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Crítica | O Que Matou Por Amor

por Luiz Santiago
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Um Drama na Caça (1884) é comumente considerado o único romance de Anton Tchekhov, ou, em algumas classificações, o seu “conto mais longo” – catalogação também dada, algumas vezes, a O Duelo (1891).

Escrito por um jovem de 24 anos em um período em que a literatura policial/detetivesca estava apenas engatinhando, Um Drama na Caça demorou bastante tempo para ser “descoberto” como uma obra notável. Em suas páginas, temos o insólito modelo narrativo (para a época) em que o próprio assassino é o narrador dos eventos e, para intricar ainda mais a situação, esse narrador/protagonista é um juiz envolvido em temas morais e éticos bastante delicados.

Em meados dos anos 1930, o diretor Douglas Sirk (na época, Detlef Sierck) queria filmar essa história de Tchekhov para a UFA (Alemanha), mas o Estúdio barrou o projeto por considerá-lo pouco atrativo para o público. Ao iniciar sua carreira nos Estados Unidos, Sirk procurou ressuscitar a ideia e conseguiu convencer o produtor Seymour Nebenzal (que o tinha acolhido desde sua chegada à terra do Tio Sam, produzindo O Capanga de Hitler, primeiro filme de Sirk no país), que através de dois pequenos estúdios deu vida a O Que Matou Por Amor.

A adaptação traz a essência da obra de Tchekhov mas manipula os fatos históricos e o destino de alguns personagens, colocando em cena um ambiente da Revolução Russa e o contraste dela com o passado czarista recente (o passado da história se passa em 1912). O roteiro estrutura toda a trama em um longo flashback, partindo do encontro do (ex) Conde Volsky com Nadena Kalenin, editora-chefe de um jornal em plena República Socialista.

A narração tem o seu núcleo em um relato autobiográfico escrito pelo juiz Petroff (George Sanders, um dos atores favoritos de Sirk) e é bem interligado com o “momento presente”, tanto em seu ponto de partida quanto na finalização.

O destino impiedoso do protagonista, a tragédia já anunciada na obra original e o toque melodramático de Sirk – que traz aqui alguns motivos estéticos que nos lembram muito A Garota do Pântano, o seu primeiro melodrama – nos aproximam bastante dos personagens e tornam o desenlace dos eventos um momento chocante para o público. Não há perdão ou segunda chance para os culpados e isso pode ser lido de duas formas no filme, uma como punição à imoralidade (item recorrente no melodrama) e outra como subtema político-social, opondo dois modelos de governo e dois modos de vida, um de fartura e glamour e outro de pobreza e austeridade.

O ótimo elenco do filme ajudou a construir com perfeição a atmosfera necessária para o dilema da vida e das mudanças históricas. O maior destaque vai para a dupla George Sanders (Juiz Petroff) e Edward Everett Horton (Conde Volsky) que passam de dândis esnobes, dispendiosos e aproveitadores para miseráveis cheios de culpa. Cada um cresce dramaticamente durante o desenvolvimento do roteiro e, de maneira muito interessante, chegam ao final em um patamar que poderíamos definir como “amigavelmente conflitante”, já que o texto não ignora o atrito entre eles durante o tempo de vacas gordas, quando a aproveitadora Olga (Linda Darnell) se tornou motivo de disputada entre ambos e ponto de partida para a tragédia.

Mesmo que pareça exagerado em seu desfecho, O Que Matou Por Amor (esse título brasileiro, além de estúpido, é um spoiler imperdoável!) é um interessante melodrama de caráter histórico e tem um diretor bastante competente em sua condução. Em termos de produção, o espectador pode achar estranhíssimo a mistura de placas em alfabeto cirílico, diálogos em inglês e arquitetura e figurinos que misturam temas do século XIX até os anos 1940, mas estes são detalhes que compramos rapidamente porque eles não interferem de maneira negativa na estrutura da fita.

Entre o sofrimento, a maldade e a polarização ensaiada entre o bem e o mal, O Que Matou Por Amor marca o início dos melodramas de Douglas Sirk nos Estados Unidos, um gênero do qual ele se tornaria mestre na década seguinte e pelo qual entraria definitivamente para os autos da História do Cinema.

***

Um fato curioso: os cartazes originais e algumas fotos do filme mostram a atriz Linda Darnell deitada, voluptuosamente, sobre uma pilha de feno. Esta cena, no entanto, não entrou para o corte final de O Que Matou Por Amor. A chegada do feno à propriedade do Conde é citada por uma das personagens, mas a famosa cena não chega a aparecer no filme.

O Que Matou Por Amor (Summer Storm) – EUA, 1944
Direção: Douglas Sirk
Roteiro: Douglas Sirk, Rowland Leigh, Robert Thoeren (baseado na obra de Anton Tchekhov).
Elenco: Linda Darnell, George Sanders, Edward Everett Horton, Anna Lee, Hugo Haas, Laurie Lane, Sig Ruman, John Philliber, John Abbott, Mary Servoss, André Charlot
Duração: 106 min.

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