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Crítica | O Preço do Amanhã

Uma empolgante narrativa sobre os impactos da tecnologia em nossa sociedade de hierarquias econômicas.

por Leonardo Campos
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Tempo é dinheiro. A expressão tão popular, representação das dinâmicas que engendram a vida com o advento das acelerações da modernidade, definem a tônica de O Preço do Amanhã, produção revista quase dez anos depois de sua primeira contemplação, em ambas as oportunidades, interessante para pensarmos sobre a nossa condição no mundo cada vez mais frenético, além de garantir aos espectadores, momentos intensos de entretenimento. Revisitar o filme dirigido, escrito e produzido por Andrew Niccol, lançado em 2011, permitiu que fizesse algumas associações com o conceito de democracia, terminologia que tenho observado estar cada vez mais presente em debates sobre a humanidade diante dos impasses das novas tecnologias em nosso cotidiano, recursos que deveriam auxiliar nas jornadas diárias nos âmbitos profissionais e pessoais, mas que parece ter se tornado uma maldição comprometedora da nossa integridade. É um termo para refletir a precariedade da vida diante das constantes incertezas de um mundo excessivamente informativo, tomado por reinicializações bruscas, eventos em demasia para darmos contas, em linhas gerais, tudo aquilo que o filósofo Bauman propôs em sua teoria sobre a liquidez da modernidade. Voltaremos ao tópico em questão, depois da análise do filme.

Ao longo dos 109 minutos desta frenética trama, acompanhamos a jornada de Will Salas (Justin Timberlake), um rapaz que vive na zona periférica deste mundo inserido numa perspectiva distópica. Cada passo dado, diariamente, é pensado com cautela, pois a perda do tempo significa o exaurir da vida. Aqui, o espectador situa-se numa realidade do futuro, era onde o envelhecimento é suspenso aos 25 anos de idade. Um relógio digital, acoplado no braço desde o nascimento, destaca quanto tempo de vida há para cada cidadão. É preciso, então, labutar bastante, para garantir o pagamento no final do dia e ampliar a quantidade de tempo para continuar existindo. Nesta sociedade, há quem roube o tempo alheio, quem aposte para tentar garantir mais anos, dias, horas ou segundos, em suma, tudo aquilo que fazemos em nossa realidade para que possamos nos manter íntegros na dinâmica da sobrevivência.

No caso da população pobre, a “corrida dos ratos” contra o tempo é inevitável. Namorar, dormir bem, passear ou contemplar paisagens não é um privilégio para aqueles que se angustiam diariamente com a velocidade do tempo e com a necessidade de ampliar suas horas de vida. Por outro lado, há também aqueles que possuem uma eternidade para viver, tempo suficiente para se entediar. Isso significa que, os que gozam dos privilégios da riqueza, podem ser levados pela depressão e cansaço, sem paciência para continuar existindo. Em O Preço do Amanhã, temos uma sociedade de paradoxos, com indivíduos que tem demais e outros prejudicados por ter de menos. Ricos, vivem para sempre. Pobres, amargam na miséria quase absoluta. São alegorias de nossos tempos, trabalhadas dentro da proposta de entretenimento do filme e suas numerosas cenas de ação, conteúdo que não dispersa o espectador mais atento de suas discussões.

Controle social, meritocracia, segregação de tipos diversos, divisão do espaço geográfico em zonas que hierarquizam status dos moradores, dentre outros tópicos temáticos, embalam o filme construído por uma estética futurista, com figurinos sensuais, direção de fotografia esverdeada de Roger Deakins, responsável por ousados enquadramentos e movimentos pelos espaços erguidos pela equipe de Alex McDowell, profissional que assina o design de produção. O Preço do Amanhã também acerta em sua trilha sonora, composta por Craig Armstrong, textura que se bifurca com o poderoso design de som repleto de tiros, vidros estilhaçados e outros recursos auditivos colocados na edição para ampliar a dimensão caótica do que é contado pelo roteiro. A trama se passa em 2169. Enquanto Will batalha para garantir uma vida melhor para a sua mãe, ele a perde numa situação fatídica que o preenche de revolta.

Antes, o personagem havia ganhado um século de vida depois que salva uma pessoa de um grupo de usurpadores de tempo, algo que sequer imaginava, pois recebe a recompensa enquanto dormia, após tê-lo salvado do grupo em questão. Os guardiões do tempo, em especial, Raymond Leon (Cillian Murphy), agente da lei que desconfia da origem deste bônus e parte numa caçada contra o rapaz, figura que já atravessou as zonas da cidade e se infiltra na parte mais rica, tendo em vista cumprir o seu projeto de devolver para os pobres, aquilo que os ricos extraem constantemente, haja vista a dinâmica capitalista selvagem desta sociedade. Nesta busca por colapsar o sistema, ele se envolve com Sylvia Weis (Amanda Seyfriend), a filha de um milionário do tempo, dono de um banco que faz empréstimos com juros altíssimos para aqueles que amargam em busca de mais tempo de vida. Juntos, eles agem em prol de uma rebeldia interna que exala coragem e enfrentamentos audaciosos a cada encontro com as forças da lei.

Vivendo sempre à beira do caos, os dois atravessam pelas ruas desta sociedade futurista e tentam reconfigurar as coisas, numa empolgante jornada de ação sobre como o tempo se tornou ainda mais acelerado nas últimas décadas, haja vista o estabelecimento das novas tecnologias e a nossa falta de equilíbrio diante de um mundo que se transforma rapidamente e não permite a permanência daqueles que não possuem a dromoaptidão, isto é, a capacidade de ser produtivo e acompanhar todas as evoluções provenientes desta dinâmica de aceleração. É um mundo onde aqueles que se esforçam conseguem ao menos se manter estáticos, diferentes daqueles que retrocedem vertiginosamente quando não acompanham organicamente as transformações. Em O Preço do Amanhã, a grande sacada para sobreviver é ser rápido e não ficar inerte diante do tempo. Não há espaço para o “nadismo” e até um abraço ou almoço precisa ser contabilizado. No geral, uma divertida narrativa que alegoriza como a velocidade saiu do sistema de produção no campo do trabalho, nos primeiros momentos da modernidade, e invadiu violentamente a esfera doméstica, comprometendo nosso lazer, nosso bem-estar, ao informatizar as nossas vidas e tornar o nosso cotidiano cada vez mais pressionado e precário.

O Preço do Amanhã (In Time – EUA, 2013)
Direção: Andrew Niccol
Roteiro: Andrew Niccol
Elenco: Justin Timberlake, Olivia Wilde, Shyloh Oostwald, Johnny Galecki, Colin McGurk, Will Harris, Michael William Freeman, Jesse Lee Soffer, Amanda Seyfried
Duração: 109 min

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