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Crítica | O Psiquiatra ao Lado

(Sem) limites.

por Kevin Rick
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O Psiquiatra ao Lado tem uma premissa extremamente intrigante e assustadora. Baseada em fatos reais, a minissérie da AppleTV+, desenvolvida por Georgia Pritchett, e dirigida por Michael Showalter e Jesse Peretz, conta a estranha história de Marty Markowitz (Will Ferrell), um homem que relutantemente concorda em consultar um psiquiatra, o Dr. Isaac “Ike” Herschkopf (Paul Rudd), que rapidamente se torna seu amigo e gradualmente o manipula para ceder o controle de sua vida e negócios a Ike. A relação tóxica e sem limites dura quase três décadas, com a obra explorando a conexão antiética entre suas figuras centrais ao longo de oito episódios.

A linguagem da minissérie caminha entre um drama psicológico perturbador e um bromance com doses de humor ácido. Não acho que O Psiquiatra ao Lado chegue a ser necessariamente uma dramédia, até porque lida com temas que vão se tornando mais sombrios à medida que a narrativa avança, mas a obra carrega uma certa simpatia falsa na interação entre o doutor e seu paciente. Nesse sentido, a escalação de Ferrell e Rudd é certeira. A dupla de comediantes contracenaram juntos em O Âncora, assim como sua sequência Tudo Por um Furo, e são amigos de longa data, então a química em tela é palatável. Os atores estão confortáveis juntos, rendendo uma alta dose de carisma em uma amizade que, inicialmente, parece verdadeira.

É a partir disso que a obra consegue ser inteligentemente subversiva. Ferrell está muito bem como o engraçado que coloca uma máscara trágica. Às vezes é difícil desvencilhar a imagem cômica do ator de seu personagem depressivo, mas Ferrell oferece ótimas nuances melancólicas em uma performance introvertida, facilmente influenciável e praticamente infantil. No entanto, é Rudd quem brilha mais forte como o doutor manipulador, pois o ator é tão agradável, simpático e cativante, que é difícil não cair por seu charme nos primeiros episódios, apesar do roteiro já ir dando indícios dos métodos atípicos de Ike.

E a subversão parte justamente do fato da série ganhar uma pegada carismática sobre superação (na primeira metade da temporada), sendo que o desenvolvimento por detrás da cortina mental é exatamente o oposto. É genuinamente bonito como Marty ganha pequenas vitórias libertadoras no começo da série. E os diretores Showalter e Peretz são inteligentes em evidenciar esses momentos com empatia e fraternidade, como as cenas em que os protagonistas saem correndo pela calçada ou estão jogando basquete na rua, e até mesmo a segunda cerimônia de Bar Mitzvá de Marty.

Interessante pontuar como a direção, o bom texto (povoado de ótimos diálogos e sutilezas) e a afinidade do duo principal, não deixam essas situações caírem em um sentimentalismo barato, mas causam um efeito emocional autêntico. O paciente parece estar superando traumas, criando conexões e firmando ideais, sendo que está aos poucos sendo dominado e conduzido a um relacionamento dependente. Nesse sentido, a série tem extremo sucesso em exteriorizar como a relação falsa entre Ike e Marty pôde parecer verdadeira. Afinal, o carisma soa sincero, o tratamento tem seu nível de efetividade e o “bom doutor” se apresenta como “alguém que se importa”, para citar o próprio Marty.

Infelizmente, a minissérie peca por ser… uma minissérie. Estruturalmente, não faz sentido a escolha pela longa minutagem de uma temporada para o estudo de personagem da dupla, porque o conteúdo se torna muito repetitivo. Claro que aos pouquinhos o carisma vai se tornando perturbador, mas as situações de manipulação, os tópicos das conversas e os conflitos de Marty se mantêm os mesmos. Logo, o interesse na história se torna cansativo por causa da embalagem que não dá espaço para progresso. Consigo facilmente ver a mesma narrativa diluída em um longa-metragem com muito mais eficiência dramática e rítmica.

Mas considerando que a rota escolhida foi a televisiva, outras escolhas narrativas também não fazem sentido. Por exemplo, já que a premissa foi inflada, dramas tangenciais e personagens coadjuvantes são artifícios eficazes para preencher problemas de repetição temática. O texto até propõe isso com a irmã de Marty, Phyllis (Kathryn Hahn), e com problemas particulares de Ike com sua esposa Bonnie (Casey Wilson), mas nenhum desses conflitos são bem desenvolvidos. Aliás, a grande maioria é totalmente esquecida nas várias elipses da obra, levando ao meu segundo (e mais problemático) contratempo com a minissérie, que é a correria com saltos temporais nos episódios finais que deixam a narrativa ora confusa, ora sem um sentido que não seja o foco hermético em Ike e Marty. O único ponto positivo que enxergo nessas elipses temporais é a desconfortante sensação de loop entre o vínculo macabro de doutor-paciente apresentado, conforme os anos passam e os personagens ficam grisalhos, enquanto o status quo é o mesmo – isso é especialmente pontuado pelas incessantes festas de Ike.

No fim, O Psiquiatra ao Lado é um estudo de personagem totalmente voltado para seus protagonistas e seu relacionamento tóxico. Há muita qualidade na maneira paradoxalmente carismática e perturbadora que o convívio entre os personagens se desenvolve, principalmente por conta da ótima interação entre Rudd e Ferrell. Porém, a obra é cheia de deslizes narrativos, desde a cansativa repetição das mesmas situações ao longo de oito episódios, o abandono de subtramas intrigantes, até a péssima distribuição elíptica. Ainda assim, O Psiquiatra ao Lado tem substância o suficiente para deixar uma experiência positiva, carregada por seus ótimos intérpretes e por uma premissa psicologicamente desconcertante.

O Psiquiatra ao Lado (The Shrink Next Door) | EUA, 12 de novembro a 17 de dezembro de 2021
Criação: Georgia Pritchett
Direção: Michael Showalter, Jesse Peretz
Roteiro: Georgia Pritchett, Stuart Zicherman, Ethan Kuperberg, Adam Countee, Catherine Shepherd, Sas Goldberg
Elenco: Will Ferrell, Paul Rudd, Kathryn Hahn, Casey Wilson, Cornell Womack
Duração: 341 min. (oito episódios)

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