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Crítica | O Presente de César (Asterix)

por Ritter Fan
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O Presente de César marca um momento importante na história editorial das aventuras de Asterix, pois René Goscinny e Albert Uderzo encerraram sua longeva relação com a então afamada publicação em quadrinhos Pilote para criar sua própria editora que, então, passaria a publicar os álbuns por intermédio da Dargaud diretamente como álbuns, não mais com publicações em capítulos antecedendo os encadernados. Mas a mudança ainda não foi completa aqui, pois esta história foi sim publicada em partes antes do lançamento do álbum, mas não mais pela Pilote e sim pelo prestigioso jornal Le Monde, o que já sinalizava o gigantesco alcance que os personagens haviam obtido ao longo do lançamento dos 20 álbuns anteriores.

Enquanto Asterix na Córsega tinha um ar comemorativo e ao mesmo tempo lidava com elementos culturais bastante restritos ao povo francês (e corso, claro), O Presente de César tem uma linha narrativa mais… digamos, simples, sem grandes elucubrações e muito direta, sem desvios ou sequer aprofundamento no que se refere a seus assuntos principais: os políticos e as eleições. Na história, Julio César, para zoar um legionário bêbado que falara mal dele na véspera do fim do “breve” serviço militar obrigatório de apenas 20 aninhos, presenteia-o com um título de propriedade sobre nada menos do que a notória aldeia gaulesa na região da Armórica cercada de acampamentos fortificados romanos. O perfeitamente batizado Alambicus, no entanto, troca o título por bebida e comida com o taverneiro gaulês de Arausio (Orange) Ortopedix que, ato contínuo, vende sua taverna e se muda com sua esposa Angina e sua filha Coriza (Zazá para os íntimos) para o lar dos irredutíveis gauleses.

Claro que, quando ele chega lá, seu sonho é logo demolido, mas Abracurcix, compadecendo-se pela situação de Ortopedix, que tem a mesma “situação doméstica” que ele, oferece-lhe a abertura de uma taverna ali mesmo, em uma casa abandonada ao lado da peixaria fedorenta de Ordenalfabetix. Confusão vai, confusão vem, acaba que, de maneira muito orgânica e inteligente, Ortopedix e Abracurcix passam a concorrer ferrenhamente em uma eleição para o próximo chefe aldeia.

No entanto, é aí que a história começa a perder sua força. Se é a mesquinharia e inveja que muito apropriadamente levam à candidatura de Ortopedix como oposição à Abracurcix, o desenvolvimento da narrativa é tímido, sem a acidez destruidora que Goscinny costuma imprimir em suas críticas sócio-políticas. Afinal, o roteirista tinha a faca e o queija na mão para demolir a política e políticos de uma tacada só, mas ele deixa seu texto corrosivo apenas na superfície, sem realmente mergulhar de cabeça nas questões mais quentes. Claro que a obra continua engraçada, mas ela é sensivelmente mais simplificada, especialmente considerando outros álbuns da série como o já citado Asterix na Córsega e também Asterix entre os Helvéticos. É quase que um retrocesso na forma cada vez mais adulta e completa que os álbuns haviam alcançado.

Aliás, é sem dúvida interessante como Goscinny elege Veteranix para ser a “terceira via” eleitoral da aldeia, já que, não sem querer, é o mais idoso gaulês irredutível que usa como base de sua solitária campanha a xenofobia, afirmando com todas as letras que “não tem nada contra estrangeiros, desde que eles não venham para cá”, ou seja, um sentimento bastante em voga hoje em dia, infelizmente. Claro que, por Ortopedix e família não serem exatamente estrangeiros – final, são gauleses também! – a coisa torna-se engraçada em seu nascedouro, mas o ponto é que, mais uma vez, Goscinny opta por tratar esse aspecto polêmico sem dar-lhe um tratamento redondo, por assim dizer. Eu até entendo que, se ele fosse mais cáustico, Veteranix não sairia da história de maneira incólume, o que poderia atrair ao personagem uma pecha ruim daqui para a frente, mas, mesmo assim, havia outras alternativas.

Uderzo continua em grande forma na arte, mas, como a história é substancialmente confinada à aldeia e ao acampamento fortificado de Laudanum, o desenhista não pode soltar as rédeas imaginativas. Sua melhor oportunidade – e que ele nem de longe desperdiça – é quando o centurião romano revela que armamentos novos acabaram de chegar, com torres de assalto e catapultas fazendo parte do ataque à aldeia que acaba acontecendo por provocação de Alambix que retorna à história e pela impressão que fica aos romanos de que os gauleses estaria desguarnecidos de poção mágica.

O Presente de César certamente mantem-se divertido como todos os álbuns de Asterix com a dupla original no comando o são, mas ele é sem dúvida uma história menor da fantástica série. A trollagem que César prepara para seu legionário acaba ficando aquém de seu potencial, ainda que permaneça muito longe de ser um presente de grego.

O Presente de César (Le Cadeau de César, França – 1974)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Dargaud
Editoras no Brasil: Editora Record (em formato encadernado)
Páginas: 48

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