão, onde morreu em 2008.

Uma história mais aterrorizante que a própria trama que a toma como inspiração, não é mesmo?

O Padrasto (The Stepfather/EUA, 1987)
Direção: Joseph Ruben
Roteiro: Carolyn Lefcourt, Brian Garfield
Elenco: Terry O’Quinn, Jill Schoelen, Shelley Hack, Charles Lanyer, Stephen Shellen, Stephen E. Miller, Robyn Stevan
Duração: 89 min.

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