Home Diversos Crítica | O Planeta dos Mock (Romances Planetários de Perry Rhodan #1), de Clark Darlton

Crítica | O Planeta dos Mock (Romances Planetários de Perry Rhodan #1), de Clark Darlton

Uma tragédia causada por falta de comunicação.

por Luiz Santiago
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Ação correspondente: Não há correspondência direta entre os eventos deste livro e a série principal. Todavia, considerando o ano em que se passa, sabemos que se localiza entre os livros A Morte da Terra (ambientado em 1984) e Atlan, o Solitário do Tempo (ambientado em 2040).
Principais personagens: Perry Rhodan, Reginald Bell, Gucky, John Marshall, Frank M. Haggard, Julian Tifflor, Arsa
Espaço: Planetas Beta Arietis III e VI
Tempo: c. 1996

Eu cheguei aos Romances Planetários da série Perry Rhodan através de um outro personagem, no livro de número 56. À época, eu tinha lido algumas poucas dezenas de volumes da saga principal, quando então resolvi variar um pouco as leituras do mês, e me aventurei pelas páginas de Atlan – No Berço da Humanidade, volume que dá início às andanças solo do Solitário do Tempo. Eu já sabia que essa narrativa estava inserida numa linha maior de publicações, a dos Romances Planetários, e tinha planos de conhecer os seus livros para além de Atlan. E foi aí que cheguei ao presente volume. Um pouco de contexto, porém, se faz necessário antes de falarmos diretamente sobre O Planeta dos Mock

Os chamados “romances planetários de Perry Rhodan” começaram a ser publicados na Alemanha em 1964, e segundo a descrição oficial da linha, eram “aventuras que fechavam lacunas da série principal ou continuavam eventos que não cabiam mais nos ciclos”. Ao todo, foram 415 livros publicados até 1998. Alguns desses romances possuíam ações direta ou indiretamente ligadas aos livros oficiais, bem como publicações temáticas (já citei as aventuras de Atlan através da História da Terra) ou mesmo pequenos ciclos internos. A estrutura narrativa, os pontos de vista e a presença de personagens conhecidos dependiam da trama em questão. A escolha do que seria elencado era um acordo entre o editor e os autores das duas séries, para que não houvesse grandes contradições de informações.

Iniciando a linha dos Romances Planetários, O Planeta dos Mock é, em uma palavra, um livro brutal. Sua ação transcorre entre dois planetas, Beta Arietis III (chamado pelos nativos de Mockar) e IV (chamado pelos nativos de de Raana), onde uma espécie de insetóide similar a uma formiga terrestre (os Mock do título) divide espaço com outra espécie, similar aos humanos (os Drags). Nesta obra, eu presenciei um Clark Darlton bem diferente de tudo o que li dele na série principal, entre A Terceira Potência (Livro 2) e O Pseudo (Livro 52). Exceto pela confusa ligação do drama entre o que acontece nos dois planetas e os insuficientes ajustes dos personagens na parte final do drama, penso que o estilo dele aqui está mais solto, mais ousado e com menos amarras na hora de criar destinos inglórios e civilizacionalmente problemáticos. 

A trama começa do ponto de vista de um Mock, um professor de astronomia, que começa o dia de maneira mecânica, comendo seu purê, preparando-se para ir até a sala de aula. Detalhes da sociedade dessa espécie de Mockar nos faz lembrar algumas ditaduras de governos com Estado altamente centralizador e controlador das ações dos indivíduos. Desde o regramento do dia a dia dos habitantes até ameaças de exílio e punição a “pensamentos revoltosos”, os Mock se organizam plenamente entregues às Rainhas e ao Senado. É uma sociedade que não vê as emoções com bons olhos e que é fortemente hierarquizada, mas ao mesmo tempo, fortemente socializada, no sentido de acesso pleno a serviços como educação, moradia e saúde de qualidade. Foi com essa organização que esses insetóides conseguiram desenvolver engenharia aeroespacial e lograr a construção de um foguete capaz de levá-los a Raana, planeta onde se veriam livres dos Drags; onde poderiam viver uma civilização na superfície, sem “gigantes” que os comessem como iguarias. 

É preciso dar máximo destaque para a incrível descrição que o autor faz da estrutura social dos Mock, e a exploração das diferenças entre as duas espécies, elemento que serve de principal problemática, discutindo instinto, diferentes estágios de desenvolvimento entre espécies e, principalmente, comunicação. Quando os humanos entram em cena, a caracterização da espécie similar (os Drags) faz com que um contato inicial seja possível e que certo entendimento seja estabelecido entre os dois lados, o que infelizmente não acontecerá com os Mock, que são os verdadeiramente desenvolvidos daquele planeta. A narrativa é fluída, e alterna entre o ponto de vista do time da Terceira Potência e os nativos desse canto da Via Láctea. O pensamento dos Drags não é explorado, porque eles são muito primitivos. Gucky chega a ler alguns, mas não há nada muito profundo. É nos Mock que os diálogos e as mais intensas reflexões focam. E é em relação a eles que temos as maiores surpresas e pesares do livro. 

Esta trama me fez pensar o quanto mutantes como Marshall e Gucky, que são ótimos telepatas, ainda possuem limitações extremas de contato com grupos inteligentes pouco óbvios. Isso e o fato de todo o bloco terrano estar munido de um preconceito civilizacional extremo, tomando como ridícula a possibilidade de os foguetes ou as cúpulas vistas em Raana serem fruto de uma “civilização de formigas”. O leitor fica o tempo inteiro torcendo para que Haggard, o único que dá uma atenção genuína aos Mock, consiga chegar à verdade; ou que Rhodan insista em algo que chegou a cogitar, mas que acabou abandonando. Crest nunca ouvira falar de uma espécie que fosse capaz de materializar pensamentos, e isso o impediu de ajudar aqui. Ao contrário, foi a opinião dele que fez com que Rhodan abandonasse por completo a ideia de prosseguir investigando os insetóides. 

O final dessa narrativa me deixou com o coração partido. Os eventos que encerram O Planeta dos Mock são brutais, e mostram como a dificuldade ou a impossibilidade de comunicação entre espécies diferentes é capaz de gerar extermínios inicialmente indesejados. O autor ainda joga para o leitor o julgamento do que pode ter acontecido naqueles planetas, após a partida dos humanos. Tenho para mim que, depois da confraternização dos “estranhos” com os Drags (a cena em que Bell e os outros comem algumas “formigas” assadas em frente a uma fogueira é de cortar o coração, quando narrada do ponto de vista dos Mock), os insetóides conseguiram exterminar ou diminuir drasticamente a população de Drags, através de uma lei que estabelecia isso como legítima defesa. Pouco mais adiante, isso levaria os pequenos nativos à mudança para Raana e sua consequente prosperidade, não sem uma grande diminuição de sua própria espécie – não vejo, por exemplo, uma luta fácil deles contra suas próprias imagens mentais, materializadas para afastar/matar/assustar os Drags, mas que eles não conseguiam mais controlar ou exterminar.

A série dos Romances Planetários começou com um drama que tem uma aparência ético-moral (leitores mais apressados podem cair nessa armadilha de culpabilização), mas que na verdade está vestida com o manto da necessidade de se criar e esgotar os mais diferentes meios de entrar em contato civilizações diferentes da nossa. Embora os terranos e até mesmo os Drags não tenham agido de forma vilanesca ou propositalmente maldosa com os Mock, não foi isso que pareceu para os insetóides. E no caso dos membros da Terceira Potência, faltou mais sensibilidade e exercício de uma lógica espacial mais expansiva. Se eles tinham um rato-castor superpoderoso na equipe, por que não levar a sério a possibilidade de que outros animais pudessem desenvolver-se de maneira diferente, criando uma sociedade desenvolvida? Rhodan e sua equipe subestimaram os Mock por serem “pequenos demais”. Sem querer, acabaram causando muita dor. E possivelmente a extinção de uma espécie. 

Perry Rhodan: Romances Planetários #1: O Planeta dos Mock (Perry Rhodan-Planetenromane – Planet der Mock) — Alemanha, setembro de 1964
Autor: Clark Darlton
Capa original: Johnny Bruck
Outras capas: Alfred Kelsner (5ª edição) e Arndt Drechsler.
Editora original: VPM – Pabel Moewig Verlag KG
157 páginas

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