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Crítica | O Pequeno Scooby-Doo – A Série Completa

por Iann Jeliel
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“Pintou um mistério na cidade, é só chamarem esse cão… Scoobyyyyyy … O Pequeno Scooby-Doo, Scooby-Dooby-Doo, Scooby-Doo!”

Nota de Agradecimento: O cocriador de Scooby-Doo, Joe Ruby, faleceu aos 87 anos, três dias antes da data de publicação desta crítica (27-08-2020). Fica minha singela homenagem a essa lenda, responsável por alegrar a infância de muita gente, inclusive a minha. Descanse em paz!

  • .Leia, aqui, as críticas de todo nosso material de Scooby-Doo.

Scooby-Doo conseguiu criar uma nova essência duradoura que respeitasse as origens da fórmula que a marcou, dentro de uma unidade assumidamente mais infantil – bem infantil -, mas não menos inteligente. O Pequeno Scooby-Doo é não só um marco como uma saída inteligentíssima da problemática criada desde Scooby-Loo e agravada em 13 Fantasmas de Scooby-Doo, única das séries do desenho cancelada em sua primeira temporada. O objetivo dos criadores Joe Ruby e Ken Speaks era desde o início driblar as censuras ao desenho, uma batalha que começou desde a 2ª temporada de Cadê Você, que foi exponencialmente tornando a gráfica do desenho menos assustadora, leve, até o ponto de desvirtuar a verdadeira identidade do desenho: seus personagens. Quando isso foi perceptível, a solução não poderia ser mais simples e eficiente, tornar a turminha criança e colocá-las para resolver mistérios desde a infância libertaria o desenho para todo um universo de novas possibilidades, além de exigir uma nova dinâmica – que eles tanto queriam – dentro de uma coerência com a personalidade de cada um.

Aliás, essa liberdade parece ser aleatória, mas segue regras de linguagem muito bem calcadas num apelativo caráter expressionista que contrasta a artificialidade em algo palpável, graças ao timing convidativo ao público infantil para participar do processo imaginativo do universo. É fantástico como esse efeito surge das expressões onomatopeicas aliadas ao caráter elástico dos monstros. Os olhos esbugalhados soltando ou cabelos arrepiados maiores que o corpo dos personagens, que se transformam em miniaturas de “Boneca Russa” para mostrar o quanto estão assustados. O que automaticamente ensina à criança o senso de ameaça, aí o formato dos monstros, geralmente gigantes em tela, leva-a a pensar em algo não real, ainda que saiba que não é sobrenatural porque a estrutura do desenho diz que serão adultos disfarçados.

Aí entra a mágica, se o formato indica que não é real, mas o tamanho diz que não é uma pessoa (pela liberdade gráfica do desenho), logo, aquilo só pode ser imaginativo. Se formos mais a fundo, percebemos que todas as características peculiares do desenho podem ser muito bem vistas como aventuras imaginadas pela turminha, aventuras que são reais para eles, são reais àquele universo, mas essencialmente ainda fazem parte de uma grande brincadeira. É possível estabelecer essa ideia através de dois pilares principalmente, os dois personagens que mais fizeram falta nas séries anteriores a essa do desenho e que possivelmente ganharam suas melhores versões agora: Fred e Velma. Enquanto Fred representa o lado mais imaginativo – não à toa ele sempre fala em todo mistério que a culpa é dos Marcianos, ou “Homens Topeira”, ou alguma loucura parecida –, Velma é o lado mais racional – tanto que ela basicamente descobre o mistério sozinha e é também quem faz os planos de captura dos monstros.

“O culpado disso tudo só pode ser uma pessoa: O RUIVO HERING!”

Esses lados acabam virando grandes piadas sobre os arquétipos comumente conhecidos dos personagens, dentro de um grau de exagero deliciosamente ingênuo nas suas composições que alavanca a comédia por trás da dinâmica em níveis alarmantes e extremamente criativos. O Fred, por exemplo, nunca teve uma personalidade tão bem definida, ele era para ser aquele jogador de futebol americano, loiro e malhado, além de líder do grupo, mas sempre foi meio sem sal, e isso escondia o próprio estereótipo, então O Pequeno Scooby-Doo pega esse estereótipo e o exagera a nível de torná-lo um completo tapado, mas uma burrice que vem de uma grande ingenuidade, o que acaba se tornando uma grande piada, não só nos vários momentos em que ele inventa teorias da conspiração malucas, mas principalmente quando direciona a culpa de tudo para o valentão da escola, Ruivo Hering. É uma piada besta, mas que funciona todas as vezes – sério, sem exceção, eu morro de dar risada –, mesmo que se repita até mais de uma vez por episódio, porque é uma repetição que começa a formar uma nova essência.

“GENTE!”
“A Velma disse ‘GENTE!’, uhuuul, deve ser uma pista.”

Assim como Fred tem a piada do lado imaginário, Velma tem do lado inteligente, porque ela é tão, mas tão fora da curva nesse sentido que a série não perde a oportunidade de tornar aquele estereótipo de nerd em um excelente motivo para trabalhar novamente esse humor ingênuo, com tiradas simples, mas geniais, como o fato de ela sempre carregar um hipercomputador na malinha ou ter todo tipo de bugiganga por lá para fazer armadilhas, e principalmente a fisionomia da personagem, toda fofinha, mas autossuficiente que resolve tudo (inclusive, na briga – há um episódio em que ela derrota o fantasma samurai no karatê que é simplesmente épico). A Daphne fica no centro de Fred e Velma, ela tem o aspecto racional – uma das suas grandes piadas é falar que MONSTROS NÃO EXISTEM –, mas também o imaginativo principalmente na utópica premissa da quantidade de dinheiro que possui e com absurdo TOC de limpeza ou mimo – todas as piadas sobre isso são muito engraçadas –, e a mistura entre piada aos dois lados cria um deboche impagável e divertidíssimo à personagem.

E enquanto aos heróis do desenho? Eles se tornam justamente isso, heróis, Salsicha e Scooby sempre foram a alma da equipe e isso é a grande piada, embora não seja por vezes tão engraçada quanto às dos demais personagens. Os episódios mais fracos do desenho são os que envolvem suas versões como Comandante Frio e Melado (ou Cão Melado, Cão Coragem, a dublagem muda a cada capítulo), quando eles, literalmente, vestem o manto de heróis e brincam disso no meio da resolução do mistério. De qualquer forma, ainda são personagens incríveis e que carregam esse coração ainda mais gracioso pela versão infantil (o episódio em que Scooby vai embora e Salsicha com a equipe tenta ir buscá-lo no meio da cidade é de chorar). Com todos os personagens na nova dinâmica tão eficiente quanto, as outras novas ideias que não tinham funcionado antes, naturalmente se encaixam no universo.

Como o senso de continuidade que se mantém episódico, não há mistérios conectados, mas todos os eventos se passam na mesma cidade, “Friolândia”,  e compartilham de uma gama de personagens que sempre está na rotina com a turminha, seja Ruivo Hering, ou as famílias de cada um que aparecem recorrentemente para passar essa sensação de aventura num quintal. E nesse microespaço, os personagens podem ter a fama, e dentro de uma lógica de brincadeira se denominarem uma agência de detetives, com a desculpa sensacional de serem contratados por serem baratos. Isso permite adereço de até inserções metalinguísticas pontuais como novas fontes de piada, como é o caso do apresentador do jornal que interrompe frequentemente as cenas para fazer comentários inusitados muito pertinentes, algo que vai além a partir da segunda temporada, que faz piada até com a protocolar inserção de músicas divertidinhas para animar as crianças que sempre são colocadas num mesmíssimo momento.

Infelizmente, como toda série de Scooby, a nova formulação cansa em um determinado momento criativamente na sequência dos anos, e as duas temporadas finais são a prova disso, cada uma tem apenas 3 episódios – com direito a um de cada ser dividido em curtas -, bem abaixo da média dos outros episódios (salvo a de um desses curtas, possivelmente o melhor episódio da série, não vou falar o porquê para não estragar). Contudo, é uma defasagem muito curta e insignificante (porque ainda é bom) perto de todos os vários capítulos apaixonantes – até hoje – dessa quase nova, particular e temporária essência, que certamente fez parte da infância de muita gente.

O Pequeno Scooby-Doo (A Pup Named Scooby-Doo | EUA, 1988-1991)
Showrunner:
Tom Ruegger (Baseado na criação de Joe Ruby e Ken Speaks)
Principais Diretores: Don Lusk, Ray Patterson,  Paul Sommer, Arthur Davis, Oscar Dufau, Bob Goe, Carl Urbano, William Hanna
Principais Roteiristas: Laren Bright, Evelyn Gabai, Mary Jo Ludin, Bill Matheny, Lane Raichert, Tom Ruegger, Jim Ryan, David Schwartz
Elenco (Dublagem Original): Casey Kasem, Don Messick, Kellie Martin, Carl Steven, Christina Lange, Scott Menville, Mark L. Taylor, Dick Gautier, Kenneth Mars
Elenco (Dublagem Brasileira): Orlando Drummond, Mário Monjardim, Orlando Prado, Mário Jorge Andrade, Cleonir dos Santos, Mônica Rossi, Juraciara Diácovo, Carmen Sheila, Nair Amorim, Nizo Neto
Duração: 4 temporadas – 27 episódios (13 na 1ª temporada; 8 na 2ª temporada; 3 na 3ª e 4ª temporadas)

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