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Crítica | O Poderoso Chefão: O Épico

por Ritter Fan
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  • spoilers.

Confesso que, apesar de ter se transformando em uma pequena indústria em si mesma, o conceito de versões estendidas, alternativas, de diretor ou seja lá o nome que resolvam dar é algo que me intriga e sempre que posso corro atrás delas para comparar com as originais. Dentre várias versões alternativas inferiores às originais (George Lucas, estou falando com você!), há magníficos exemplos de obras que foram enriquecidas dessa maneira, por vezes até mesmo com apenas a troca da fotografia colorida para em preto e branco (vide O Nevoeiro, Logan Noir e até Mad Max: Black & Chrome) ou a retirada completa do som, como em Gravidade: Silêncio Espacial. O próprio Francis Ford Coppola não é um estranho a isso e já revisitou Apocalypse Now duas vezes e Cotton Club e O Poderoso Chefão III uma vez cada retirando e/ou adicionando cenas.

E foi Coppola o responsável por costurar sua obras-primas O Poderoso Chefão I e II como um filme só ainda em 1977, com a inclusão de mais de 75 minutos de cenas extras ou estendidas, uma proposta que eu jamais poderia recusar. Na verdade, diz a lenda que ele precisava de dinheiro para completar Apocalypse Now e a NBC veio com a proposta de transformar seus dois oscarizadíssimos filmes em uma minissérie, algo que ele aceitou imediatamente. Quem conhece os meandros da infernal produção do longa anti-bélico de Coppola, sabe que é bem provável que tenha sido mesmo essa a gênese do que seria batizado de The Godfather Saga, versão de 434 minutos reunindo, cronologicamente, os dois primeiros longas da série e que foi originalmente ao ar na televisão aberta americana no formato de minissérie – com créditos de abertura e encerramento inclusive – entre os dias 12 e 15 de novembro de 1977.

No entanto, como The Godfather Saga foi feito justamente para a TV aberta, todas as sequências mais violentas foram retiradas, algo que só foi trazido de volta na versão de 2012 da AMC para a Saga. Mas, entre 1977 e 2012, diversas outras versões da mesma proposta foram criadas para fins diferentes, seja lançamento em VHS ou DVD, seja para retransmissões televisivas e, com isso, The Godfather Saga ganhou outros nomes, dentre eles The Godfather: The Complete Novel for Television e The Godfather Novella. Foi em 2016 apenas que a HBO teve a oportunidade de trabalhar uma dessas versões, transmitindo-a, no formato de filme, não de minissérie, e que ficou conhecida como The Godfather Epic, cujo nome completo é The Godfather 1901–1959: The Complete Epic. É esta versão, de 423 minutos (sim, sete horas e três minutos!), que é objeto da presente crítica, portanto, valendo notar que existe, ainda, The Godfather Trilogy, de nada menos do que 583 minutos, reunindo, lógico, os três filmes, mas que não é nada mais do que The Complete Epic adicionado do terceiro filme ao final com algumas poucas cenas novas ou alongadas.

Feitos esses esclarecimentos contextualizadores, O Poderoso Chefão: O Épico (usei, por liberdade poética, o título de uma dessas versões lançadas aqui no Brasil em VHS ainda) é caracterizado, principalmente, pela reorganização cronológica dos acontecimentos dos dois filmes. Em outras palavras, O Poderoso Chefão II, que é ao mesmo tempo prelúdio e continuação de O Poderoso Chefão, teve suas duas linhas temporais separadas completamente, com todos os segmentos que mostram o pequeno Vito Andolini (Oreste Baldini), depois de ter toda sua família morta, fugir da Sicília, crescer em Nova York e tornar-se Don Vito Corleone (Robert De Niro), inclusive com a vingança contra Don Ciccio (Giuseppe Sillato) de volta à Sicília, é o começo do filme agora, com diversas novas cenas que ficaram na sala de montagem tendo sido costuradas de volta ao longa. Dentre elas, vale destaque para a tentativa de assassinato de Don Fanucci (Gastone Moschin) por três garotos que revela o quão o chefão da região é fraco aos olhos de Vito e a bela homenagem de Coppola ao seu avô e ao seu pai, Augustino (Romano Pianti) e Carmine Coppola (Thomas Mars) respectivamente, ao incluí-los como personagens que aparecem brevemente como parte da rede de contatos de Peter Clemenza (Bruno Kirby), além de haver mais tempo para a relação de Clemenza, Vito e Salvatore Tessio (John Aprea) ser desenvolvida, além da brevíssima introdução do ainda bem jovem Hyman Roth (John Megna).

Só esse trecho inicial – se é que posso chamar de trecho – tem duração de 74 minutos e, com um pouco mais, poderia ser um filme por seus próprios méritos. Ver a evolução de Vito Andolini até Don Vito Corleone jovem, com seus três primeiros filhos ainda pequenos, sem as interrupções da sequências no presente de O Poderoso Chefão II é inegavelmente uma bela experiência, especialmente porque a narrativa realmente funciona quase que totalmente sozinha como uma história de origem. Mas, claro, há o evidente revés da escolha de se colocar os filmes em ordem cronológica: perde-se completamente a contraposição da ascensão de Vito Corleone à queda de Michael Corleone (Al Pacino) que é o grande e sensacional artifício narrativo de O Poderoso Chefão II. Não se pode ganhar sempre e, ainda que eu sempre vá preferir os filmes separados como originalmente chegaram aos cinemas, o trabalho de remontagem da obra é excepcional e, dentro de sua proposta, funciona mesmo com a perda natural e inevitável do comentário que a história de Vito faz na de Michael.

Quando finalmente vem o plano geral do trem de retorno de Vito Corleone e família da Sicília para os EUA, o prelúdio corta imediatamente para uma tela preta em que o rosto do suplicante Amerigo Bonasera (Salvatore Corsitto) ganha destaque absoluto em uma sala mal iluminada, começando, então, um dos mais memoráveis travellings de câmera já feitos para revelar Don Vito Corleone (Marlon Brando) no dia do casamento de sua filha Connie (Talia Shire). O que segue, a partir daí, é a integralidade de O Poderoso Chefão com uma riqueza de sequências estendidas e alguma pequenas cenas inteiramente novas, mas nenhuma realmente tão importante ou marcante. O que realmente importa, aqui, é que as adições não quebram o ritmo da narrativa e não desviam o longa de seu trajeto sequer por um segundo. Essa é a beleza de uma versão estendida realmente bem feita. A minutagem acrescentada – e que não é pouca – não cria novas histórias, não traz informações desnecessárias e nem desvirtua a narrativa. Tudo o que vemos poderia ter facilmente constado do longa de 1972 da mesma maneira que seu corte não deixa “marcas” sensíveis no resultado que efetivamente chegou às telonas.

Apesar de a versão da NBC ter um final para o primeiro filme levemente diferente, que deixa mais evidente as dúvidas de Kay (Diane Keaton) sobre o “não” de Michael à pergunta que ela faz sobre as mortes, com ela rezando, a versão da HBO sob análise retorna ao momento clássico em que a porta do escritório do agora novo Don Corleone se fecha com ela do lado de fora olhando atentamente. Essa é a deixa para a tela novamente ficar preta e as sequências de 1958 em diante de O Poderoso Chefão II começarem, mais especificamente com um breve relance para a cerimônia de Primeira Comunhão do pequeno Anthony (James Gounaris, curiosamente o irmão mais velho de Anthony, o Anthony Corleone que vemos brincando com o avô no primeiro filme e que foi batizado assim no longa porque o menino só atendia a seu nome verdadeiro).

Esse “terço final” é repleto de sequências estendidas que agigantam tremendamente sua duração para quase 2h30′, mas, novamente, sem fazer o filme pesar. Lógico que assistir a um longa de pouco mais de sete horas exige um esforço enorme e diria até que é insalubre ver tudo em uma sentada só (eu parei por duas vezes, mas ao longo de um mesmo período de 24 horas), mas essa duração avantajada das sequências da efetiva queda de Michael Corleone não atrapalham a experiência. Não há o que se pode chamar de sequências verdadeiramente novas que mudem a narrativa ou apresentem novas peças que não existiam antes. Assim como acontece ao que foi adicionado ao primeiro filme, o que Coppola fez foi, em grande parte, alongar sequências pré-existentes, mas sem errar a mão, sem estender por estender só porque havia material disponível. Além disso, assim como há uma satisfação enorme em ver a ascensão de Vito Andolini ao status de Don Vito Corleone no primeiro terço, a transição direta de um Michael recém-Don para o Michael já estabelecido em sua posição de poder consolidado é, sem papas na língua, absolutamente perfeita. E olha que Coppola sequer queria fazer o segundo filme!

Não tenho a menor sombra de dúvida em afirmar que assistir O Poderoso Chefão I e, depois, O Poderoso Chefão II da forma como eles foram originalmente concebidos continua sendo a melhor maneira de se apreciar essas obras-primas atemporais de Coppola. A versão que costura os dois longas como um só, em sua ordem cronológica e com a adição de cenas novas e a extensão de várias outras – seja Saga, Épico ou qualquer uma das outras – exige um estado de espírito específico engatilhado, provavelmente, por uma curiosidade profunda sobre como ficaria o resultado e o que mais o cineasta criou durante a produção destes filmes. Além da duração, que pode afastar muita gente (mas não deveria, pois vale o esforço!), o único ponto que realmente altera o espírito da obra original é justamente a quebra do paralelismo dos dois momentos temporais do segundo filme. Mas isso nem de longe significa que a estrutura narrativa é destruída ou mesmo apenas quebrada, pois a proposta por trás dessa aventura cinematográfica é justamente essa. Para resumir, diria que essa é a versão alternativa de filme pela qual as versões alternativas de filmes devem ser medidas. E, na pior das hipóteses, sempre teremos os originais para voltar quando quisermos, não é mesmo?

O Poderoso Chefão: O Épico (Mario Puzo’s The Godfather: The Complete Epic 1901-1959 – EUA, 2016)
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Mario Puzo, Francis Ford Coppola
Elenco: Marlon Brando, Al Pacino, Robert De Niro, Robert Duvall, Diane Keaton, Talia Shire, James Caan, Richard S. Castellano, Sterling Hayden, John Marley, Richard Conte, Al Lettieri, Abe Vigoda, Talia Shire, Gianni Russo, John Cazale, Lee Strasberg, Michael V. Gazzo, G.D. Spradlin, Richard Bright, Thomas Mars, Bruno Kirby, Romano Pianti, John Aprea, John Megna, Giuseppe Sillato, Oreste Baldini, Salvatore Corsitto, Gastone Moschin, James Gounaris, Anthony Gounaris
Duração: 423 min.

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