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Crítica | O Predador: A Caçada

A caça e a caçadora.

por Ritter Fan
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Se ignorarmos os dois filmes que fazem crossover com os xenomorfos e que merecem ser realmente ignorados (além de terem todas as suas cópias queimadas em praça pública em um ritual de purificação), a franquia cinematográfica Predador não é das piores por aí não. Claro, o primeiro longa, de 1987, continua imbatível e isolado no topo do pódio, sendo também um dos melhores filmes de brucutu dos anos 80, mas os demais até que conseguem contar boas histórias de pura pancadaria com um dos alienígenas mais interessantes da Sétima Arte. Curiosamente, porém, no afã de “fazer” diferente, até o lançamento do longa sob análise, apenas um deles, Predadores, de 2010, arriscou-se retornar à premissa original que coloca um grupo de humanos contra um ou mais predadores em ambiente de selva.

O longa de Ninród Antal tinha todos os ingredientes do primeiro, só que multiplicados por seu contexto que invertia a lógica original, colocando humanos em um planeta de Predadores, com Dan Trachtenberg, em apenas seu segundo filme, fazendo de O Predador: A Caçada, o retorno mais verdadeiro e visceral ao básico e, talvez por isso mesmo, chegando o mais próximo até agora do clássico estrelado por Arnold Schwarzenegger de 35 anos atrás. Imaginado como um prelúdio que se passa em 1719 nas grandes planícies do que viria a ser os EUA, o filme tem como protagonista a Comanche Naru (Amber Midthunder, a Kerry Loudermilk, de Legion), treinada para ser uma curandeira, mas que deseja, mais do que tudo, provar-se como caçadora, função costumeiramente reservada aos homens de sua tribo. Durante uma caçada a uma leão da montanha que ferira um dos jovens guerreiros da tribo, ela começa a desconfiar que há um presença misteriosa por ali, provavelmente fruto dos fenômenos atmosféricos que ela vê mais cedo (e que nós sabemos que é uma nave que deixa o caçador alienígena por ali).

Sempre acompanhada de sua bem treinada cadela Sarii, a jovem não desiste de seus objetivos de ser vista como mais do que uma curandeira e faz da misteriosa presença sua presa, em uma boa inversão da lógica normal dos filmes da franquia. Apesar da imponência do Predador, que usa um capacete feito de osso, é interessante notar que seus equipamentos tecnológicos parecem versões “anteriores” das que conhecemos no filme de 1987, algo que pode se dar tanto pela evolução da tecnologia em si ou por uma escolha do próprio Predador, de forma a usar armas que se aproximem mais daquelas disponíveis às suas presas mais desenvolvidas, explicação que, confesso, é a que mais gosto. Seja como for, a lógica do roteiro é realmente permitir uma luta mais justa e, se a racionalização disso não fica perfeitamente clara dentro do filme, ela é mais do que aceitável para permitir a própria existência do longa em si.

Mas essa proximidade ao básico, só que entregando o protagonismo a uma jovem Comanche em uma espécie de ritual de amadurecimento e transformação, não soluciona todos os problemas do roteiro de Patrick Aison, em seu primeiro longa-metragem. No lugar de deixar as imagens falarem por só próprias, Aison subestima seu público e parece sentir a necessidade de explicar os detalhes do que ele mostra em tela. Naru é uma heroína clássica de filmes de ação que poderia ficar lado-a-lado de outros nomes como Ellen Ripley, mas, enquanto o protagonismo feminino é mais do que bem-vindo e necessário especialmente nos dias atuais de ridículas polarizações, não posso dizer o mesmo das explicações dadas uma, duas, três e mais vezes a esse protagonismo. Não basta compreendermos desde os primeiros segundos de projeção, com Naru treinando com sua machadinha, que ela quer ser mais do que ela é e do que sua tribo lhe permite ser, fazendo com que a personagem naturalmente tome o protagonismo. Não. Aparentemente é necessário que tenhamos diálogos em cima de diálogos sobre o assunto de forma que nada fique nas entrelinhas e que até o mais obtuso dos espectadores consiga captar a mensagem que está sendo passada. Existe um componente educativo nesse processo, claro, mas mesmo isso lucraria com uma dose saudável de sutileza.

Esse tipo de abordagem, porém, não se limita ao protagonismo de Naru e ao preconceito de gênero, pois o roteiro tem momentos vergonhosos como quando, depois de capturada pelos franceses peleteiros, Naru precisa dizer para a câmera que eles são os responsáveis pelo massacre dos bisões que ela vira não muito tempo antes. Mil desculpas a quem não captou isso de cara, mas esses didatismos cansativos parecem existir por uma necessidade doentia das produções em nivelar tudo por baixo, em evitar toda e qualquer dúvida pelo espectador e, mais ainda, impedir qualquer tentativa de se raciocinar sobre o que está ocorrendo. A equação do “bisões cruelmente esfolados em quantidade absurda” não tem aparentemente um resultado lógico e inafastável de que é a terrível interferência dos homens brancos em território virgem se esse resultado não vier escrito em detalhes em alguma linha de diálogo. Ou seja, não basta dizer “2+2”, há que se concluir explicitamente  que essa soma resulta em 4.  E isso não fica apenas nos diálogos, que fique bem claro. O filme todo é repleto de óbvias pistas visuais sobre o que acontecerá na cena seguinte, seja a armadilha de Naru para capturar o leão da montanha, sejam as armadilhas de urso espalhadas pelos franceses, seja o pântano em que ela cai e, claro, aquele remedinho floral que baixa a temperatura corporal que ela precisa dizer que faz isso umas 18 vezes…

Mesmo com essas fraquezas e um uso exagerado de sangue em computação gráfica (não adianta, fica horrível), as sequências de ação recapturam a essência de O Predador e o longa consegue se destacar entre seus pares ao colocar o alienígena contra uma particularmente atlética e inteligente Comanche. Trachtenberg, quando consegue se desvencilhar do peso do roteiro didático de Aison, entrega um filme de ação de qualidade que usa toda a mitologia do original e ainda tem tempo para “brincar” com a pistola de pederneira de Raphael Adolini (Bennett Taylor) que o líder dos Predadores presenteia ao tenente Mike Harrigan (Danny Glover) no segundo longa e que, em uma tacada só, já arma uma continuação, claro (e que ganha “ilustrações” nos créditos, vale salientar). O Predador: A Caçada teria sido melhor se tivesse deixado as imagens falar por si mesmas, mas, infelizmente, ao que tudo indica, isso não é mais possível nos dias de hoje. No entanto, ainda bem, ele mesmo assim mais do que cumpre sua função de retornar às raízes e entregar um prelúdio de qualidade.

O Predador: A Caçada (Prey – EUA, 05 de agosto de 2022)
Direção: Dan Trachtenberg
Roteiro: Patrick Aison (baseado em história de Patrick Aison e Dan Trachtenberg e em personagens criados por Jim Thomas e John Thomas)
Elenco: Amber Midthunder, Dakota Beavers, Dane DiLiegro, Stormee Kipp, Michelle Thrush, Julian Black Antelope, Bennett Taylor
Duração: 100 min.

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