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Crítica | O Príncipe do Egito

por Iann Jeliel
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Dentre os milhares de contos bíblicos, talvez a jornada de Moisés atravessando o Egito para libertar os escravos em nome de Deus seja a mais conhecida ao lado da Arca de Noé. É uma narrativa que atravessa tantas gerações que naturalmente passou a ter um apelo popular imediato. Nesse contexto, o recente estúdio de animação criado por Steven Spielberg, a conhecida Dreamworks, precisava ter um nome forte logo no princípio de seu surgimento para poder disputar frente a frente com a Disney – que vivia um novo auge de grandes animações na sua conhecida era de renascença – e com a Pixar – também surgida há pouco tempo, mas que já tinha um grande apelo por trazer a inovadora tecnologia 3D em visual. Ora, uma história religiosa popular parecia ser a vitrine fácil para o estúdio chegar atrasado na competição e ainda com um certo lucro garantido, mas na prática O Príncipe do Egito não foi uma produção folgada como várias outras que só se utilizaram do nome da história, ao contrário, houve muitos riscos tomados que trouxeram benefícios e malefícios particulares.

Vamos por partes. Nesse princípio, a Dreamworks ainda não era certa de sua identidade estilística, portanto, ela iria propor misturas correspondentes às referências que tinha. Lançando dois filmes em seu primeiro ano de atuação, a ideia era fazer dois diferentes testes sobre qual formato mais agradava, com a desculpa da mescla como principal identidade. FormiguinhaZ era primordialmente em 3D, mas que utilizava elementos em 2D para a elaboração de cenários e a concepção artística. Já O Príncipe no Egito era o contrário, preservando o 2D amplificado pelas possibilidades de inserção 3D no cenário para a profundidade de campo, meio que numa evolução da fluidez vista em A Bela e a Fera, só que constante no filme todo, o que rendeu um grande orçamento à produção. Além disso, buscava-se algo para deixar a contagem de história única além da animação, então, a produção contou com enorme senso de pesquisa para a apuração das características visuais dos personagens ser a mais fidedigna possível. O filme abre com um aviso de sua fidedignidade, logo, pressupõe-se um retrato mais realístico da história, apesar de ter todos os recursos possíveis da animação para vendê-la da forma mais lúdica e acessível possivel.

Assim, O Príncipe do Egito encontra-se num impasse, em que seu ponto mais forte está no limiar entre seus dois objetivos: técnico e narrativo. Na questão técnica, o apuro alcançado aqui é sem precedentes, a mistura proporcionada pelas técnicas traz um auxílio imagético poderoso à contagem da história, que sendo crente ou não do que está se contando, é possível amplamente se conectar pela imersão proporcionada à expressividade impactante dos traços conjuntos. Alie essa força das imagens à força dos sons, tanto das ótimas canções, que à la Disney cumprem perfeitamente o papel de transicionar as viradas narrativas, dão ritmo e ainda acréscimos ao avanço da história, quanto na trilha incidental memorável de Hans Zimmer, que absorve toda e qualquer verdade dos sentimentos ali envolvidos nos personagens. Ao mesmo tempo em que parece uma poesia em forma de animação, esse mesmo poder imagético é o que aproxima O Príncipe do Egito de quase todas as demais versões da história, no sentido de dependência dos valores bíblicos que a tornaram tão popular.

Nas possibilidades artísticas da concepção visual, esses valores gospel são explicitados com mais ênfase do que necessariamente queriam, o que não teria problema nenhum desde que a substância da proposta na narrativa inicial não se perdesse no caminho, mas infelizmente em algum momento isso ocorre, e nos principais núcleos. O roteiro começa muito bem no estabelecimento do conflito de origens entre os irmãos dentro de uma relação em que eles ainda se gostam. Uma introdução sensível e bem-humorada que iria corresponder mais à frente a um embate ideológico cheio de dores escanteadas pela necessidade, por exemplo, de replicar o momento das dez pragas do Egito de forma bonita. Sim, até se tenta fazer as duas coisas em conjunto, mas parecem arcos que se diluem ao invés de se complementarem. Isso vale para a virada de Moisés, extremamente bem construída quando estava para si mesmo, mas que não corresponde quando movimentada no momento de seu gesto para os outros.

Porque, visualmente, era mais interessante replicar a caminhada de libertação dos escravos de forma imageticamente impactante do que se concentrar nos sentimentos do homem que estava os libertando. Entra o aspecto gospel e animado, em que basicamente a sequência se resume a um show-off de imagens lindas que representam gestos divinos lindos e bastante óbvios de serem divinos. Moisés parece somente um utensílio ali no meio, e na Bíblia é assim mesmo, mas se o filme buscava fidedignidade aos personagens em primeiro lugar e se importou com eles no início, era necessário trazer as lentes para sua climática por meio deles. Fica a sensação de incompletude, a missão de Moisés foi completada por passividade, e sua rivalidade com Ramsés simplesmente não foi resolvida dentro de um confronto mais frontal de sentimentos. É aquele caso em que a busca por universalização da história de modo equilibrado meio que distanciou um pouco as duas pontas buscadas, embora nunca deixe o filme ser maniqueísta demais a ponto de ser doutrinário, tampouco negar a fé do que sabe que representa.

Naturalmente, fazendo parte daqueles não tão relacionados a fundamentações específicas religiosas, prefiro enxergar O Príncipe no Egito como uma obra que busca na animação um cenário perfeito de exercitar a fantasia religiosa quase como uma mitologia, que como qualquer outra, utiliza-se de mitos para estudar questões humanas. Dentro dessa vista, faltou um passo além para ela realmente atingir o ápice de dramaturgia, e a barreira foi inevitavelmente o outro lado, que não deixa de ser muito bem-feito, mas claramente foi colocado por necessidade de um estúdio em tornar acessível sua marca o mais rápido possível. De qualquer forma, não deixa de ser uma belíssima animação e deve estar com certeza entre as melhores adaptações do conto bíblico.

O Príncipe do Egito (The Prince of Egypt | EUA, 1998)
Direção: Brenda Chapman, Steve Hickner, Simon Wells
Roteiro: Philip LaZebnik
Elenco (Dublagem Original): Val Kilmer, Ralph Fiennes, Michelle Pfeiffer, Sandra Bullock, Jeff Goldblum, Danny Glover, Patrick Stewart, Helen Mirren, Steve Martin, Martin Short
Duração: 99 minutos

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