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Crítica | O Padre (1994)

Um padre entre o celibato e o desejo da carne.

por Leonardo Campos
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Blasfêmia! Desrespeito! Absurdo! Essas foram algumas colocações expostas por alguns espectadores revoltados nas exibições de O Padre, drama de 1994, produção voltada para as desilusões de um representante da fé católica, decepcionado diante da hipocrisia deste segmento religioso expandido pelo mundo e atualmente menos dominante do que já foi no passado. Sob a direção de Antonia Bird e escrito por Jimmy McGovern, o filme nos faz acompanhar o padre Greg (Linus Roache), enviado para uma paróquia de Liverpool, região onde as pessoas seguem cabalmente os mandamentos da igreja e vivem como se qualquer ação fosse parte de um rígido manual de regras previamente estabelecidas, isto é, uma existência que gravita em torno de medos, inseguranças, dominância masculina e opacidade da liberdade de expressão. Com um desfecho altamente simbólico, isto é, a famosa cena da entrega da hóstia por dois padres, um com a fila enorme e o outro com apenas uma seguidora, este drama reflete, num interessante jogo de imagens organizados pela eficiente edição de Susan Spivney, com vários momentos de montagem paralela, a “hipocrisia nossa de cada dia”.

Contemplados pela direção de fotografia nebulosa de Fred Thomas e circundantes pelos espaços concebidos pelo design de produção de Raymond Langhorn, os personagens em O Padre vivem sob fortes códigos sociais representados até mesmo nas paletas opacas, no contraste entre luz e sombra, na ausência de qualquer pigmento que denote emoções. Esse ambiente que expõe uma existência aparentemente voltada para duas esferas sociais, isto é, a casa e a igreja, para alguns uma terceira opção, o trabalho, esconde segredos que põem em xeque as crenças do Padre Greg, homem que fica ainda mais indignado quando descobre que seu superior, o Padre Matthew (Tom Wilkinson), nem de longe segue as regras do celibato, motivação para a crise que fulmina no interior do jovem que cede aos desejos homossexuais pulsantes e vive uma tórrida paixão com Graham (Rober Carlyle), algo que lhe custará muito caro ao longo da narrativa.

Ao exercer o papel de ouvinte nas confissões, o padre ainda precisa guardar dentro de si a história de uma jovem de 14 anos, abusada sexualmente pelo pai, situação que explode a bomba relógio interna e mergulha Greg numa sequência de acontecimentos que mudam para sempre a sua trajetória. Ele é preso, pego pela polícia ao ser flagrado numa relação sexual dentro do carro de Graham, passagem por sinal muito poética, antecipação para o longo processo de julgamento, olhares de reprovação, numa espécie de vida que lembra bastante a protagonista do romance A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne. Com sua chaga social, o Padre Greg circula parece trafegar pela caminhada da vergonha pelas ruas locais, acompanhado pela composição musical de Andy Roberts, intensa na representação dos dramas vividos pelo personagem acuado.

Além desse debate sobre a homossexualidade nos confins de uma religião mais flexível hoje, no entanto, conhecida por sua violenta execução das regras no passado, O Padre ainda debate a relação das pessoas com as suas obrigações dentro de congregações. Isso é visto nas pessoas impacientes na missa, a olhar para o relógio o tempo inteiro, no homem que boceja, enfim, nos comportamentos que demonstram que muitos estão ali na ilusão de uma salvação que requer sacrifícios, tais como acompanhar sermões retrógrados e dissonantes da realidade cultural de uma sociedade cheia de avanços e outras ofertas de “alimento espiritual”. Entre emoções e sentimentos que se contrapõe aos comandantes que estão no poder em sua ordem religiosa, a narrativa irlandesa é um forte retrato da repressão não apenas social, mas dos desejos internos que mexem com o psicológico de qualquer ser humano distanciado das trevas medievais que há eras ocultaram as possibilidades de pensar a existência fora de “ditames supostamente sagrados”. Ademais, um drama exitoso em tratar com delicadeza temas tão profundos.

O Padre (Priest, Reino Unido – 1994)Direção: Antonia Bird
Roteiro: Jimmy McGovernElenco: Linus Roache, Tom Wilkinson, Robert Carlyle, Cathy Tyson, Christine Tremarco, Robert Pugh, Lesley SharpDuração: 105 min  / 98 min (EUA, Argentina)

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