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Crítica | O Parque Macabro (1962)

Um dos pioneiros do terror psicológico.

por Iann Jeliel
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O grande charme do terror psicológico e a base que faz um filme se encaixar nesse subgênero está em três fatores primordiais: a dúvida entre o real e o imaginário, a leitura temática gerada por esse “imaginário” e o tema refletido em subversão às convenções tradicionais do horror. Carnival of Souls – traduzido de maneira preguiçosa para O Parque Macabro, sendo que o enredo nem se passa num parque – foi um dos primeiros filmes a trazer essas características de forma homogênea, gerando tendências futuras. Claro, as características do terror psicológico existiam desde a década de cinquenta, como resposta e renovação do gênero dominado por monstros, mas a sua vertente mais forte surgiria na década de sessenta. Nesse contexto, O Parque Macabro é um dos precursores mais notáveis, pois antes mesmo da popularização do subgênero sobrenatural, cá estava o cineasta Herk Harvey reinterpretando seu fator assombroso, sem, no entanto, deixar de evidenciá-lo de maneira assustadora.

Nesse sentido, pode-se dizer que esse filme foi o pai de outras películas como O Sexto Sentido, Os Outros, dentre outras relacionadas a histórias de fantasmas que perseguem os protagonistas, assustando-os pelo natural medo deles sob o desconhecido, mas que tem motivações distantes de simplesmente apavorar gratuitamente porque são uma encarnação do mal. Intenções que se desenvolvem através do estado mental deste personagem principal, nesse caso, a organista Mary Henry (Candace Hilligoss), que no início do filme sofre um acidente de carro numa ponte, perde duas amigas importantes e sai da água sem se lembrar de nada. A experiência traumática é afirmada pela premissa que mudou sua cabeça, logo, a dúvida é implementada se aquelas assombrações em seus devaneios é criação da sua mente ou realmente existem com fundamento em relatos escutados por ela sobre um parque abandonado que ela passa em frente durante uma viagem.

Inclusive, após ter passado por aquele local, há a possibilidade de o trauma tê-la feito imaginar esses seres fantasmagóricos, em especial aquela figura masculina de cara branca (interpretada pelo próprio diretor e que o visual influenciou a criação dos populares zumbis de George A. Romero), perseguindo-a. No entanto, num primeiro momento, racionalmente o parque e o formato de trauma não têm relação aparente. Abre-se através dessas dúvidas uma espiral de possibilidades e leituras subjetivas para conectá-las, que vão se revelando tematicamente conforme o desenvolvimento dessa protagonista e suas reações aos fantasmas e à sociedade ao seu redor. Percebam como esse desenvolvimento é pautado mais em descobrir a personalidade da moça através dos outros do que exatamente em levá-la para frente (ou para trás, em flashbacks para descobrirmos quem ela é), seja num estado de superação ou cada vez mais da loucura.

Herk Harvey sutilmente emoldura uma figura feminina independente, correlacionando esse fato pouco a pouco com seu verdadeiro trauma, em que o sentimento de opressão sentimental vinha de uma culpa de não seguir certos “padrões” que lhe eram cobrados.  Ao analisar a concepção dos fantasmas, seu teor expressionista no olhar além de ser assustador, quando aparece do nada em tela (há pelo menos três ótimos jump scares no filme), traz uma forte impressão de julgamento, logo, numa perspectiva íntima: é como se eles fossem representações imagéticas do seu sentimento de sufocamento. Mesmo quando temos a revelação final e uma explicação mais racional – embora ainda metafísica – dos eventos sobrenaturais que lhe acompanham (exemplo: aqueles momentos que as pessoas ao seu redor ignoram sua presença, como se ela não existisse), o subtexto não perde força.

Especialmente porque os toques de surrealismo aplicados numa deturpação de imagem tipicamente retirada do expressionismo alemão em atmosfera onírica, tornam essas respostas finais ambíguas, abertas à interpretação. Não à toa, O Parque Macabro é uma das películas-base que David Lynch usou para moldar seu estilo no futuro. Percebe-se muita influência do cinema de Fritz Lang também na construção da tensão, conduzida por uma trilha sonora minimalista, basicamente composta pelos teclados de órgão, não coincidentemente fornecendo ótimos truques de diegese para bagunçar ainda mais o cenário incerto de “sonho ou realidade” que sustentam a narrativa. Apesar de curto e um tanto previsível (caso tenha visto boa parte das influências mencionadas), seu caráter enigmático é psicologicamente bem imersivo, numa experiência rica em leituras temáticas e subversões de convenções à frente do seu tempo.

O Parque Macabro (Carnival of Souls | EUA, 1962)
Direção: Herk Harvey
Roteiro: Herk Harvey, John Clifford
Elenco: Candace Hilligoss, Frances Feist, Sidney Berger, Art Ellison, Stan Levitt, Tom McGinnis, Forbes Caldwell, Dan Palmquis, Bill de Jarnette, Herk Harvey
Duração: 78 minutos

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