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Crítica | O Prisioneiro – 1X01: Chegada

Um marco da televisão britânica.

por Ritter Fan
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 01
Número de episódios: 17
Período de exibição: 29 de setembro de 1967 a 1º de fevereiro de 1968.
Há continuação ou reboot?: Sim. A AMC e a ITV coproduziram um remake da série, com o mesmo título, que foi ao ar entre 15 e 17 de novembro de 2009.

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O Prisioneiro não é nem de longe a primeira série de ficção científica ou de mistérios insolúveis que vão sendo empilhados na medida em que a história progride, mas, depois de assistir pelo menos o piloto da obra criada pelo ator e produtor Patrick McGoohan (se com ou sem contribuições de seu parceiro de Danger Man George Markstein é apenas um dos debate infindáveis que a série gera), o espectador atento notará sua particular influência na cultura popular, especialmente em obras de temática semelhante que seriam e ainda são produzidas pelo mundo. Com seus apenas 17 episódios – pelo menos em tese com começo, meio e fim -, sua temática oriunda da contracultura sessentista, sua pegada evidentemente anti-autoridade e anti-fascista e sua ousada linguagem surrealista, O Prisioneiro marcou gerações e é capaz de fascinar imediatamente mesmo o espectador moderno que não se limitar a obras de seu tempo.

Sei que me adiantei, mas esse é o efeito de Chegada, o episódio piloto da série, que nos prende desde os segundos iniciais pela música tema composta por Ron Grainer (que viria a se autoplagiar em A Última Esperança da Terra) por sobre uma rara “abertura narrativa” que conta como o personagem sem nome de McGoohan, claramente um agente secreto, acaba em um misterioso vilarejo costeiro depois de demitir-se de seu trabalho por razão incerta e não sabida. Acordando desorientado, o protagonista então, praticamente por todo o episódio, faz as vezes do espectador, ou seja, desbrava esse ambiente novo e misterioso ao seu redor, sempre com feição séria e compenetrada e sempre muito claramente com a intenção de escapar do que é uma prisão ao livre.

O piloto é uma grande e claustrofóbica expedição de reconhecimento, portanto. Número 6, como o protagonista passaria a ser chamado, mesmo famosamente rejeitando a noção de ser um mero número, já expondo um dos temas base da série que coloca o individualismo em oposição ao coletivismo, ganha um tour de helicóptero pelo lugar, cortesia do primeiro Número 2 que conhecemos, vivido por Guy Doleman (e que seria, no mesmo episódio, substituído por George Baker, com um ator convidado novo encarnando o mesmo número em cada episódio seguinte), tenta fugir, é capturado por uma bola inflável aparentemente senciente, descobre que conhece um paciente internado no hospital para onde é levado – e onde há diversos experimentos aterradores com a mente humana – e, mais ainda, estabelece contato com uma misteriosa mulher (Virginia Maskell) que diz ter a chave para a saída daquele lugar, algo que, claro, não acontece.

E, não tenham dúvida, entre um macro evento misterioso e outro, há diversos outros micro eventos ou micro situações que dão vida e estofo a essa Vila – assim como as pessoas são só números, a vila é só A Vila -, como a simbologia da bicicleta Penny Farthing (aquela com a roda dianteira gigantesca) que decora bótons e cartazes no local e os vários métodos usados por Número 2 para extrair “informações” do Número 6 sem que saibamos exatamente que informações são essas e o que ele quer com elas. A própria geografia do lugar – filmado em locação, essencialmente em um grande hotel no País de Gales – é assombrosa e desorientadora, com mapas sendo elementos importantes tanto para o protagonista quanto para o espectador.

Faz-se particularmente importante o espectador que quiser se aventurar pela labiríntica Vila que ele ou ela não espere respostas para cada pergunta que tiver, pois a série não as oferece seja no piloto, seja ao longo dos 16 capítulos seguintes. Claro, há o conceito geral bastante claro de um agente secreto que se demite não poder de verdade deixar a agência para qual trabalhava, tendo que ser levado para essa prisão de maneira a ser controlado e vigiado, o que nos leva à discussões orwellianas sobre a constante vigilância da população, sobre o fascismo e sobre a perda da individualidade, mas, quando vamos para o detalhe, ainda que tenhamos algumas respostas aqui e ali, elas jamais realmente entregam uma obra “explicadinha”. Até porque, vamos combinar que toda a pegada de cunho claramente surrealista que vai dos cenários ao figurinos, incluindo a tal bola branca flutuante e gigante (além de inteligente) e assim por diante de imediato, já no piloto, indica que a lógica cartesiana não é aplicável aqui e que é necessário uma boa dose de aceitação de situações absurdas, mas talvez por isso mesmo fascinantes e inesquecíveis.

É muito fácil perder-se na Vila e indignar-se como o Número 6 que sempre quer sair, mas nunca consegue. O Prisioneiro é uma série que, quando percebemos, estamos já no meio do labirinto procurando a saída, mas não necessariamente querendo sair de verdade. É como uma droga altamente viciante cujos efeitos conhecemos, mas que queremos continuar experimentando. E o episódio piloto é a porta de entrada para esse sensacional universo.

P.s.: Como toda série que tem seguidores fieis de diversas gerações, O Prisioneiro é constantemente examinada com microscópio pelos fãs, levando aos mais diversos e acalorados debates. Um dos maiores que existem é a ordem dos episódios, havendo literalmente uma dezena de sugestões. Não tenho a menor intenção de abordar essa questão aqui, bastando dizer que Chegada, o episódio piloto, é o único consenso que existe: ele é realmente o primeiro capítulo da série. Ainda bem!

O Prisioneiro – 1X01: Chegada (The Prisoner – 1X01: Arrival – Reino Unidos, 29 de setembro de 1967)
Criação:
Patrick McGoohan
Direção: Don Chaffey
Roteiro: George Markstein, David Tomblin
Elenco: Patrick McGoohan, Guy Doleman, George Baker, Virginia Maskell, Paul Eddington, Angelo Muscat, Barbara Yu Ling, Stephanie Randall, Jack Allen, Fabia Drake, Denis Shaw, Oliver MacGreevy, Fenella Fielding
Duração: 51 min.

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