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Crítica | O Peso do Talento

Desconstruindo o meme.

por Kevin Rick
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É engraçado pensar na trajetória de Nicolas Cage no Cinema. Ele teve períodos celebrados como ator dramático trabalhando com grandes diretores como Martin Scorsese e Brian De Palma, e também como estrela de filmes de ação, mas acabou se tornando ridicularizado após muitos blockbusters ruins e sua fase de obras de home video, e recentemente teve uma ressurgência com filmes indies como Pig – A VingançaDurante esse estranho processo, a persona e os exageros do ator se tornaram mais importantes para o grande público do que sua própria carreira. Para bem ou para mal, Nic Cage basicamente virou um conceito em torno de atuação, seja para ser zoado nos infinitos memes da internet, seja para ser festejado por suas boas performances (e ele tem várias, apesar do que muitos dizem).

Então, nada mais do que justo Cage ganhar um filme onde interpreta uma versão ficcionalizada de si mesmo. O Peso do Talento vem como a sintetização de tudo que o artista representa para a cultura pop, trazendo uma história metalinguística que pondera sobre os histrionismos do ator, sua fama cheia de altos e baixos, e até a certa mítica e lendas criadas em torno da sua personalidade, como seu ego, autoconfiança e extravagâncias. Como era de se esperar, a história tem um tom absurdo: Cage está tendo dificuldades com sua carreira, decidindo aceitar a oferta de 1 milhão de dólares para comparecer e ser convidado de honra no aniversário do bilionário Javi Gutierrez (Pedro Pascal), que, por sua vez, é um líder de cartel investigado pela CIA. Dois agentes (interpretados por Tiffany Haddish e Ike Barinholtz) decidem pedir a ajuda de Cage, e o ator aceita, ainda que tenha suas próprias preocupações familiares e profissionais. E, ah, ele também precisa lidar com uma versão imaginária e mais jovem de si mesmo.

A partir deste cenário, O Peso do Talento faz dois exercícios com a audiência, tirando sarro de Cage ao mesmo tempo que homenageia o ator. Antes de qualquer coisa, precisamos dar mérito para o artista ter aceitado a empreitada e a autoparódia, sendo que sua performance encapsula perfeitamente o que o filme precisa em doses de exibicionismos e piadas com sua depressão de meia-idade, a derrocada como estrela de Hollywood e a composição narcisista do personagem. Cage, como sempre, caminha numa atuação entre carisma e ridículo que tornaram sua persona famosa. O humor em torno dessas situações diverte, mas gradualmente cansa o espectador, considerando que a metalinguagem da obra não é explorada para além de piadas e as várias referências à sua carreira – inclusive com recriações de algumas cenas da sua filmografia, com destaque para a sequência da piscina tirada de Despedida em Las Vegas.

Nesse sentido, também não gosto da abordagem de ação. Existe um intuito interessante em utilizar o ícone heroico do ator na história ridícula de espionagem e cartel de drogas, mas a narrativa nesses momentos é bastante desinteressante, tanto por uma falta de criatividade cômica da direção para algumas perseguições e tiroteios, quanto pela sensação de inchaço da história com personagens que não importam, como os agentes da CIA, os membros do cartel e até a família de Cage (apesar de que há um intuito dramático nesse último caso, como falarei mais à frente). Em última instância, a trama meio bobinha de Cage investigando um sequestro e salvando sua família rouba tempo dos momentos que o filme verdadeiramente brilha: as interações do protagonista com Javi.

Não é à toa que a viagem de ácido dos personagens é a melhor sequência do longa. A química de Pascal e Cage é absurda, transitando entre caricaturas e idolatria com muito bom-humor e até empatia, especialmente quando falam sobre Cinema. Existe uma certa simplicidade nesses segmentos que são prazerosas de acompanhar, com Javi apenas sorrindo por estar na presença do ator ou então pelo próprio Cage começar a se divertir quando deixa de lado os estresses da máquina hollywoodiana, rendendo cenas onde a metalinguagem e a persona do ator são desenvolvidas com sutileza e mais profundidade do que piadinhas de excesso e referências cinematográficas. Aliás, há até uma forma de desconstrução do imaginário popular sobre quem é Nicolas Cage nessas interações com Javi, mostrando seu lado mais humano, mais cinéfilo e a conexão amável entre Cage e seus fãs, e menos focado no seu lado hiperbólico caçoado pela mídia e pelo público.

O Peso do Talento se beneficia da abordagem de dramédia e bromance entre Cage e Javi, fazendo uma análise metalinguística calma e carismática sobre o artista, na mesma medida que diverte e celebra a pessoa por trás dos pôsteres e dos exageros. É uma pena, então, que a obra preza tanto pela narrativa de ação inflada e clichê que atrapalhou parte de sua carreira. Mas, mesmo nesses blocos, a produção é razoavelmente divertida. Assistir este filme é como ver um meme e zoações do público ganhando vida cinematográfica, e aos poucos lembrarmos do talento por trás das piadas, recordar o tanto que o ator significa para nós através de Javi, sendo que até o drama genérico da falsa família de Cage ganha um significado final bonito e humano.

O Peso do Talento (The Unbearable Weight of Massive Talent) – EUA, 2022
Direção:
Tom Gormican
Roteiro: Tom Gormican, Kevin Etten
Elenco: Nicolas Cage, Pedro Pascal, Sharon Horgan, Tiffany Haddish, Ike Barinholtz, Alessandra Mastronardi, Jacob Scipio, Neil Patrick Harris
Duração: 107 min.

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