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Crítica | O Preço do Desafio

A jornada de um professor obstinado contra um sistema educacional em crise.

por Leonardo Campos
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Na realidade de atuação dos profissionais do campo educacional, gerenciar as demandas e ainda enfrentar situações estruturais do nosso sistema é um desafio hercúleo desmotivador e responsável por adoecer muita gente que dedicou a sua vida ao processo de ensino e aprendizagem, ou seja, a carreira de professor. No desenvolvimento do emocionante O Preço do Desafio, temos o exemplo de um personagem obstinado, inspirado em acontecimentos da vida real, homem que investe profundamente numa turma desacreditada para, numa perspectiva ao estilo dos ensinamentos de Paulo Freire, modificar os caminhos de pessoas que sequer acreditavam em seus respectivos potenciais. É, sim, algo considerado utópico por muitos, mas mesmo que o trabalho que os professores desenvolvem ali e aqui sejam considerados ínfimos diante das necessidades imediatas de nosso mundo turbulento, ações que ressoam para o resto da vida de determinadas pessoas podem ser fatores fundamentais para transformações significativas. É o que acontece com a experiência do professor Jamie Escalante.

Interpretado por Edward James Olmos, o protagonista desta narrativa é um professor que busca fazer a diferença ao ter como desafio, lecionar para estudantes de uma escola considerada problemática em Los Angeles. Em seu entorno, descaso, violência, seres humanos em situação de miserabilidade e desigualdade social. Um caos absoluto, também presente na fachada da instituição, relegada ao abandono, visualmente exposta pelo trabalho do design de produção e de Tim Richmond, responsável pela direção de fotografia. Ao chegar, Jamie Escalante é direcionado para dar aulas de informática para os alunos que constam em sua lista de presença, mas, ao chegar no laboratório, descobre que não há estrutura alguma para desenvolvimento de suas tarefas. Como lecionar tal área sem computadores? Assim, ele se desloca de componente curricular e começa a ensinar matemática para classe repleta de pessoas desmotivadas.

Na Escola Garfield, além da falta de boa estrutura, os estudantes sofrem constantemente com preconceitos de diversos tipos. Eles são parte integrante do caldeirão multicultural estadunidense, em sua maioria, imigrantes estigmatizados por suas origens estrangeiras. O contexto em questão, a década de 1980, nos apresenta o professor diante não apenas de um grupo de alunos desmotivados, mas de profissionais igualmente acometidos pela falta de incentivos, haja vista os salários baixos, a insalubridade da docência e a ausência de ações mais afirmativas para sustentar o discurso da importância da educação. Sem apoio, toda uma rede de pessoas integrantes de um sistema entra em decadência, promovendo o que contemplamos na primeira metade de O Preço do Desafio: resistência ao novo por parte dos colegas, adoecimento do protagonista numa determinada fase da jornada, alunos cansados das aulas desmotivadas e fora de contexto, sem diálogo com as suas respectivas realidades. Em linhas gerais, os desdobramentos de um problema em escala mundial, salvaguardadas as devidas proporções: a crise na educação, presente nos discursos, mas sem o devido apoio na prática cotidiana.

Sob a direção de Ramon Menendez, também responsável pelo roteiro, escrito numa parceria com Tom Musca, o filme nos apresenta uma figura ficcional fora da curva deste penhasco assustador rumo ao desenvolvimento de uma vida sem perspectivas. Com aulas contextualizadas, o professor motiva os estudantes e os permite compreender a presença da matemática além das avaliações escolares, em suma, nas coisas do cotidiano. Ao passo que o filme avança em seus 105 minutos, temos o processo evolutivo dos personagens, mais empáticos em sala de aula e envolvidos nas tarefas que mesclam teoria e resolução de problemas matemáticos práticos para a caminhada no dia a dia. Em sua crítica ao sistema educacional, O Preço do Desafio delineia o quão prejudicial é uma educação desenvolvida numa escola sem planejamento, com estudantes punidos pela perseguição no bojo do poder quando as coisas dão certo. Após os bons resultados, os estudantes conseguem uma vaga para cursar faculdade, mas o Departamento de Educação da região acusa a escola de fraude e eles precisam comprovar que modificaram os padrões para a obtenção de um novo resultado positivo devidamente legitimado.

Sem estímulos, os estudantes pensam até em desistir, mas o professor desafiador, tal como no título do filme, propõe um novo exame e ao refazerem os testes, ainda mais supervisionados, os resultados são ainda melhores, ou seja, aquelas pessoas estavam preparadas para avançar mais degraus na longa jornada que ainda tinham para as suas existências. Boliviano, o professor Jaime Escalante também era vítima dos preconceitos e estigmas sociais de seus alunos, haja vista a sua procedência latina. A sua caminhada em um filme de 1988 encontra reverberações ainda na atualidade, pois os desafios continuam a dominar a nossa rotina, colocando sempre obstáculos que promovem questionamentos contundentes. É a saga de um professor com métodos behavioristas, motivador para os seus alunos, individuo que se baseia na crença de que mudanças podem ser empreendidas com esforço individual e coletivo. Com treino e ajuste na forma de encarar as coisas, os desacreditados da escola seguiram um caminho cidadão.

Acompanhados pela condução musical de Craig Safan, marcante e emocional em diversas passagens de O Preço do Desafio, aqui temos como conflito um dado desmotivador: apenas 2 dos estudantes do país tem coragem para se inscrever no exame de cálculos da Universidade de Princetown. Quando o professor decide incentivar os seus, se torna motivo de descrença e chacota na escola, afinal, ninguém acreditava na capacidade daquelas pessoas. É com sua persistência e uso de técnicas de intervenção que lembram a pedagogia de Carl Rogers que os resultados se mostram favoráveis. Ele é durão, ainda com um pé em elementos do didatismo tradicional, com métodos repressivos considerados questionáveis na contemporaneidade, mas implanta a matemática de maneira concreta para os jovens da instituição e destaca que no processo, também mudou a sua forma de ensinar, aprendendo com o seu público e na busca por táticas e estratégias inovadoras e mais eficientes. Na luta contra o desacato, o desinteresse e a apatia de uma realidade insuportável, o profissional faz calculadamente a diferença.

Em seu desfecho, como reflexão, o professor de O Preço do Desafio nos permite debater os equívocos em torno da defasada ideia sobre a carreira em questão ser mais vocação que profissão, isto é, algo feito por amor, independente das circunstâncias. Esta é uma ideia deturpada que se tem sobre a docência, responsável por tantos processos de desistência, afinal, as condições de trabalho, a falta de segurança e o crescimento da violência no ambiente escolar tem sido tópicos temáticos cada vez mais assustadores. Salas de aula sem estrutura adequada, alunos violentos, desmotivados pela escola e por suas realidades na rua e em casa: assim é o cenário de muitos redutos educacionais, ideais para um grande filme de horror. Ademais, ainda sobre os desdobramentos do filme, creio ser interessante pensar a produção em associação com as ideias gerais de Paulo Freire presentes em A Importância do Ato de Ler. Se fazer história é estar presente nela e não simplesmente nela estar representado, os personagens deste filme são alegorias ideais para analisarmos estas considerações do pedagogo em associação.

Como já mencionado, em O Preço do Desafio, o ensino de matemática é mantido por meio da contextualização com a realidade concreta dos estudantes. Não é o simples memorizar de conceitos e fórmulas, mas a aplicabilidade em coisas práticas do cotidiano. Em sua pedagogia autônoma, o professor quer ajudar os estudantes a levantar a autoestima e acreditarem em seus respectivos potenciais. Ele pesquisa a sua turma, busca entender as necessidades de quem passa por aquela sala, compreendendo perfis para uma noção geral de quem atravessava a sua vida naqueles instantes. Na solução de problemas, instigava os jovens a buscarem novas alternativas para compreensão dos conteúdos trabalhados em aula. Sem a firmeza do idioma local e injustamente preteridos por professores preocupados apenas em reproduzir roboticamente os materiais dos livros didáticos, os jovens neste filme, até os incentivos do professor transformado em herói pela narrativa, tinham casamentos precoces, empregos de baixa remuneração, familiares que desacreditavam em suas evoluções, além da criminalidade.

Não é uma tarefa fácil operar tais mudanças. Mas ninguém disse que assim seria. Você, caro leitor, pode não ser um daqueles que possuem a garra e o fôlego para operar tais transformações, mas ao menos, se acompanhar alguém com este perfil a passar por seu caminho, estenda a mão e dê o apoio necessário. Só em não ser obstáculo já é grande coisa, combinado?

O Preço do Desafio (Stand and Deliver) — EUA, 1988
Direção: Ramon Menendez
Roteiro: Ramon Menendez, Tom Musca
Elenco: Edward James Olmos, Lou Diamond Phillips, Andy Garcia, Rosana De Soto
Duração: 105 min.

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