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Crítica | O Pergaminho Vermelho

por Davi Lima
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Muito se associa os longa-metragens de animação quase que exclusivamente ao público infantil, e por vezes há uma noção criativa voltada a esse público por fins de comercialização nos cinemas, ou distribuição das obras. Isso pode ser identificado no filme O Pergaminho Vermelho, dirigido por Nelson Botter Jr., pregado especialmente na moral do filme e nos quesitos verbalizados através do roteiro. Toda a jornada fantasiosa da protagonista Nina sobre a busca de aprender a ter responsabilidade sustenta-se em seus moldes voltados para o público infantil mediante a representatividade da personagem na idade da pré-adolescência. O que de fato problematiza esse filme é o que ele traz nos âmbitos mitológicos de sua narrativa em relação ao conceito artístico animado para reproduzir a aventura de Nina no mundo mágico de Tellurian. Em uma jornada da escolhida não se depende de uma construção de universo, é necessário uma boa dramatização.

A escolha artística visual é uma animação com perspectiva 2D com traços digitais que emulam maior profundidade, permitindo haver cenas mais elaboradas na construção de uma floresta bem renderizada e mais provocativa em imersão, do mesmo jeito a construção de Tellurian, o reino em que boa parte do filme se passa. Nesse sentido a arte conceitual busca contar uma história até mais implícita, contemporânea e nacional. Quando Nina se vê interagindo com a floresta, ela usa um celular para tirar fotos, assim como lê mensagens no seu smartphone de maneira interativa na tela ou na dublagem. O celular é algo presente no filme, situando bem o presente e contribuindo para que o drama da personagem seja bem associado ao público. Da mesma forma a construção da natureza no filme remete a noções brasileiras, que se não óbvias, ao menos na representação de animais, ou em referências a cultura nacional.

Logo, constrói-se com esse 2D de contextualizações digitais como o cenário que diferencia o filme, e isso também ocorre para narrativas mais diretas, como o uso de slow-motion e alguns efeitos visuais para construir cenas gamificadas como jogo de plataforma em que a imagem se torna longitudinal e os personagens se movem frontalmente na lateral. Ou seja, muito se modela nessa animação , muito se fomenta criatividade na imagem, mas pouco se revela sobre a história que se quer contar sobre a Nina, em todo o drama sobre aprender a ter mais responsabilidade e a crescer.

Diante da clássica história do Escolhido imagina-se que a animação seja suficiente para suprir algo que tanto o público infantil quanto o adulto anseia: a imprevisibilidade. O caso de O Pergaminho Vermelho é problemático pois o caminho de heroicização da protagonista, dentro de um molde de roteiro, anseia por auto consciência em diálogos cheios de referências, como um personagem semelhante a um elfo ser chamado de Mestre Yoda, ou quando o termo Escolhido é dito e a protagonista coloca em xeque a tal palavra, pois isso remete a Frodo. A busca de quebrar a imersão como motivo cômico, ou de evitar uma certa responsabilidade com a estranheza dentro da aventura de Nina, à la Alice no País das Maravilhas, revela uma sabedoria criativa ao desestruturar o molde que o filme estabelece da Jornada do Herói. Porém isso se torna incoerente quando soam apenas como suspiros, com a narrativa voltando-se para o molde como princípio dramático. 

Para complementar essa linha de incoerência, existe uma incapacidade de estimular a animação em seu ponto de movimentar humanoides em tela, com certa mecanização do trabalho digital. No entanto a incoerência não se fixa aí, e sim em como da mesma forma que o molde do roteiro é preservado para propor drama de maneira mais direta (embora pouco desenvolvida com os suspiros auto conscientes e realistas de Nina), há a elaboração de referências culturais e mitológicas para construir Tellurian e toda a formação maléfica do filme que promove pistas para Nina.

Em suma, existem pontes de conexão na história que conectam um universo que abstrai características do Curupira para formar uma personagem feminina chamada Idril, ou representam Sacis Pererês como Jawas de Star Wars, mas tais suspiros criativos só não são reduzidos a referências porque nesses casos o filme permite que o público ou identifique-as, ou simplesmente compreenda como novidade daquele universo. Da mesma forma, voltando à questão mecânica, embora haja cenas extremamente inspiradas de batalha e planos empolgantes no curso final do filme, são forjadas cenas gamificadas para tal intento, preservando também a mecanicidade humanoide, mas buscando alternativas. Entretanto nem isso nem a autoconsciência narrativa se unem para formação dramática, em que a mensagem e o aprendizado de Nina seja um recuo num filme que sempre parece compreender potenciais criativos, mas retorna a moldes que tenta não assumir completamente, mesmo sendo a fonte linear de drama.

Apesar dessa incoerência, muito dessa consequência de efeito cinematográfico na obra possa ser a causa legítima de uma proposta moderna e contemporânea, quando na verdade apresenta-se uma fantasia que remonta mitologia antiga, ou algo sem tempo determinado. O uso de celular, os namoricos infantis que permeiam a introdução do filme e até a autoconsciência debochada de Nina são aspectos representativos de uma geração que se depara com pesadelos da responsabilidade muito cedo, ou se veem em situações instáveis, sem um referencial de crescimento e compreensão do tempo imediato de mudança em meio a temporalidade mental que necessita de aprendizados paulatinos. Por isso o efeito da fantasia e o fantástico é o ambiente adequado para histórias de ensino, ainda mais animação, pois permite possibilidades que tratam com a mentalidade infantil, ou qualquer abstração que pode se tornar concreta para uma didática efetiva para crianças.

O Pergaminho Vermelho apresenta seu universo mitológico e sua mensagem de responsabilidade enquanto demonstra a dificuldade de trabalhar com animação em termos realistas contemporâneos, dentro de moldes antigos já estabelecidos no cinema. A consequência da má administração e direção do projeto comprova uma proposta teoricamente efetiva para o público infantil, especialmente em enriquecer em bagagem nacional de uma Tellurian muito específica para se admirar. No entanto, coloca a dramatização da protagonista, determinante para o advento de sair de qualquer suspensão da a animação, nesse exemplo de filme, para tornar a sua moral sem dependência de emocionalismo de uma grande trilha sonora composta por Daniel Galli e Filipe Trielli, ou de frases de efeito. Independente do molde ou da ampla criatividade em formar universos de possibilidades, o efeito dramático, que pode surgir até de uma comédia na quebra de expectativa, por muitas vezes se mostra genérico, dando razão a certas classificações negativas da animação.

O Pergaminho Vermelho (O Pergaminho Vermelho) – Brasil, 2020
Direção: Nelson Botter Jr.
Roteiro: Fernando Alonso, Angélica Reis, Nelson Botter Jr.
Elenco: Isaac Bardavid, Wendel Bezerra, Any Gabrielly, Marina Sirabello, Vynni Takahashi, Marcelo Palermo, Nelson Machado.
Duração: 91 min.

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